Disputa

Artigo | As frações burguesas na crise da covid-19: apontamentos preliminares

Atual divisão no campo da direita é fruto da divergência entre diferentes interesses sociais por ela representados

Brasil de Fato | São Paulo (SP)* |
A burguesia comercial, que intervém ativamente na cena política contra o isolamento social, vem sendo representada pelos empresários que pertencem ao movimento Brasil 200, liderado por Luciano Hang - Reprodução Twitter

O que separava as duas facções, portanto, não era nenhuma questão de princípios, eram suas condições materiais de existência (...) Que havia, ao mesmo tempo, velhas recordações, inimizades pessoais, temores e esperanças, preconceitos e ilusões, simpatias e antipatias, convicções, questões de fé e de princípio que as mantinham ligadas a uma ou a outra casa real - quem o nega? (…) os atos provaram mais tarde que o que impedia a união de ambas era mais a divergência de seus interesses (...) isto significava apenas que cada um dos dois grandes interesses em que se divide a burguesia (...) procurava restaurar sua própria supremacia e suplantar o outro.
Karl Marx. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte

Ao contrário das análises que buscam explicar os distintos posicionamentos no campo da direita como mera expressão das pretensões eleitorais dos agentes políticos em disputa, temos defendido que essas fissuras têm lastro em interesses sociais específicos e que mesmo que haja uma convergência entre as classes e frações das classes dominantes sobre a aplicação de um programa econômico neoliberal, a atual polarização entre elas, relacionada às medidas de contenção à covid-19, pode trazer consequências importantes, incluindo a mudança do regime político.

Indicamos que o neofascismo tem como sua principal representação o presidente Jair Bolsonaro e a direita tradicional tem alguns lideres em destaque, como Rodrigo Maia e João Dória. A representação na cena política tem se polarizado, portanto, entre o governo federal, por um lado, e o Congresso Nacional e os governos estaduais, por outro lado.

Neste texto buscamos dar um passo inicial no trabalho coletivo de mapear as bases sociais que sustentam esses distintos posicionamentos na cena política, e apresentar possíveis hipóteses explicativas, isso é, não-conclusivas e provisórias, através das informações disponíveis na imprensa.

Por não possuir organização partidária formal, o neofascismo tem sua representação distribuída de maneira desigual e mais ou menos difusa em partidos como o PSL, o PRB, na bancada evangélica, na Frente Parlamentar da Agropecuária, que tem as vice-presidências do Senado e da Câmara Federal, e também na bancada da bala.

Em menor medida, também é possível encontrar representações neofascistas no partido Novo e no Podemos. Já a direita tradicional tem um espectro de apoio partidário mais amplo, mas o PSDB e o DEM, hoje, se destacam. Sobretudo o último, que tem a presidência da Câmara e do Senado além de ter o ministro Mandetta, que pode ser uma espécie de Cavalo de Tróia dentro do governo neste momento, uma vez que conta com apoio popular, apoio da Câmara e do Senado e apoio nas redes sociais.

Por outro lado, as representações de esquerda na cena política estão desorientadas e sem capacidade de influência, tendo a atuação pautada pelo eleitoralismo e incapazes de elaborar uma linha de massas e uma política de alianças para barrar o processo de fascistização no país.

São esses dois grandes blocos que têm conseguido polarizar o processo político e que têm protagonizado as disputas mais duras diante dos novos dilemas que a crise causada pela covid-19 está gerando. A polarização tem se dado em torno de duas narrativas principais, a de que “a economia não pode parar” e que “os pequenos, os médios e os informais vão quebrar”, dirigida pela ala neofascista; e a da que “estamos todos no mesmo barco”, dirigida pela direita tradicional.

As narrativas derivam de táticas distintas. A do neofascismo que fala para os seus e contra os inimigos com intuito de radicalização e a da “direita tradicional” que é conciliadora e busca conter a polarização social.

Para aprofundarmos a análise é necessário verificar quem os atores políticos representam. É evidente que existem forças sociais que se encontram fora desses espectros políticos, como são os diversos movimentos populares, os partidos políticos de esquerda com representação no Congresso e as centenas de sindicatos combativos.

