Crise

Previsões para a economia seguem caindo, mas crise é anterior ao coronavírus

Após governo anunciar revisão do PIB, mercado também baixa previsões para o crescimento da economia em 2020

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ministro Paulo Guedes diz que governo não vai a abrir mão da austeridade - Marcelo Camargo/Ag Brasil

Em menos de uma semana, as expectativas do governo e do mercado para o crescimento do Brasil em 2020 caíram e os dois lados divulgaram previsões mais baixas para o Produto Interno Bruto este ano.  Na quarta-feira (11), o Ministério da Economia informou que a estimativa do governo é de 2,1%, frente a projeções anteriores que estavam em 2,4% . Já a pesquisa Focus, divulgada pelo Banco Central nesta segunda-feira (16), mostra que o mercado agora prevê PIB de 1,98% para o ano.

Em ambos os casos, foram citados os efeitos da pandemia do coronavírus no cenário econômico global. No entanto, as revisões foram divulgadas menos de duas semanas depois das informações de que, em 2019, o Produto Interno Bruto do Brasil cresceu 1,1% - terceiro ano seguido de aumento pífio no índice.

Economistas avaliam que a crise é anterior ao surto global da doença e tem como causa principal a política econômica do governo de Jair Bolsonaro, que caminha na direção da austeridade, com cortes profundos nos investimentos públicos. O professor doutor do Instituto de Economia da Unicamp, Pedro Rossi, afirma que essa política colocou o Brasil na crise mais grave da história do país.

“O Brasil está vivendo a sua pior crise da história. Nós estamos hoje mais pobres do que nós estávamos em 2014. O conjunto da sociedade brasileira produz menos bens e serviços e tem acesso a menos bens e serviços do que em 2014. Nós estamos vivendo uma crise de grandes proporções e com uma recuperação muito lenta. Em outras crises de grande proporção nós conseguirmos ter uma recuperação mais rápida", afirma Rossi.

Ficção contábil

Mesmo com os resultados que mostram tendência consistente de queda nos últimos anos, indicando que o Brasil está com dificuldades para superar o cenário, o governo comemorou o índice de 2019. Em nota, a Secretaria de Política Econômica separou o que chamou de PIB público e PIB privado.  No texto, o órgão chegou a usar a palavra dinamismo para classificar o cenário brasileiro.

“A composição do PIB indica uma melhora substancial, com aumento consistente do crescimento do PIB privado e do investimento privado, de forma que a economia passa a mostrar dinamismo independente do setor público", diz o texto.

A separação entre PIB público e privado intrigou economistas. O Produto Interno Bruto é justamente a soma de tudo o que é produzido no país, tanto em bens quanto em serviços. A separação, portanto, não faz sentido. Mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Estadual de Campinas, a economista Iriana Cadó, afirma que o governo demonstra não assumir as próprias responsabilidades no cenário.

“O PIB privado é uma grande fake news. Descaracteriza completamente a discussão que a gente tem sobre contabilidade social. É um conceito direto que a gente estuda e não está aberto a divergências. O PIB é uma unidade contábil e soma-se todos os produtos e serviços produzidos numa determinada economia.  Podemos observar o PIB pela ótica da renda, dos produtos e das despesas. O que o governo faz quando fala em PIB privado? Ele olha para a despesa, deduz o montante de investimentos do governo e diz que esse resultado é o PIB privado. Não faz sentido nenhum. É uma ficção contábil", afirma.

Reformas alimentam crise

O discurso oficial do governo para justificar as decisões de cortes nos investimentos públicos se baseia em uma suposta confiança que seria criada no mercado frente à austeridade. Pedro Rossi afirma que não há indicativos de que esse resultado venha acontecer.

“Desde 2015 nós estamos ouvindo que o ajuste fiscal e a agenda de reformas iria gerar crescimento.  A Emenda Constitucional 95 ia gerar crescimento, não gerou. A Reforma Trabalhista ia gerar crescimento, não gerou. A Reforma da Previdência idem. Há sempre uma reforma ali na esquina que vai gerar crescimento. A crise alimenta as reformas neoliberais e as reformas neoliberais alimentam a crise. De forma que eu tenho dúvida se esse governo quer realmente gerar crescimento", questiona.

Iriana Cadó afirma que o governo tenta sinalizar ao mercado que está efetivando uma política que, cada vez mais, vai tirar do estado a responsabilidade de investir. Ela ressalta que o caminho não demonstra resultados e tende a aprofundar as consequências negativas de situações como a pandemia do coronavírus.

“Nós estamos passando por um momento de extrema turbulência conjuntural no cenário internacional. Essa postura do governo tende a aprofundar as consequências negativas. O recuo de investimentos, por exemplo, é resultado da PEC do corte dos gastos. Estão sendo implementadas uma série de políticas que aprofundam os aspectos recessivos da nossa economia e que são aprofundados pela pandemia do coronavírus. O governo diz que esse é o momento inclusive de aprofundar reformas para dar respostas. Isso é uma declaração de quem não entende de economia. Se a gente não começar a trazer respostas a curto prazo para o processo de desaceleração econômica global, a gente vai sofrer consequências muitos sérias", aponta.

Na semana passada, após reunião no Congresso Nacional para tratar das medidas de enfrentamento ao coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi criticado por parlamentares por não ter apresentado um plano de ação amplo na área econômica. Nesta segunda-feira (16), em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Guedes afirmou que o governo não vai abrir mão do que ele chamou de disciplina fiscal e, sem dar detalhes, disse garantir que não vai faltar dinheiro para combater a crise. 
 

Edição: Leandro Melito