Rio Grande do Sul

MORADIA

Vila Nazaré: Além da remoção, moradores reclamam por conta da falta d’água

Situação da vila porto-alegrense é agravada por conta da pandemia do coronavírus, denuncia o MTST

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nazaré está sob remoção para ampliação da pista do Aeroporto Internacional de Porto Alegre - Foto: Luiza Dorneles

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que integra o Ministério Público Federal, solicitou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nessa terça-feira (17), providências para a suspensão do cumprimento de mandados coletivos de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou extrajudiciais, seja em áreas urbanas ou rurais de todo o país. Uma das remoções em curso em Porto Alegre é a Vila Nazaré. Com a pandemia causada pelo coronavírus, a situação local se agrava pela falta de água, já que, por ser considerada uma ocupação irregular, não possui rede pública. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) lançou uma nota, nesta sexta-feira (20), denunciando a situação.

A história da Vila Nazaré começa há 60, quando as primeiras famílias chegaram ao local e ocuparam aquela área por falta de moradia. Fica nas proximidades do Aeroporto Salgado Filho, na zona norte de Porto Alegre. Desde o projeto de expansão do aeroporto, capitaneado pela empresa alemã Fraport, moradores da Vila estão sendo realocados. Das 1.300 famílias cadastradas pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab), 30% foram transferidas.

Falta de serviços básicos

Conforme aponta a nota do MTST, não é de hoje que os moradores da Vila Nazaré sofrem com a falta de água e de outros serviços básicos. “Hoje estamos em situação calamitosa em Porto Alegre e no resto do Brasil. A crise de pandemia do COVID-19 ou Coronavírus vem se alastrando mundo afora e preocupando governos e populações de todos os países”, afirma.

Segundo pontuou Emerson Corrêa, superintendente de Ação Social e Cooperativismo do Demhab, o departamento entende que a manifestação do Ministério Público não se aplica ao trabalho na Vila Nazaré, uma vez que não se trata de reassentamento compulsório ou forçado e sim consensual. “As pessoas querem sair do local”, frisa.

De acordo com ele, as remoções continuam, para que, neste momento de pandemia, as pessoas sejam resguardadas, indo morar em um local com toda a infraestrutura de saneamento e condições de vida saudável, o que não existe na Nazaré. “O Demhab mantém as mudanças com alteração para apenas quatro por dia, tomando todas as precauções recomendadas pelas instituições de saúde municipal, estadual e federal”, assegura.

Integrante do MTST, Eduardo Osório relata que a situação da vila foi, desde sempre, de completo abandono. “Na medida que a vila foi crescendo, o Estado poderia ter entrado lá e ajudado a regularizar, levando infraestrutura, educação saúde, água, saneamento. Mas nunca levou.” Eduardo ressalta que a comunidade sempre reivindicou esses direitos.

“Como o aeroporto sempre foi uma prioridade do poder público, nunca garantiu esse acesso. Porque sabia que em algum momento teria que tirar as famílias de lá e ia ser mais difícil se elas estivessem regularizadas, se elas tivesse acesso à água e luz, tal como uma cidade formal tem, tal qual os moradores de outros bairros tem”, afirma.

Sobre o abastecimento de água, o superintendente afirma que a Vila Nazaré não possui rede pública de água, uma vez que é uma ocupação irregular. Contudo, para o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, não há que se falar em ocupação irregular ou invasão na área denominada Vila Nazaré. A afirmação foi feita ano passado, através dos inquéritos civis 1.29.000.001390/2018-07 e1.29.000.001859/2016-38.

“Há plena informação de que estas famílias residem na localidade há décadas, razão pela qual se pode inferir que: (a) há muito já haviam se perfectibilizado os requisitos para a usucapião da área por seus ocupantes, nos termos do art. 186 da Constituição; (b) após o processo de desapropriação, também se perfectibilizaram os requisitos previstos na Medida Provisória nº 2.220, de 04 de setembro de 2001, que garante a concessão especial de uso em imóvel público”.

Em agosto do ano passado, a equipe do Brasil de Fato RS foi até o local conversar com alguns moradores, os quais manifestaram o desejo de permanecer no local. Na ocasião, moradores relataram que quando as primeiras famílias chegaram no local, coletavam água atrás de bicas. Posteriormente quase 100% das famílias tinham água encanada advinda do abastecimento da cidade, contudo sem ramais individuais, e portanto sem uma cobrança nominal de consumo, o famoso gato.

De acordo com os tratados internacionais de Direitos Humanos, para atingir os seus fins, todos os povos podem dispor livremente das suas riquezas e dos seus recursos naturais, sem prejuízo de quaisquer obrigações que decorrem da cooperação econômica internacional, fundada sobre o princípio do interesse mútuo e do direito internacional. Em nenhum caso pode um povo ser privado dos seus meios de subsistência.

Apoio a suspensão das remoções

Em nota, a Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e o Instituto de Arquitetos do Brasil propuseram a suspensão por tempo indeterminado do cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou mesmo extra-judiciais motivadas por reintegração, entre outros. A medida visa evitar o agravamento da situação de exposição ao coronavírus, o que coloca em risco tanto as famílias sujeitas a despejos quanto a saúde pública no país.

Veja abaixo a nota completa do MTST

Moradores da Vila Nazaré sem água contra o Coronavírus.

Nos últimos meses, com o início das remoções ilegais e forçadas, a vida dos moradores da Vila Nazaré, situada em Porto Alegre/RS, têm piorado a cada dia.

Além do abandono por parte do poder público, que é regra nesses 60 anos de existência da vila, a demolição das casas vem sendo feita com irresponsabilidade e requintes de crueldade por parte do DEMHAB e Fraport.

Os escombros são deixados para trás de propósito, os fios da rede de luz são cortados, canos de água e esgoto quebrados pela máquinas que derrubam as casas de famílias com seus pertences dentro e crianças por perto.

É neste cenário de guerra e de medo em que estão vivendo as famílias com suas crianças e idosos que seguem lutando pelo direito a uma vida digna.

Não é de hoje que os moradores da Vila Nazaré sofrem com a falta de água e outros serviços básicos, mas hoje estamos em situação calamitosa em Porto Alegre e no resto do Brasil.

A crise de pandemia do COVID-19 ou Coronavírus vem se alastrando mundo afora e preocupando governos e populações de todos os países.

Há grave risco para milhares de brasileiros, especialmente idosos e pessoas com a saúde vulnerável, sendo os trabalhadores mais pobres os que mais sofrem em situações como essas.

De nada adianta, as autoridades aconselhar que a população permaneça em suas casas sem que tenham condições mínimas de vida e de garantir os mecanismos de prevenção.

Por isso, é urgente que o Prefeito Nelson Marchezan Jr resolva o problema do acesso à água na Vila Nazaré e de outras comunidades de Porto Alegre antes que seja tarde de mais.

MTST: A luta é pra valer! Pelo acesso aos direitos e contra o Coronavírus

Edição: Marcelo Ferreira