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Bolsonaro, Trump e o coronavírus: precisa-se de presidentes

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Trump cumpre o papel de ídolo e Bolsonaro o de fã. Diante dele, comporta-se quase como uma líder de torcida, algo nunca visto na história dos presidentes do Brasil - Brendan Smialowski / AFP
Guardadas as diferenças, um e outro são comparados, por parte da opinião pública, com palhaços

No estrondo da batalha contra o coronavírus é de impressionar as semelhanças entre o comando das tropas no Brasil e nos Estados Unidos. A começar pelos gestos dos comandantes. Se alguém disser, por exemplo, que o presidente desprezou as orientações médicas sobre distanciamento social e apertou a mão de várias pessoas, a frase tanto se encaixa em Jair Bolsonaro (sem partido) quanto em Donald Trump. Mas isso é o de menos.

Bolsonaro chamou a covid-19 de “gripezinha”, enquanto Trump disse que o coronavírus “desapareceria sozinho”, chegando a afirmar, em 15 de março, que era algo sobre o qual seu governo teria “um tremendo controle”. Ele vive às turras com o médico Anthony Fauci, diretor do instituto nacional de doenças infecciosas. Bolsonaro quer a cabeça do seu ministro da Saúde. A diferença é que Fauci já serviu a seis presidências, enquanto Luis Mandetta é uma figura opaca que só cresceu perante a opinião pública por contestar os desatinos do chefe.

Os dois presidentes tomaram-se de amores pela cloroquina, remédio experimental que supostamente poderia enfrentar a covid-19. Fauci e Mandetta a rejeitaram, sendo que o estadunidense chamou-a de “anedótica” na presença de Trump. Coincidentemente, lá o fabricante da droga é doador da campanha trumpista, enquanto aqui quem a fabrica é um empresário bolsonarista.

O republicano anunciou a reabertura do país na Páscoa. Fauci foi contrário e Trump recuou. Aqui, Bolsonaro pressiona pela mesma medida e Mandetta hesita. Os dois presidentes olham mais para a economia do que para as vidas perdidas.

Trump chamou o agente patogênico de “vírus chinês”, no que foi imitado imediatamente pelo clã Bolsonaro. Ambos foram eleitos com a ajuda de fake news espalhadas pelas redes sociais e mantém um confronto permanente com a imprensa e atritos com jornalistas. No poder, os dois continuam se valendo de notícias falsas ou distorcidas, ao ponto da CNN citar 33 declarações do tipo proferidas por Trump apenas no transcorrer da guerra contra o vírus. Mas Trump e Bolsonaro atribuem fake news aos adversários.

:: Bolsonaro e seus robôs: como funciona a propagação de fake news sobre o coronavírus::

Bolsonaro considera o seu ministério o melhor da história do Brasil. Trump montou um que acha espetacular. Como bom narcisista que gosta de ouvir a própria voz, chamou uma tropa de bajuladores. Aqui, surgiu algo que mais se assemelha a uma trupe circense.

Trump e Bolsonaro cortaram verbas destinadas à ciência. Quando o coronavírus chegou, os dois o trataram como “histeria” da mídia. Aquilo que ameaçava sua gente foi percebido como uma jogada de inimigos políticos para desgastar suas gestões. Ambos brigaram com governadores e prefeitos. Nenhum dos dois tratou de adquirir ou produzir respiradores, máscaras, kits de testagem e material para proteger os profissionais de saúde no front da pandemia.

Há, claro, diferenças. Trump cumpre o papel de ídolo e Bolsonaro o de fã. Diante dele, comporta-se quase como uma líder de torcida, algo nunca visto na história dos presidentes do Brasil. Trump é uma criatura da TV, um comunicador. Bolsonaro gagueja diante do teleprompter. Mas isso não apaga as simetrias.  

Um e outro são comparados, por parte da opinião pública, com palhaços. Bolsonaro ganhou o apelido de Bozo, enquanto Trump já foi chamado de Krusty, o palhaço do seriado Os Simpsons. 

A soberba e os erros reiterados dos dois atrasaram a preparação para o combate à doença. Os EUA estão perdendo duas mil vidas por dia. Os casos se aproximam, no total, dos 400 mil. No Brasil, onde a epidemia chegou mais tarde, os mortos já se contam às centenas e os casos aos milhares.

Algo a demonstrar que palhaços podem divertir no picadeiro, dando cambalhotas e tomando chutes nos fundilhos. Na hora da verdade, porém, precisa-se de presidentes.

Edição: Rodrigo Chagas