MONITORAMENTO

ONG lança plataforma on-line com dados sobre covid-19 entre indígenas

Primeira morte de indígena por coronavírus no Brasil não foi registrada pela Sesai por ocorrer fora de aldeia, no Pará

Belém (PA) | Brasil de Fato |

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Indígena com hori, instrumento kanamari, na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas - Marcos Wesley de Oliveira/ISA

O Instituto Socioambiental (ISA) lançou, na última sexta-feira (3), uma plataforma que acompanha o avanço do novo coronavírus entre os povos indígenas. Apesar de a covid-19 ser um perigo tanto para indígenas quanto para não indígenas, dados históricos apontam que etnias foram dizimadas por conta de doenças virais, sobretudo, as respiratórias.

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Pesquisador do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA, o antropólogo Tiago Moreira explica que, além do mapa dos municípios atingidos pela pandemia, o site traz também dados sobre a organização da saúde indígena, a exemplo dos distritos sanitários indígenas e dos pólos-base. 

Até o momento, em todo o Brasil, foi confirmado um óbito por coronavírus entre indígenas. Falecida em 19 de março, a mulher de 87 anos era da etnia Borari, de Alter do Chão, distrito de Santarém, no Pará. Por ser de uma indígena não aldeada, a morte não foi contabilizada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão federal responsável por apresentar os dados oficiais que a ONG traz em sua plataforma on-line. 

"A Sesai só realiza o atendimento à população indígena que vive na zona rural. A gente não tem um jeito de monitorar os casos da população indígena que vive nas cidades, que são atendidos pelo SUS [Sistema Único de Saúde] e no dado dos boletins das secretarias estaduais de saúde não tem a discriminação se é indígena ou não indígena. Então, logo depois, lá no site, a gente colocou um bloquinho sobre os indígenas nas cidades", explica Moreira.   

A morte da indígena foi a primeira registrada no Pará, estado que, nesta segunda-feira (6), contabilizou mais três óbitos, todos em Belém: duas mulheres de 50 e 100 anos de idade e um homem de 41 anos.

Vulnerabilidade indígena

Ao defender um monitoramento cuidadoso dos casos de coronavírus entre os povos tradicionais, o antropólogo Tiago Moreira destaca a vulnerabilidade dos indígenas a doenças infectocontagiosas.

"Os indígenas são uma população bastante vulnerável a esse tipo de doença infectocontagiosa e é uma vulnerabilidade que não vem tanto da suscetibilidade imunológica dessas populações, já que esse é um vírus novo e qualquer pessoa é tão vulnerável quanto eles, mas por condições socioculturais específicas que esses povos vivem. Você tem a realidade de boa parte da população indígena que vive em locais bastante afastados. A estrutura de atendimento de saúde preparada para essas populações é bastante precária. A gente resolveu criar essa plataforma para poder colocar tudo isso em perspectiva para poder acompanhar de perto como a epidemia está evoluindo e também ter um uma plataforma articulada para poder, a partir da constatação da situação, fazer pressão para que essas populações sejam atendidas de uma melhor maneira".

Além dos dados de monitoramento, o site reúne ações voltadas para os povos indígenas, estimulando ações solidárias. Em Roraima, o Conselho Indígena (CIR) iniciou uma campanha para arrecadar doações como forma de auxílio durante a pandemia do novo coronavírus. Por sua vez, os povos indígenas do Sudeste brasileiro também estão arrecadando alimentos. A doação pode ser feita nos pontos de coleta.

"Tem também uma parte (do site) em que as pessoas podem conhecer iniciativas indígenas e colaborar com essas iniciativas, já que muitas delas são voltadas paro o recolhimento de dinheiro, de doações, para garantir que essas populações possam ter mantimentos e recursos para poder lidar com esse isolamento", explica Moreira. 

Risco de dispersão

Comumente, mesmo fora de epidemia, boa parte dos indígenas mantém pouco contato com as populações urbanas. O antropólogo Tiago Moreira lembra que viver em isolamento não é algo novo para os povos, uma vez que vários viveram situações graves de epidemias, o que os levaram a se isolarem para sobreviverem. Contudo, o isolamento poderá provocar a dispersão dos grupos indígenas na floresta.

"Ao longo da história, uma das estratégias adotadas foi a do isolamento e a de abandonar aldeias, aldeamentos. Então, a gente tem ao longo do Brasil colonial muitas mortes com dados de populações inteiras sendo dizimadas por gripe, varíola, mas tem também uma estratégia de dispersão dessas populações. Então, agora a gente acredita que, além dessas iniciativas de fortalecer as comunidade através de doações e de recursos para manter o isolamento, a gente acredita que, nesse momento, têm muitas populações indígenas que estão procurando fazer essa dispersão, estão voltando para a floresta para poder se proteger em relação a essas epidemias", explica.

Edição: Camila Maciel