Rio Grande do Sul

Covid-19

Artigo | Sobre crimes de guerra, narrativas e hegemonia

As teorias sobre a criação do Covid-19 reforçam o embate entre China e EUA

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Existe muito mais lógica e evidências que apontam para os EUA como o possível difusor da doença, numa tentativa de desestabilizar o crescimento econômico chinês" - Foto: Reuters

Circulam na internet, principalmente através dos grupos de whatsapp, nos mesmos moldes que foram as fakenews que ajudaram a eleger Trump e Bolsonaro, teorias conspiratórias que colocam a China na condição de criadora intencional do vírus que rapidamente se espalhou pelo mundo, transformando-se em pandemia, sobre a prerrogativa de destruir a economia mundial (sic).

Antes de todo esse frenesi, quando o SARS-Cov-2 (vírus que gera a doença Covid-19) ainda estava na condição de epidemia, se espalhando e limitando-se em vários focos do território Chinês, alguns noticiários contra-hegemônicos e até mesmo autoridades do alto escalão Chinês já especulavam sobre o uso de uma possível arma bioquímica por parte um país que historicamente tem registros dessa prática de crimes de guerra: os Estados Unidos da América.

Para citar alguns exemplos, voltaremos ao ano de 1945, mais especificamente no dia 06 de agosto, quando este mesmo país que hoje é a potência dominante do sistema capitalista, lançava a primeira bomba nuclear da história sobre alvos civis, na província de Hiroshima, no Japão. À época, a cidade contava com uma população estimada em 350 mil habitantes, dos quais aproximadamente 100 mil morreram em decorrência da radiação emitida na explosão e outros tantos ficaram com sequelas para o resto de suas vidas- dentre estes, crianças, jovens, mulheres e até idosos que não tinham relação alguma com a guerra.

Três dias depois, a segunda bomba foi lançada neste mesmo país, desta vez na província de Nagasaki, há 420 km da primeira, onde habitavam cerca de 260 mil pessoas. O resultado não foi diferente: aproximadamente 80 mil mortos selaram esta sequela irreparável na vida daquele povo e na historia da humanidade.

Indo um pouco mais adiante, entre os anos de 1961 e 1971, no contexto da guerra do Vietnã, estima-se que o uso por parte dos EUA de um herbicida que ficou conhecido como Agente Laranja foi responsável pela exposição de aproximadamente 4,8 milhões de pessoas ao químico, com danos irreparáveis como malformação congênita, câncer e síndromes neurológicas que perduram até os dias atuais na vida daquela população.

E por que retomar esse breve registro de crimes de guerra praticados pelo imperialismo estadunidense contra seus adversários econômicos e políticos? No cenário geopolítico mundial, a evidente disputa por hegemonia entre EUA e China esconde algumas nuances que ficam mais nítidas se observadas a partir da perspectiva histórica sobre o desenvolvimento destes dois países.

Ao analisarmos as taxas de crescimento econômico de ambos nos últimos 15 anos, observaremos que a China mantém uma média de crescimento anual de 8,5%, ao passo que os EUA mantiveram uma média de apenas 2% neste mesmo período.

E o que isso tem a ver, deve estar se perguntando o leitor menos ligado no cenário mundial? Oras, tudo a ver! Com essas informações, é possível realizar prognósticos de que a China, caso mantenha-se constante em seu crescimento econômico anual, passará da segunda para primeira potência mundial até 2050, posição consolidada pelos EUA desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Se isso não for o bastante, já é o suficiente para entender a correlação de forças destes dois países no cenário global.

Indo um pouco mais fundo nesta singela análise provocativa, sobre a luz de Andrew Korybko e sua elucidação sobre a política externa estadunidense e suas práticas de Guerras Híbridas, observaremos uma tática sutil e eficaz na disputa hegemônica: a narrativa dos fatos e a fabricação de consensos. Num mundo cada vez mais mergulhado na rede mundial de computadores, rapidamente discursos são propagados e incorporados por uma gigantesca parcela mundial que, em sua maioria, entretida com o modo de produção e reprodução da vida baseada no consumo, pouco se atenta ao que pode estar por trás de narrativas como a que coloca a China na condição de vilã, assim como sequer levantam a suspeita de que este poderoso país não-alinhado pode estar sendo vítima de mais uma das artimanhas de um império moribundo que, como mostra a história, de tudo é capaz para salvar o seu decadente Sonho Americano.

O que quero dizer com tudo isso, caro leitor, é que existe muito mais lógica e evidências que apontam para os EUA como o possível difusor da doença, numa tentativa de desestabilizar o crescimento econômico chinês, que teve que parar seu sistema produtivo para canalizar esforços no combate ao vírus, do que um conjunto de ideias desconexas, que até fazem algum sentido para aqueles menos atentos às movimentações políticas destes dois importantes atores no xadrez global.

Afinal, como especulado pelo porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China, Lijian Zhao, os Jogos Mundiais Militares que aconteceram em outubro de 2019, em Wuhan, cidade onde o vírus começou a se espalhar, pode ter sido o cenário perfeito para que mais um crime de guerra fosse colocado em prática por um país que tem em seu histórico práticas que despertam especulações acerca de seu modus operandis. Vale ainda aquela máxima: "acuse teus inimigos do que tu fazes, chame teus inimigos do que tu és".

Por hora, o mais importante para nós, reles mortais bombardeados pela narrativa hegemônica, é saber que o vírus vem em um momento de crise do capitalismo em que seu principal protagonista definha frente a um novo e emergente ator global que pode tirar seu protagonismo, o que coloca em cheque também esse atual modelo econômico, social e político.  E quanto a isso, todas as narrativas devem ser observadas sob a luz da história. Caso contrário, incorremos no erro de acreditar a nível global na mais nova “mamadeira de piroca” e “kit gay” que nunca existiram.

*Integrante do Levante Popular da Juventude e formando no curso de Geografia Bacharelado pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG.

Edição: Katia Marko