Coluna

Os dias que virão no Brasil

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Eis o mais perigoso dos sintomas: quando a própria sociedade sinaliza que concordará com o fim da democracia e do pluralismo - Zak Bennett/AFP
Não, o que acontece no Brasil desde a eleição de Bolsonaro não é normal, tampouco deve ser tolerado

Por Martonio Mont'Alverne*

O presidente Bolsonaro não se faz de rogado e todo dia mantem a chamada de seus apoiadores para manifestações contra os poderes Legislativo e Judiciário, o quê, claro, é também contra a Constituição e as leis. Em meio à crise dos mercados mundiais, coronavírus, disputa geopolítica de Arábia Saudita, Rússia e Estados Unidos pelo preço e volume da produção petrolífera mundial, confirma-se a percepção de que o caos deve ser criado para que apareça o redentor de todos. Como se não bastasse, assistimos ao nosso país ser levado à condição de vassalo internacional dos mesmos Estados Unidos, numa rara demonstração internacional de servilismo.

Cada um à sua maneira, quem possui a objetiva atribuição de guardar a Constituição e de se manifestar no sentido de advertir o presidente de que atentar contra o Estado Democrático de Direito é crime de responsabilidade, não o faz.  Não se ouve sequer uma palavra mais contundente contra tais atos do presidente vinda das “instituições que estão funcionando”. Alguns intelectuais e jornalistas é que gastam tinta e verbo nesta direção. Em resposta, recebem críticas do pior nível, são atacados pessoal e profissionalmente pelas milícias virtuais, criando um ambiente que tenta confundir normalidade com exceção; pluralismo democrático com brutalidade. 

Não, o que acontece no Brasil desde a eleição de Bolsonaro não é normal, tampouco deve ser tolerado. Não há conciliação mínima, nem diálogo elementar possível com quem deseja destruir o adversário; com quem espera o inferno para outros.  O que chama nossa atenção é a passividade com que a sequência de acontecimentos é percebida. Como se o prenúncio de algo mais grave não estivesse entre nós há bastante tempo.

Os mercados se recuperam da noite para o dia; mas não a democracia. É evidente que origem de tudo teve seu ponto desencadeador com as conhecidas “jornadas de 2013”, estimuladas contra os governos populares de Lula e Dilma. Longe de consistirem em reivindicação verdadeiramente crítica a estes governos, serviram para mostrar que havia um ambiente político disposto a romper com a legalidade democrática, e fazer parecer que tudo era parte do jogo de vencer/perder das democracias. Tirar o PT e a centro-esquerda do governo era o mais urgente.

A aposta era alta e incluía a firme avaliação de que Bolsonaro e seus sequazes não passariam de um grupo inofensivo de bufões, igualmente inerentes à democracia. Celebridades aguadas e grande mídia não se incomodaram nem com o candidato, nem como o vitorioso empossado: não seria o fim do mundo e ele caberia na democracia brasileira! Vê-se agora que a democracia não cabe nele e nos seus apoiadores. 

Os impropérios diários contra tudo e contra todos, contra a Constituição, contra o Congresso, contra os Poderes parecem dar mais firmeza aos apoiadores do presidente. Eis o mais perigoso dos sintomas: quando a própria sociedade sinaliza que concordará com o fim da democracia e do pluralismo; quando apoia quem quer exterminar a heterogeneidade das tensões sociais, é chegado o momento da ação concreta. Seja daqueles que têm muito a perder; daqueles que por consciência política ainda acreditam na democracia e mesmo dos que perderão economicamente, com a derrocada dos mercados.

Já que as “instituições que estão funcionando”, até o momento, não ofereceram o anteparo necessário contra a debacle que se aproxima, enquanto deveriam fazê-lo, resta ao povo tal tarefa. Não será fácil, mas não será impossível. E tudo começará e terminará no nosso ambiente de trabalho, nas escolas, nos postos de saúde, nas associações coletivas, nas ruas. Estes são os espaços onde devemos estar e aonde devemos ir.

*Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza, procurador do município de Fortaleza (CE) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).  

Edição: Rodrigo Chagas