AGROECOLOGIA

Vinho de Jabuticaba coloca em evidência produção camponesa em Alagoas

Produtos e processos tradicionais ganham alcance e reconhecimento na região serrana de Palmeira dos Índios

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Produção do vinho é artesanal e agroecológica - COOPCAM

Os meses de fevereiro e março são sempre especiais no município alagoano de Palmeira dos Índios. A cidade localizada no agreste do estado tem na agricultura camponesa uma forte marca de identidade. É justamente desta tradição que vem o item que coloca esse espaço do Nordeste em evidência para o Brasil a cada início de ano: a jabuticaba. Ou melhor, um produto derivado da fruta, o vinho.

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“Desde o final dos anos 1970, as famílias mantém a tradição de se reunir para colher as frutas e preparar produtos derivados, entre os quais o vinho de jabuticaba é considerado o mais especial”, explica Salete Barbosa de Oliveira, da Cooperativa Mista de Produção e Comercialização Camponesa do estado de Alagoas (COOPCAM). Ela também integra o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), que é a principal organização popular que reúne as famílias da região.

Os relatos colhidos entre os moradores mais antigos revela que há décadas a prática coletiva vem colocando em evidência os procedimentos da agroecologia, valorizando a relação entre ser humano e natureza. Além de integrar os participantes em um contexto de coletividade e proporcionar como resultado final muitos elementos simbólicos que estão para além da materialidade dos produtos e subprodutos.

“O processo artesanal de produção do vinho – hoje coordenado a partir da cooperativa e já chamando a atenção de outras organizações pelo entorno positivo que movimenta – vinha sendo praticado por famílias nas comunidades de Serra Bonita e Serra das Pias, aproveitando a safra da fruta a cada início de ano”, comenta Vera Lúcia Félix de Brito, também integrante do MPA.

Se até poucos anos a produção se destinava exclusivamente para o uso familiar, para a partilha com amigos e, ainda, para consumo nas festas tradicionais – como o terço, a novena e a “arrancação de bandeira” –, hoje se encontra ressignificada e com potencial crescente de ganhar novos consumidores e novos mercados. 

Um vinho especial

A jabuticaba é uma fruta 100% brasileira, originária da Mata Atlântica. Embora existam vários tipos, a mais conhecida é a jabuticaba-sabará (Myrciaria cauliflora). As frutas crescem no tronco da árvore e – para consumo in natura – devem ser ingeridas logo que colhidas. Quando utilizadas para o processamento de produtos, além do vinho, podem resultar em suco, geleia e licor, entre outros.

“A graduação alcoólica é moderada e o sabor marcante característico do vinho de jaboticaba do MPA alagoano agrada até os paladares mais exigentes”, aponta Salete.

O reconhecimento crescente da qualidade do produto despertou a ideia de somar forças para organizar a produção coletivamente e alcançar novos horizontes. Conforme aponta a dirigente, nos últimos dois anos, o vinho tem sido amplamente difundido, especialmente nos espaços onde o movimento está presente, com base consolidada em 18 estados brasileiros. 

“Trata-se de uma bebida muito saborosa, produzida com carinho, artesanalmente, pelas mãos de camponeses e camponesas que se organizaram através da Cooperativa e agora começa a dar os primeiros passos para fazer essa tradição chegar até novos apreciadores”, assegura Vera. Segunda ela, em 2019 foram produzidas cerca de 700 garrafas que foram rapidamente comercializadas. A prospecção atual é de 2 mil garrafas da bebida produzidas na safra atual, que está em fase de colheita e preparo.

Identidade agroecológica

No último ano, além da repercussão crescente pelo país afora, o vinho de jabuticada de Palmeira dos Índios também foi objeto de relato de experiência no Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Esse viés é uma característica das famílias da região, que historicamente resistem ao modelo de agricultura que privilegia a utilização de insumos químicos e venenos agrícolas, optando pelo modo de produzir da agricultura familiar, com base agroecológica.

