Coronavírus

Artigo | As desigualdades sociais que a pandemia da covid-19 nos mostra

Pesquisador da UFF afirma que falta de amparo do Estado pode fazer com que Covid-19 intensifique assimetrias no Brasil

Rio de Janeiro (RJ) |
O Complexo da Maré fica na Zona Norte do Rio de Janeiro, uma das regiões mais vulneráveis à contaminação pela Covid-19 - Fernando Frazão / Agência Brasil

Huri Paz é pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), integrante do Núcleo de Estudos Guerreiro Ramos e associado ao Afro/CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

Comprovadamente, um milhão de pessoas estão contaminadas pelo novo coronavírus no mundo. A marca foi alcançada nesta quinta-feira, (2), conforme contagem da Universidade Johns Hopkins, referência no mapeamento mundial da Covid-19. O número de vítimas fatais já passa de 51 mil.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem expressado sua preocupação com a ampliação da força de contágio do vírus nas cidades que são marcadas pelos seus altos índices de desigualdade social e, consequentemente, precário acesso ao saneamento básico local. Para o diretor geral da agência, Tedros Adhanom, os governos federais dos países latino-americanos precisarão desenvolver medidas eficazes e transversais de combate ao vírus, para não ver os mais pobres sendo os mais vitimados pela falta de acesso a recursos públicos. 

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Entretanto, não é necessário irmos diretamente à América Latina para verificarmos as diversas instâncias em que a Covid-19 tem atingido diferentes estratos da população. A cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos, atualmente concentra o maior número de casos no país, contabilizando 49.707 infectados, 10.590 hospitalizados e 1.562 mortos. Esses são os dados oficiais até as 17h do dia 02/04/2020. Ao analisarmos mais de perto esses óbitos, podemos ver como este índice tem atingido mais largamente os distritos da cidade com maior concentração de pessoas não-brancas.

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Porcentagem de residentes brancos e número de mortes por Covid-19 por distrito em Nova York (EUA) / Huri Paz

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Este achado é flagrante quando comparamos o distrito de Manhattan ao do Bronx, e verificamos a grande disparidade, não só no número de mortes, mas na diferença percentual entre moradores brancos e não-brancos, como negros, asiáticos, latinos e de origem indígena. Ao criarmos um mapa com as Zonas da cidade do Rio de Janeiro que não possuem acesso ao abastecimento de água da CEDAE, temos o seguinte:


Porcentagem de domicílios no Rio de Janeiro por setor censitário sem abastecimento de água da rede geral (CEDAE), mais vulnerável à Covid-19 / Huri Paz

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Neste censo, fica evidente como as Zonas Oeste e Norte da cidade do Rio de Janeiro são as mais vulneráveis à contaminação da Covid-19, por concentrarem as maiores porcentagens de domicílio sem abastecimento da CEDAE, órgão público responsável pela distribuição.
    
A pandemia da Covid-19 irá desvelar desigualdades históricas nas sociedades latino-americanas. O Brasil teve a oportunidade de aprender com os acertos e os erros de outros países que tiveram um aumento do número de infectados muito antes de nós, como a Itália e a China. Neste sentido, um alinhamento que congregue as diferentes esferas do Estado brasileiro é necessário para o desenvolvimento de políticas transversais, que possam garantir segurança alimentar, manutenção de renda mínima, acesso a produtos de higiene e etc. Caso contrário, a cada dia que esse alinhamento não é construído, com idas e vindas sobre as regras do distanciamento social, por exemplo, mais brasileiros e brasileiras correm o risco de terem suas vidas ceifadas pela falta de amparo do Estado e, possivelmente, teremos um cenário explícito de desigualdades raciais e econômicas entre as mortes registradas, como é o caso da cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. 

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Vale ressaltar que os mapas acima só puderam ser desenvolvidos por conta de dados livres, disponibilizados por diferentes estâncias do Estado, tanto dos Estados Unidos, como do Brasil, entretanto, o atual Governo de Jair Bolsonaro tem demonstrado que prefere seguir o caminho contrário, como o estabelecimento da Medida Provisória 928/2020 que suspenderia o prazo de resposta sobre informações públicas durante a pandemia. Medida que logo depois foi suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Através de dados abertos e informações públicas, conseguiremos pressionar Estados e Governos e termos um termômetro da atual pandemia que assola a população brasileira.

Edição: Mauro Ramos