Minas Gerais

Entrevista

“Precisamos defender o SUS, nos prevenir e repensar a sociedade”, diz enfermeira

Especialista em saúde da família, Edna dos Santos está com sintomas de covid-19 e conta como é atuar no posto de saúde

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Edna Alves dos Santos está em isolamento residencial - Arquivo pessoal

Em meio à pandemia, profissionais que atuam na linha de frente do combate ao coronavírus estão expostos e ainda sofrem com a falta de equipamentos básicos, como máscaras e luvas. Enfermeira do Sistema Único de Saúde em Betim (MG) e especialista em saúde da família, Edna Alves dos Santos está com sintomas da covid-19 e em isolamento residencial.

Em entrevista ao Brasil de Fato MG, ela conta como está se sentindo, como a pandemia mudou a dinâmica da unidade saúde onde ela trabalha e quais os principais desafios enfrentados. Para ela, o SUS é essencial para atravessar este momento e prevenção é um dever de toda a população.

Brasil de Fato MG – Muitos profissionais de saúde pelo mundo todo têm sido infectados pelo coronavírus. Seu teste deu positivo?

Edna Alves dos Santos – É um caso suspeito, ainda não foi confirmado porque a gente não tem testes suficientes, apesar de profissionais de saúde terem prioridade na entrega dos resultados dos exames. A demanda está muito grande. A Funed [Fundação Ezequiel Dias] também tem um desfalque que vem do desmantelamento do SUS, do Estado, da saúde e da ciência como um todo. Então, ela [Funed] não está conseguindo dar uma resposta em curto prazo, o que seria o ideal. Eu tive alguns sintomas da doença, desde a semana passada, e estou em isolamento domiciliar por segurança minha, mas principalmente dos pacientes que a gente atende. Eu fui afastada após ter sido examinada e agora estou aguardando.

Mas você está se sentindo melhor agora?

Estou sim. Comecei com sintomas de diarreia, muita dor de cabeça, febre, um cansaço fora do normal, dor de garganta, tosse e obstrução nasal. E aí no segundo dia dos sintomas mais fortes, os próprios colegas da unidade, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem me isolaram e fizeram todo o protocolo, preencheram a notificação, fui examinada, assinei um termo de isolamento residencial e agora estou em casa, em repouso e me hidratando. E, graças as Deus, não tive agravo dos sintomas.

Você trabalha em uma unidade de saúde em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O que mudou na dinâmica após a pandemia?

Na Estratégia Saúde da Família a gente trabalha com prevenção de doenças e promoção de saúde. É uma lógica que vai contra a perspectiva da saúde historicamente construída, pautada em exames, remédios e médicos. A gente tem médicos, claro, mas valorizamos o trabalho interdisciplinar, o saber popular, os outros profissionais de saúde. Na unidade onde trabalho, tem grupos operativos de saúde, por exemplo, eu trabalho com mulheres com ansiedade e depressão, a partir da questão de gênero.

Lá na unidade também tem um trabalho com medicina alternativa, como homeopatia e acupuntura. Esses grupos têm uma ideia de observar o ser humano de uma forma integral, tanto do ponto de vista fisiológico, quanto a partir do meio social em que ele está inserido. Porque isso tudo impacta na saúde das pessoas. Agora isso tudo está parado, estamos mantendo consultas de casos mais graves e agudos, acompanhamento de pacientes hipertensos e diabéticos, pré-natal e atendimento às pessoas que têm sintomas respiratórios. Os outros atendimentos foram parados para preservar o máximo possível a população e os profissionais. Uma das únicas formas que podem conter o surto é evitar a circulação desnecessária de pessoas.

Apesar de sucateado, o SUS está se mostrando eficiente e fundamental neste momento...

