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O voo do pintinho: reflexões sobre o PIB de 2019

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O PIB agregado do ano de 2019, que nos relegou a vergonhosa marca de crescimento de 1,1%, contrariando todas as previsões dos economistas amigos da Globo, do mercado financeiro e do Paulo Guedes - Valter Campanato / Agência Brasil
Não conseguiremos expandir capacidade produtiva, apenas ocupar a já existente

Entre os economistas é comum a expressão “voo da galinha” para se referir à performance da economia brasileira, pelo menos desde os anos 1980, momento em que passamos a alternar períodos de baixo, muito baixo ou mediano crescimento econômico.

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Ou seja, estamos sob um modelo econômico que não “deslancha”. Ainda que eventualmente alce voo, seu trajeto é sempre curto, esbarrando em restrições de ordem externa ou interna, fruto do próprio modelo de desenvolvimento com negligência da industrialização que adotamos desde a crise da década de 80.

Ocorre que a performance atual da economia brasileira – desde o golpe de 2016 – está mais para pintinho do que para galinha. Isso porque as taxas de crescimento são tão medíocres que nem conseguem lograr uma situação de respiro da depressão econômica. 

No dia 4 de março foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o Produto Interno Bruto (PIB) do agregado do ano de 2019, que nos relegou a vergonhosa marca de crescimento de 1,1%, contrariando todas as previsões dos economistas amigos da Globo, do mercado financeiro e do Paulo Guedes. 

Eles não se pouparam ao ridículo de projetar taxas irreais, na ordem de 2,8% de crescimento econômico, mais uma vez na crença de que o mercado se autorregula, corroborando com a idéia falaciosa de que menos Estado significa mais investimento privado.

Ao invés de uma autocrítica do modelo liberal, centrado na contração fiscal e do gasto público, os liberais de carteirinha não poupam esforços em encontrar, rapidamente, um culpado. Guerra comercial, coronavírus, atrasos na aprovação/execução das reformas... Talvez tenham se esquecido das aulas de Contabilidade Social, em que aprendemos que o PIB= C(consumo) + G(Gasto do Governo) + I(investimentos) + (X[exportação] – M[importação]).

Atualmente, 64% do Produto Interno Bruto vem da variável consumo. Assim, em que pese uma política monetária com juros básicos mais baixos e a liberação desmedida dos saques do FGTS, ela se faz quase incólume frente a uma massa de desempregados e subempregados.

Além disso, a política de teto dos gastos e cortes em programas sociais, não somente contribuiu negativamente no PIB pela ótica do Gasto do Governo, quanto também inibiu ainda mais o consumo, já que quem não recebe não gasta. O gasto é função direta da renda.

No entanto, o mais importante e que aponta para uma dimensão estrutural, é a baixa performance da variável “Investimento”. O consumo e o gasto do governo podem ser compreendidos como elementos conjunturais, enquanto o investimento tem uma dimensão estrutural.

Ou seja, em um novo cenário advindo de uma nova correlação de forças políticas que retome a trajetória do gasto social, consumo e gasto do governo podem, rapidamente, se elevar, bastando políticas de estímulo à demanda agregada.

Com o investimento, no entanto, a dimensão é mais complexa. Ou seja, se prosseguirmos com essa política econômica por muito mais tempo corremos o risco de chegar em uma situação de quase irreversibilidade, apontando para mudanças estruturais que nos limitarão, ainda mais, as possibilidades medíocres de crescimento, típicas dos países subdesenvolvidos.

O dado que mais chama a atenção é que a FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo) recuou 3,3% no último semestre de 2019 com relação ao semestre anterior. Assim, atualmente a taxa de investimento da economia brasileira é quase 30% inferior ao que era no ano de 2013, por exemplo, figurando em torno de 11% do PIB. Atualmente a taxa de investimento chinesa é de 46% apenas para ficar em um exemplo.

Isso quer dizer que estamos retrocedendo na nossa capacidade produtiva nacional. Ou seja, os resultados pífios mas ainda positivos da indústria no ano de 2019 (1,1%) significaram, apenas, que estamos ocupando “capacidade ociosa”, não que estamos expandindo o setor.

Por exemplo, havia – em 2014 – uma fábrica que produzia 100 sapatos por dia. Depois da crise ela passou a produzir 60 sapatos, isso fez ela ter uma capacidade ociosa de produção de 40 sapatos. Agora, em 2019, ela passou de 60 para a produção diária de 70 sapatos.

Isso conta como crescimento do setor, mas – no entanto – ela segue produzindo menos do que produzia antes. Na verdade o setor não cresceu, ele só ocupou capacidade produtiva. 

Agora pense que no ano de 2019, 33 fábricas de sapatos fecharam no Brasil. Ou seja, crescendo de 1 em 1% nós vamos – daqui há um tempo – voltar a produzir os 100 sapatos, mas com menos fábricas.

Ou seja, nossa capacidade de crescimento no longo prazo será muito menor, já que não conseguiremos expandir capacidade produtiva, apenas ocupar a já existente.

Esse sim é um grave problema que aponta para a redução das nossas condições de voltar a sonhar com um modelo de desenvolvimento econômico que rompa com as barreiras do subdesenvolvimento e que projete as condições de uma sociedade com pleno emprego e com distribuição de renda. 

Edição: Leandro Melito