MOBILIZAÇÃO

Encontro de Mulheres do MST: conheça história de luta das sem-terra de Roraima

O BdF conta as vivências das mulheres que representarão o estado do Norte do país no evento inédito em Brasília

Brasil de Fato | Boa Vista (Roraima) |
Parte da delegação de Roraima nos preparativos para percorrer 750 km de ônibus até Manaus, e de lá tomar um voo de três horas até a capital - Martha Raquel/Brasil de Fato

Cinco mulheres sem-terra de Roraima chegaram nesta quinta (5) em Brasília (DF) para participar do 1º Encontro Nacional de Mulheres do Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que acontece entre os dias 5 e 9 de março. Mulheres de 24 estados participarão do encontro, e a delegação Roraima contará com assentadas de diferentes cidades e regiões. 

Para Maria Gerlândia da Silva, 35, conhecida como Bia do MST, o intuito da ida ao Encontro é fortalecer a construção coletiva da luta por uma nova sociedade, onde as mulheres tenham de fato respeito e dignidade. 

A história de militância de Bia, que hoje é dirigente nacional do MST, começou há 22 anos, na ocupação de uma fazenda na cidade de Floresta, interior de Pernambuco, ao lado de seus pais e de quatro irmãos. Foi morando embaixo de uma lona na beira de um rio onde ela teve contato pela primeira vez com o trabalho de base do Movimento. 

Seu pai, vítima do êxodo rural, largou o trabalho fixo depois de ver o Movimento como uma oportunidade de voltar às suas origens, já que o acampamento contava com plantação de cebola, tomate e feijão. Com os olhos marejados, Bia conta que voltar a produzir o próprio alimento significou muito para a família como um todo, mas principalmente para seu pai. 

"Meu pai largou o trabalho em uma fazenda de uva e foi pro assentamento com a família toda. A mudança começou com o meu pai porque ele começou a ter uma outra visão do mundo. O MST mudou radicalmente a história da minha família", contou Bia. 

O MST mudou radicalmente a história da minha família.

Desde a escola primária até os cursos profissionalizantes realizados por Bia, como o técnico em Enfermagem pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), a especialização em Políticas Públicas de Saúde para a População do Campo, Floresta e Águas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a faculdade de Serviço Social, também pelo Pronera, toda a sua formação é fruto de políticas e projetos adotados pelo MST. 

"Meus irmãos também fizeram formações políticas, sendo que dois deles concluíram o ensino médio pelo EJA Campo, a Escola de Jovens e Adultos do Campo. Um deles é técnico em Agropecuária e outra cursa História pelo Pronera. Se não fosse o movimento provavelmente não teríamos acesso ao estudo formal desta forma", explicou a dirigente nacional do MST.

Seu currículo dentro da organização é extenso. Já atuou no setor de saúde em Caruaru e depois coordenou o setor de saúde do estado de Pernambuco. No último ano, mudou-se para Boa Vista, a capital de Roraima, com a tarefa política de ajudar na articulação do movimento no estado.  

Diferente de Bia, dona Felipa Carlos, de 55 anos, conheceu o movimento depois de adulta. Ela, que trabalhava como empregada doméstica em Boa Vista, vive há 13 anos no Assentamento Projeto Jatobá, na cidade de Cantá, em Roraima. 

Ela conta que quando chegou ao local era tudo muito difícil. Com pausas entre as frases ditas, lembrou que carregou seus pertences sozinha por 15 km de lama e que na área não havia nenhuma estrutura.

Com o tempo o povo aguerrido construiu casas, escolas e estradas. "Em 2007, eu participei da grande marcha [de 35 km] de Cantá até Boa Vista. Por causa desse Movimento, muita coisa mudou na vida do nosso povo. Eu pude estudar, hoje sou técnica em Agricultura pelo Instituto Federal Novo Paraíso, e vi a juventude se tornar professora das crianças. Temos umas 100 famílias lá, então são muitas crianças. O único problema que ainda enfrentamos é a falta de ônibus para os mais velhos poderem estudar fora do assentamento, pra fazer uma faculdade", desabafou. 

Por causa desse Movimento, muita coisa mudou na vida do nosso povo. Eu pude estudar...

Também fazem parte da delegação a indígena Macuxi Maria José, de 78 anos, Beane Freitas, de 26 anos, e Francilene Barros

Beane conheceu o movimento aos 12 anos quando se mudou para o Assentamento PA Jatobá Nova Vida, também na cidade de Cantá. Acompanhada da mãe, dos irmãos e do padrasto, a família dividia a lona com mais alguns amigos. Quando a vila cresceu cada família pode ser seu espaço de terra. 

Depois de enfrentar muitas dificuldades na infância, atualmente ela vive com o marido e seus 4 filhos – de 13, 11, 8 e 1 ano e 5 meses. Como as companheiras de luta, ela traz consigo a construção da comunidade no dia a dia. O espaço que não tinha estrada, nem energia, hoje conta com espaço demarcados, ruas, energia elétrica, escola e em breve terá um posto de saúde. 

Durante a sua caminhada Beane teve que largas os estudos para criar os filhos e hoje está concluindo o ensino médio pelo EJA Campo. "É mais tranquilo viver com a minha família no assentamento. Aqui não temos violência, meus filhos que estudam fora pegam o ônibus na porta de casa. Além de que ter um pedaço de terra pra poder criar galinhas, plantar, montar o seu cantinho, é uma felicidade muito grande", disse emocionada. 

Aqui não temos violência, meus filhos que estudam fora pegam o ônibus na porta de casa. Além de que ter um pedaço de terra pra poder criar galinhas, plantar, montar o seu cantinho, é uma felicidade muito grande.

Para ela o movimento abriu muitas portas para sua família e amigos que conquistou no assentamento. Hoje ela realiza um sonho: participar de um encontro de mulheres, um encontro grande, como pontuou. "Vou conversar com outras mulheres, entender a realidade delas, o que muda de um lugar pro outro. Vamos poder trocar conselhos e comemorar ter um pedacinho de chão nosso pra deixar pros nossos filhos". 


Maria José, indígena Macuxi, e Bia do MST. Maria José, última a embarcar para Brasília, participa pela primeira vez de uma atividade nacional do Movimento / Martha Raquel/Brasil de Fato

Mulher sem-terra

Para as assentadas de Roraima, o encontro nacional das mulheres do MST será um espaço de troca de informações, conhecimento e experiências, além de uma oportunidade de fortalecimento da luta das mulheres dos campos, das florestas e das águas. 

Quando questionadas sobre o que é ser mulher sem-terra, responderam em conjunto e sem titubear: "ser mulher sem-terra é se tornar um ser coletivo, solidário e com esperança. É se manter forte perante todas as adversidades existentes na sociedade. É não desistir da construção do novo homem e da nova mulher. É não se cansar da luta. É resistir pra existir em uma sociedade em que as mulheres são massacradas e violentadas de diversas formas pelos valores patriarcais, machistas e conservadores. É ter noção de que semear a resistência é uma tarefa revolucionária. É dar as mãos pra manter a chama acesa e ter muito claro que sem feminismo não há socialismo".

Edição: Rodrigo Chagas