“Historicamente, as famílias dessa região produzem jabuticabas, hortaliças, sementes, além de uma grande variedade de outras frutas, entre outros produtos”, explicam Salete e Vera no relato apresentado na UFS. “E toda essa produção acontece evidenciada por pessoas que sempre produziram sua própria alimentação e levam aos itens que comercializam coletivamente o mesmo cuidado que têm para com aquilo que é consumido como alimento por seus próprios familiares”, acrescentam. 

“No caso do vinho não é diferente, pois a jabuticaba também é produzida com os mesmos princípios, respeitando a natureza e valorizando o modo cooperado utilizado pelas famílias e fortalecendo a relação direta com a agroecologia”, acrescenta Vera. Ela explica ainda que o conjunto de atividades desenvolvidas no território acontece conjuntamente com o MPA que apoia as atividades e articula as agricultoras e os agricultores, fortalecendo a vivência e continuidade da experiência.


A Jabuticaba contribui para a desintoxicação do corpo, auxiliando na remoção de alguns metais pesados e substâncias tóxicas / COOPCAM

Propriedades da Jabuticaba

A relação dos camponeses da região serrana de Alagoas com a jabuticaba comprova, mais uma vez, a importância dos saberes tradicionais, acumulados de geração em geração, revelando à ciência moderna informações imprescindíveis para a qualidade de vida e preservação da saúde humana.

A jabuticaba é uma fruta que tem poucas calorias e carboidratos e grandes quantidades de vitamina C e E, assim como ácido fólico, Niacina, Tiamina e Riboflavina. Possui ainda minerais como potássio, cálcio, magnésio, ferro, fósforo, cobre, manganês e zinco.

No que diz respeito à saúde, o consumo de jabuticaba e produtos derivados auxilia na recuperação da elasticidade e firmeza da pele e de músculos, aumenta a resistência do corpo, diminui o colesterol ruim e combate os radicais livres. Suas propriedades levam ao fortalecimento dos vasos sanguíneos, prevenindo o AVC (derrame). Possui propriedades anticancerígenas, ajuda na estabilização da taxa de açúcar no sangue e fortalece a memória.

Atribui-se à fruta também propriedades anti-inflamatórias, que podem ajudar a aliviar as dores da artrite e outras doenças inflamatórias. A jabuticaba ainda contribui para a desintoxicação do corpo, auxiliando na remoção de alguns metais pesados e substâncias tóxicas, melhorando a função da vesícula biliar e combatendo o colesterol alto e a obesidade. O consumo frequente auxilia no funcionamento saudável do trato digestivo, proporcionando movimentos intestinais mais regulares e prevenindo contra a constipação e diarreia. É auxiliar no tratamento da anemia, estresse, asma, bronquite, amigdalite, gripes e resfriados.

“Quem alimenta o Brasil exige respeito”

O vinho de jabuticaba produzido pelos camponeses e camponesas alagoanos é mais um exemplo de produção tradicional, executada de forma a valorizar os processos coletivos e fortalecer a identidade do campesinato. Desde meados de 2019, o Movimento dos Pequenos Agricultores tem intensificado sua campanha em busca de reconhecimento, valorização e apoio à agricultura camponesa sob o lema “Quem alimenta o Brasil exige respeito”.

“É sabido por todos que mais de 70% do alimento que chega até as mesas dos brasileiros e brasileiras é resultado do trabalho das camponesas e dos camponeses que resistem ao sistema do agronegócio e seguem produzindo comida boa, saudável e limpa de venenos ou outros químicos nocivos à saúde”, explica Rafaela Alves, da coordenação nacional do MPA.

Para ela, é preciso valorizar e fortalecer iniciativas como a que está em curso pela COOPCAM, que também são instrumentos de defesa do território. “Mais do que nunca precisamos ser criadores e criativos”, assinalou.

*Matéria especial para o BdF-PE

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Monyse Ravena e Vivian Fernandes