INTOLERÂNCIA

Hackers invadem perfis de religiões de matriz africana no Instagram

Segundo levantamento do Brasil de Fato, ao menos dez perfis foram atacados ou sofreram tentativas em janeiro deste ano

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Religiões de matriz africana são as que mais se tem registro de casos de intolerância no Disque 100 e também sofrem ataques nas redes. - Mauro Pimentel / AFP

Enquanto o Carnaval da Sapucaí no Rio de Janeiro, uma das maiores festas do país, reverência as religiões de matriz africana com as escolas de samba homenageando referências aos rituais, orixás e entidades da Umbanda e do Candomblé nas quatro primeiras colocações do desfile, na realidade os praticantes do culto tem sofrido situações de ódio e intolerância.

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Além do aumento dos casos registrados pelo Disque 100 em 56% no ano passado, o Brasil de Fato apurou que há cerca de um mês, perfis na rede social Instagram relacionados às religiões de matriz africana tem sofrido também ataques virtuais de hackers. Desde janeiro, pelo menos dez contas sofreram invasão ou tentativas.


Perfis que sofreram invasão hacker entre janeiro e fevereiro de 2020 / Brasil de Fato

As páginas receberam uma mensagem via Whatsapp, pelo número cadastrado e divulgado no perfil, ou via e-mail, como se fosse um contato da rede social solicitando informações da conta. Após clicarem no link e informarem seus dados, os usuários tem a  conta hackeada. O invasor muda o nome do perfil, senhas, número de contato e o dono fica sem acesso à conta.

Foi o que aconteceu com a página do usuário Fabiano Rodrigo Barboza no início de janeiro. “Eu recebi uma mensagem no meu celular dizendo que eu havia violado as diretrizes do Instagram e que eles precisariam confirmar meus dados. Nisso eles me mandaram um link, eu cliquei e acho que foi ai que eles tiveram acesso. A partir daí eu comecei a receber notificações de que a conta foi acessada de algum lugar dos Estados Unidos e não consegui ter mais acesso”, conta ele.

Barboza é candomblecista e criou o perfil Tenda Caboclo da Mata Virgem em 2017 com o objetivo de quebrar esteriótipos negativos e divulgar informações sobre as religiões de matriz africana. Antes da invasão, a página chegava a quase 74 mil seguidores. 

 


Capturas de telas mostram o momento que o invasor do perfil Tenda Caboclo da Mata Virgem trocou o nome da página / Reprodução Fabiano Rodrigo Barboza


Já no caso da usuária Edna Nascimento, proprietária da página Puro Axé Oficial -  no ar desde 2017, tinha 84 mil seguidores no momento da invasão -  o contato foi por e-mail. “Eu recebi uma mensagem via e-mail de que o número da minha página tinha mudado para um número do Rio de Janeiro e logo em seguida eu consegui mudar o e-mail. Então fiquei com meu e-mail e com o telefone da pessoa e não conseguia mais entrar, me deu acesso negado. Eu tentava mudar a senha, só que tinha confirmação e vinha o telefone da pessoa e o meu e-mail”, relata.

Nascimento é umbandista e só conseguiu recuperar a conta com ajuda de uma pessoa que tinha mais conhecimentos técnicos. “Foram dois dias de aflição, de medo, angústia e choro. Porque você tem um trabalho tão sério de respeito e nessa mesma época várias páginas sofreram ataque. Teve até página pessoal de administrador que sofreu ataque e essa pessoa perdeu completamente a página. Por quê? A pessoa não conseguiu mudar o telefone e o e-mail a tempo”, afirma.

Barboza foi uma dessas pessoas que não conseguiu reaver o perfil. Ele relata que a resposta padrão do Instagram não foi suficiente para recuperar a conta, porque também teve seu e-mail hackeado.

Sem suporte

“O que me espanta é que o Instagram tem todas as informações, então se ele clicar lá sobre a página, ele vai ver que um dos nomes antigos é Tenda Caboclo da Mata Virgem e foi mudado várias vezes no mesmo dia. Então está claro que é uma fraude, só que o Instagram não enxerga dessa forma. Eu coloquei no Reclame Aqui, reportei, mandei print e eles mandaram a mesma mensagem de ajuda de suporte, eles não resolvem nada, infelizmente”, lamenta Barboza.

Nascimento endossa a reclamação da falta de suporte da rede social e reforça que “as páginas de axé estão ao léu”. “Quanto ao Instagram, eles não me deram assessoria nenhuma, eles não tem um canal de comunicação direto. Tem um e-mail que demoraram mais de um mês para responder e mesmo assim negaram ajuda. A gente vai se ajudando, porque se contar com o Instagram a gente não tem nada”, desabafou ela. 

O caso de Barboza é ainda mais grave, porque o perfil invadido pelo hacker ainda está no ar com outro nome e, na última semana, tentou chantageá-lo para que ele comprasse o acesso antigo ao perfil. 

“Eles sumiram por um tempo, quando eu te mandei eles vieram com essa mensagem me cobrando 500 dólares, aí depois abaixou para 300, 100 e o último [valor cobrado] para eu ter minha página de volta foi 50 dólares”. 

Ele trocou o número de telefone para bloquear a chantagem e acabou desistindo de reaver o perfil. Agora criou uma outra conta com o mesmo nome. 

 


Fabiano Rodrigo Barboza teve um dos seus perfis do Instagram hackeado e depois sofreu tentativas de chantagem, via Whatsapp. / Reprodução Fabiano Rodrigo Barboza

Nenhum dos usuários chegou a denunciar os casos na polícia ou no Disque 100, por não acreditar que há resolução dos casos de intolerância e crimes de internet por estes canais. “Eu posso até ligar e fazer uma denúncia, mas vai ser só uma denúncia, como se fosse um boletim de ocorrência. Não resolve nada”, afirma Barboza.

Até o fechamento desta reportagem a rede social Instagram não se pronunciou sobre os casos.

Rede contra intolerância

Segundo os usuários, as tentativas de invasões continuam. Há relatos de que outros perfis foram hackeados na última semana. “A gente acredita que seja um ataque contra páginas religiosas de matriz africana, porque de outras páginas a gente não teve relato. Somente de páginas de candomblé e umbanda”, afirma Fabiano Rodrigo Barboza.

 


Renan Kleber Pimentel chegou a receber a mensagem do hacker, mas conseguiu evitar a invasão hacker no seu perfil Umbanda Saber. / Reprodução Umbanda Saber

Os casos acabaram reverberando na rede pela mobilização dos próprios perfis que iniciaram uma campanha de informação sobre a ação hacker para que outras contas não fossem prejudicadas.

“Aconteceu com oito a dez pessoas em um único dia e a gente na parte da manhã começou a fazer uma corrente explicando os e-mails e links que estávamos recebendo para prestar mais atenção”, relata Renan Kleber Pimentel, proprietário da página Umbanda do Saber, que há oito anos divulga mensagens relacionadas à religião e conseguiu evitar a invasão.

 


Campanha informativa dos perfis de religiões de matriz africana. / Reprodução Umbanda Saber

Edição: Leandro Melito