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Violência contra a mulher em época de pandemia: você pode salvar uma vida

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Manifestação Ni Una a Menos em outubro de 2016, em São Paulo (SP) - Rovena Rosa/Agência Brasil
O Brasil registra mais de 1,3 mil feminicídios por ano. Em época de confinamento, tudo se agrava.

O fluxo de veículos e de pessoas diminuiu por toda a cidade. Da janela, ouço os pássaros em cantoria, a saltar de um galho para um telhado, outro galho e de volta ao telhado, por horas a fio. Pássaros sempre estão muito ocupados. Nos ensinam que a vida, no fim das contas, é a vida vivida no instante em que ela acontece.

Crianças em algazarra brincam em quintais e apartamentos. Jogam os incansáveis jogos da infância, à espera de uma liberdade que talvez ainda demore.

As janelas da cidade em quarentena se tornaram mosaicos de vidas em busca de sentido. Talvez a sonhar com um futuro diferente. Estamos enclausurados para tentar nos salvar de nós mesmos. Alcançamos o estado da arte da nossa própria tragédia: a cínica resignação ao confinamento voluntário.

Michel Foucault, teórico do biopoder, tinha razão: um dia a gente iria se lascar. Não seríamos mais donos dos nossos próprios corpos. Viver para o consumo desenfreado tem um preço. Estamos pagando a primeira prestação. O coronavírus é só o vetor do nosso ataque desenfreado sobre a natureza. 

Violência doméstica

Historicamente, a mulher é vítima preferencial da violência contra o corpo. Essa pandemia existe há muito tempo. No Brasil, a cada ano, mais de 1.300 mulheres morrem vítimas de feminicídio, ou seja, são mortas pelo fato de serem mulheres. Em época de confinamento, tudo se agrava.

Da minha janela, ouço vozes que se sobrepõem às crianças em algazarra. Vozes que silenciam os pássaros e calam tudo em volta.

Vozes de homens aos berros. Homens fora de si a gritar com seus filhos. A gritar com suas mulheres. A gritar consigo mesmos. Berram a dor dos que sentem ódio de si mesmos.

Precisamos proteger mulheres e crianças. Homens confinados podem se tornar animais incontroláveis. Crianças e mulheres, confinadas com homens violentos, correm alto risco de serem agredidas.

A violência contra a mulher sempre foi uma pandemia no Brasil. Somos o quinto pais do mundo em casos de feminicídio, segundo a Organização das Nações Unidas. Ano passado, o aumento no número de casos foi de 7,3%.

A cada hora, no Brasil, 536 mulheres são agredidas por homens violentos,  segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso é muita coisa. Isso é uma pandemia fora de controle.

Segundo apuração da Camila Brandalise para o site Universa, os casos de violência doméstica, durante a quarentena, pode ter um aumento igual ao que foi registrado em anos. Na China, os casos triplicaram. No Brasil não será diferente, segundo a apuração. 

Se você presenciou ou vivencia esse tipo de violência, ligue para a polícia. As delegacias são orientadas a priorizar casos de violência doméstica, contra mulheres, crianças e adolescentes.

Se possível, ligue também para o número 180, serviço do governo federal por meio do qual é possível fazer denúncia anônima e solicitar ajuda.

Se alguém pedir socorro, não fiquem em silêncio. Ajude. Você pode salvar uma vida.

 

*Marques Casara é jornalista especializado em investigação de cadeias produtivas. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.

Edição: Camila Maciel