Direitos

Trabalhadores de frigorífico em SC relatam medo e desespero por conta do coronavírus

Nas maiores empresas de produção suína do país, funcionários convivem com transporte lotado e aglomerações

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

frigorifico aurora santa catarina chapeco
Somente na unidade 1 do Frigorífico Aurora, em Chapecó (SC) trabalham 5,5 mil pessoas, que se deslocam diariamente de cerca de 20 municípios da região - Divulgação

Os frigoríficos do Sul do país estão operando sem restrições durante a quarentena que tenta conter a pandemia do covid-19. O impacto sobre a vida e a saúde dos trabalhadores se tornou motivo de preocupação desde o começo da semana, quando imagens enviadas por trabalhadores da Aurora e da BR Foods (BRF), em Chapecó (SC), mostraram que as empresas não estão adotando medidas suficientes de prevenção. 

Continua após publicidade

Santa Catarina começou 2020 com o melhor desempenho histórico em volume de exportação de carne suína e de frango, com um faturamento acima de US$ 3 bilhões. É um dos principais polos de produção de proteína animal do mundo. Mas a pujança econômica não se reflete nos cuidados com a saúde dos trabalhadores. Ao manter a produção com foco nos resultados econômicos, as empresas expõem os trabalhadores ao coronavírus, sem restringir o contato, aplicar medidas de segurança no transporte e evitar momentos de aglomeração.

Chapecó observa o crescimento dos casos confirmados e das suspeitas de contaminação, registra mortes e pacientes em UTIs. Hospitais de campanha estão preparados para o aumento da demanda. Mesmo assim, pouco se fez em relação aos 20 mil trabalhadores dos frigoríficos que integram a principal cadeia produtiva da região. “Existe um risco muito grande de contágio em massa”, alerta o professor Alzumir Rossari, dirigente sindical e ativista social em Chapecó.

Os trabalhadores pedem aos frigoríficos, principalmente Aurora e BRF – dona da Sadia e da Perdigão – , a redução da produção por alguns dias, dando prioridade ao mercado interno e reduzindo a exportação. As empresas rejeitam a hipótese.

Iminência de calamidade

Rossari acompanha o avanço da doença junto aos trabalhadores. Ele projeta um cenário que, se não houver mudanças, levará a uma situação de calamidade: “O setor está funcionando a pleno vapor. O espaço que existe dentro dos frigoríficos é bastante limitado. Um trabalhador está muito perto do outro e não estão sendo seguidas as determinações da Vigilância Sanitária. Esse comportamento pode provocar uma calamidade pública”, diz ele. 

O setor está funcionando a pleno vapor. O espaço que existe dentro dos frigoríficos é bastante limitado. Um trabalhador está muito perto do outro e não estão sendo seguidas as determinações da Vigilância Sanitária. Esse comportamento pode provocar uma calamidade pública

Para Rossari, se os frigoríficos não tomarem medidas necessárias, todos os principais municípios da região Oeste de Santa Catarina serão contaminados por causa das aglomerações de trabalhadores dentro das unidades produtivas. Somente na unidade 1 do Frigorífico Aurora, por exemplo, trabalham 5,5 mil pessoas, que se deslocam diariamente de cerca de 20 municípios da região.

As empresas emitiram notas informando que seguem os protocolos determinados pelo Ministério da Saúde. Mas não é o que dizem os trabalhadores, que relatam descaso e medo de contaminação pelo coronavírus.

::Quais os direitos dos trabalhadores diante da pandemia do coronavírus?::

“Estou desesperada”

Entrevistadas em condição de anonimato, mulheres que atuam nas linhas de frente da produção de carne contam o drama de trabalhar, todos os dias, sem segurança. “Estou desesperada por ter que ir trabalhar. Meu filho está no grupo de risco, está afastado da empresa mas eu tenho que ir trabalhar. E se eu pego o vírus e passo para o meu filho”, indaga uma das trabalhadoras. “Precisa diminuir a carga horária e o número de trabalhadores, para manter ao menos um metro de distância um do outro”, diz ela.

A trabalhadora também relata descaso da gerência do frigorífico onde trabalha e comenta que já há relatos de contaminação dentro das empresas. "Tem muita aglomeração e nenhuma fiscalização dentro das empresas. Eu me sinto desesperada, angustiada, triste. Tenho que sair todos os dias para trabalhar não sabendo se eu volto com o covid-19. Embarcar todos os dias em uma lotação cheia, parecendo uma lata de sardinha, porque você não sabe que horas terá outra lotação."

Tenho que sair todos os dias para trabalhar não sabendo se eu volto com o covid-19. Embarcar todos os dias em uma lotação cheia, parecendo uma lata de sardinha, porque você não sabe que horas terá outra lotação.

Aurora e BRF, em seus sites, informam que estão medindo a temperatura dos trabalhadores, distribuindo máscaras e não permitindo superlotação nos ônibus de transporte. Por outro lado, não mencionam medidas sobre o problema das grandes aglomerações de trabalhadores dentro das unidades produtivas e durante o transporte.

As empresas

Em nota oficial, a Aurora informa que está aliada aos esforços para combater a pandemia, de acordo com as orientações do Ministério da Saúde, mas “não abre mão de seu inarredável compromisso de continuar produzindo alimentos de qualidade para o Brasil e o mundo”. A empresa diz que intensificou medidas de profilaxia e higiene. E que também realiza medição de temperatura corporal, uso de máscaras e paramentos de trabalho com a presença e acompanhamento de médico e outros profissionais da saúde. Confira aqui a integra.

A BRF enviou ao Brasil de Fato um comunicado informando que “vem intensificando nas últimas semanas ações e procedimentos visando a saúde e segurança de todos os envolvidos em seu contexto operacional”. A empresa diz que segue recomendações de “renomados especialistas” e que também segue os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e demais autoridades de todos os países onde está presente. A empresa lista uma série de medidas que, diz, são suficientes para evitar a contaminação entre os trabalhadores. Podem ser lidas neste link.

Edição: Rodrigo Chagas