O SUS é essencial. A gente tem que pensar o quanto o SUS tem sido atacado ao longo dos anos, principalmente no governo atual. As verbas que foram cortadas deveriam ser aumentadas, não só para a saúde, mas também para a educação. Além de a gente lidar no dia a dia com a dificuldade de recursos, como materiais que estão em escassez, por exemplo, equipamentos de proteção individual (EPI), como máscaras cirúrgicas, luvas, óculos e capote, algumas empresas têm cancelado os contratos com as prefeituras para ganhar mais dinheiro, cobrando mais caro de outros clientes. Essa é a lógica do lucro valer mais que a vida.

A falta de equipamentos tem acontecido nas unidades em geral. Temos a dificuldade de infraestrutura. Por exemplo, temos um caso suspeito de covid-19 na unidade, temos que isolar o paciente, mas muitas vezes são poucos consultórios. Ou seja, a infraestrutura é muito precária, por falta de repasses e incentivo. Temos que lembrar que o SUS é uma luta que vem do povo, dos profissionais da reforma sanitária. Essa pandemia vem mostrar o quanto a gente precisa continuar lutando para que esse sistema, que prima pela universalidade, equidade e por tudo que a população precisa em termos de saúde, possa avançar e aprimorar.

Apesar de o presidente Jair Bolsonaro afirmar que é uma “gripezinha”, autoridades da saúde têm reforçado o isolamento e os cuidados de prevenção...

Eu falo muito com os meus pacientes que temos que confiar nas autoridades de saúde. É como se fosse um carro com problema, a gente confia no mecânico. E, neste momento, a OMS [Organização Mundial de Saúde], infectologistas, microbiologisitas e outros profissionais estão falando com embasamento sobre as medidas de prevenção. Não podemos confiar no presidente só porque ele está em um alto cargo. Ele está apresentando interesses que não são da população, mas de quem está preocupado simplesmente com a manutenção do lucro. As referências em saúde do mundo todo afirmam que a primeira medida é o isolamento. No meu caso, sou profissional da saúde, tinha 15 dias que eu estava convivendo somente com o meu marido, já não estava vendo minha mãe, minha sogra, meus irmãos, sobrinhos...

Quando eu chegava em casa, porque eu tinha que sair pra trabalhar, já deixava uma caixa na porta para colocar o sapato e a roupa suja, que tem que ser trocada e lavada todo os dias. E eu tenho um frasquinho com água e sabão que eu uso para higienizar a chave, a bolsa, a carteira, tudo. Quando a gente tem que sair, na volta a medida básica é essa. No caso de álcool em gel, não  adianta usar indiscriminadamente, inclusive vi políticos distribuindo na rua provocando a aglomeração de pessoas. O melhor é água e sabão, faz o mesmo efeito. No supermercado, a gente tem que evitar falar com quem está perto e ficar a mais de um metro de distância das pessoas. Mudar hábitos é difícil, mas estamos vivendo uma situação inusitada. A gente tem que lembrar que existe o grupo de risco, mas todas as pessoas estão sendo atingidas. Esse é um momento de a gente exercer a empatia, de nos colocar no lugar do outro.

Você acredita que podemos melhorar como sociedade depois da pandemia?

Este momento mexe muito com nosso emocional. E a gente pode aproveitar pra repensar nosso modelo de sociedade, em que a gente às vezes valoriza mais a aparência do que a essência, os status quo, o poder. A gente julga muito as pessoas, pelas orientações sexuais delas, pela cor da pele, pela idade, pelo corpo.

A gente pode se desfazer desses preconceitos que nos desunem e nos abrir para outras verdades, que acrescentam na vida da gente, por mais que doa. E neste momento em que estamos mais voltados para dentro, podemos tentar nos conectar mais com a família, com amigos, mesmo à distância. Eu torço para que a gente se una pelo que faz bem para a humanidade durante a pandemia, mas também depois. Temos uma sociedade cheia de diversidade, mas com injustiça social. Essa luta pertence a todos nós e isso me acalma, me faz me sentir mais unida às pessoas que amo, ao nosso povo e a humanidade.

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Edição: Joana Tavares