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Jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração E...ver mais

Onde estão os militares no combate ao coronavírus?

Não hoje mas ontem as Forças Armadas já deveriam dispor o grosso de seu efetivo no front da pandemia

Nos momentos de crise, assomam o pior e o melhor de cada um. O que vale para pessoas físicas mas também as jurídicas. Para ficarmos apenas num segmento, basta observarmos o que ocorre no comércio. Há empresas incentivando o isolamento social e informando que pagarão seus funcionários, embora estes fiquem em casa. E há outras ameaçando seus trabalhadores com a demissão e o desamparo caso não se exponham à morte.

Um terceiro comportamento é o auto-ocultamento, a omissão do dever, o descolamento da realidade circundante para cuidar somente de si próprio. Chama a atenção o sumiço das Forças Armadas. Onde estão?

Não é uma preocupação com a saúde política do país, embora esta inspire sérios cuidados. Muito menos é um chamado para o que já nasceram fazendo, ou seja, o golpe de estado, como aquele desferido em 1889 pelo marechal Deodoro da Fonseca contra o imperador Dom Pedro II. A preocupação é com a defesa da saúde dos brasileiros, tão ameaçada nesses dias.

Sabe-se que a Aeronáutica comprou máscaras, toucas, sapatilhas e luvas. Para os seus próprios hospitais. Na Marinha, descobriu-se que o comandante e o imediato de um de seus navios estão infectados. Ao visitarem o navio, no porto de Itajaí/SC, alunos de uma escola de aprendizes marinheiros também se contaminaram. Mas o governo federal, ainda bem, informa que “10 Comandos das Forças Armadas estão reforçando as medidas de segurança e prevenção”, usando veículos, aviões, barcos e um contingente de 4,5 mil homens das três armas. Louvável mas insuficiente.

::Os possíveis desdobramentos sobre a presença dos militares no poder::

Significa que, perante a maior batalha do século, as Forças Armadas estão enviando para a linha de frente apenas a octogésima parte do seu efetivo que é de 360 mil homens, segundo informa o próprio Ministério da Defesa em seu portal. Isto sem contar pessoal da reserva, aspirantes, alunos de escolas do oficialato etc. Das duas, uma: ou os militares, entre tantas atividades de seu dia tão atribulado na caserna, ainda não dispuseram do tempo necessário para avaliar melhor o assunto ou, pior, sabem do que se trata mas comungam da versão abilolada de Jair Bolsonaro (sem partido).

Não hoje mas ontem as Forças Armadas já deveriam dispor o grosso de seu efetivo no front da pandemia. Deveriam estar distribuindo massivamente cestas básicas na periferia das grandes e médias cidades de onde poderá vir, amanhã ou depois, uma reação desesperada ao abandono e à falta de recursos mínimos.

Mas existe uma terceira e terrível hipótese, já considerada por observadores mais agudos da cena política. É a de que os militares estariam aguardando justamente esse momento, o do desespero, para fazer o que já fizeram nas favelas cariocas. É uma inquietação que se adensa alimentada pelo histórico secular das armas no Brasil e as reiteradas observações presidenciais sobre a prevalência da questão da fome sobre a doença.

É essencial que não seja assim. Todos teríamos a perder, inclusive as Forças Armadas, já perigosamente picadas pelo negacionismo da História, como o demonstram as manifestações inacreditáveis na passagem de mais um 31 de março. Se hoje já foram rebaixadas à condição de guarda pretoriana de um bufão com laivos de sadismo, envolver-se num projeto genocida, representaria a definitiva imersão na pocilga da qual jamais sairiam.

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