No entanto, limitamos nossa análise ao neofascismo e à direita tradicional porque são essas forças que, hoje, polarizam a disputa pela hegemonia. A disputa entre os neofascistas e a direita tradicional se traveste da disputa entre negacionistas e isolacionistas.

Apesar de ser um tema específico, o que impede maiores generalizações em relação ao conjunto da política estatal, este conflito constrange o posicionamento das diversas forças em presença, sendo um caso útil para ilustrar a divisão e as bases sociais que sustentam as representações políticas de direita, assim como avançar na análise explicativa sobre este fenômeno.

A ala neofascista reúne apoio de parte do bloco no poder, particularmente a grande burguesia interna ligada à indústria, ao comércio de varejo, e parte do agronegócio. Encontramos manifestações de endosso da grande indústria à proposta de isolamento vertical apresentada por Jair Bolsonaro, através da CNI e dos empresários organizados na articulação Diálogo pelo Brasil, animado por Paulo Skaf, presidente da FIESP.

Esse movimento, que tem integrantes de diversos setores e em diversas cidades industriais, têm sido enraizado no estado de São Paulo através das sedes do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP). Manifestando preocupação com o impacto do isolamento social sobre a atividade econômica, os industriais buscam evocar a defesa do interesse nacional pela continuidade das atividades produtivas e pela manutenção dos empregos, através do isolamento restrito aos grupos de risco e testagem dos funcionários de suas empresas.

A burguesia comercial, que até aqui vem intervindo ativamente na cena política contra o isolamento social, vem sendo representada pelos empresários que pertencem ao movimento Brasil 200, presidido por Gabriel Rocha Kanner, mas liderado por Luciano Hang, figura caricata das Lojas Havan, e por Flávio Rocha, dono das lojas Riachuelo. Além destes, pululam declarações individuais de apoio de agentes econômicos, como as lojas Centauro, a Rede Polishop e grandes redes de restaurantes como Madero. Identificamos ainda que compõem a base do bolsonarismo o Grupo Newcomm, de Roberto Justos, empresas de segurança privada, como a Gocil, e a Petropar.

Em comum, estas empresas e entidades buscam apelar ao impacto econômico da crise e seus efeitos deletérios para o emprego e a renda dos trabalhadores para defender o funcionamento do comércio e minimizar os riscos inerentes ao isolamento restrito aos grupos de risco.

Para estes capitalistas, as mortes provocadas pelo desemprego e pelas privações decorrentes pelo isolamento social seriam maiores do que as mortes provocadas pela epidemia. Além disso, defendem de maneira aberta a redução dos salários e a liberação do FGTS aos trabalhadores – o que foi respondido pelo governo através da Medida Provisória 936/20, prevendo a redução dos salários e jornada de trabalho, assim como a suspensão do contrato de trabalho.

O governo havia recuado da MP 927/20, que havia sido editada no dia 22 de março, e que dispunha sobre a redução salarial e a suspensão do contrato de trabalho, após a pressão das classes populares no Congresso Nacional e nas redes sociais. Contudo, dez dias depois, o governo editou a MP 936/20, cedendo às pressões da burguesia comercial de varejo.

É importante destacar a identidade entre o discurso governamental e o discurso da burguesia comercial alinhada ao bolsonarismo nesta conjuntura, que pode servir como indicador da direção política de classe do governo durante a crise sanitária.

Também devem ser incluídas parcelas do agronegócio, representadas nacionalmente pela CNA, por entidades estaduais (Faesc, Faemg, Faep, Farsul e Aprosoja-MT) e pela Abrafrigo, que criticaram de maneira contundente as medidas de isolamento social.

Como é sabido, ainda que o segmento exportador amargue desgostos com o governo devido às hostilidades proferidas contra o seu principal parceiro comercial, o governo da China, essas entidades patronais e a Frente do Agro não deram sinais efetivos de rompimento com o governo.

Sem contrapor discursivamente as vidas humanas às perdas econômicas, estas entidades buscaram defender a exclusão dos produtores rurais às medidas de isolamento social, alertando para a possibilidade de desabastecimento das cidades durante o período de isolamento social e a manutenção dos empregos ligados à produção para exportação.

Entre os pequenos e médios empresários o neofascismo também parece capaz de se frutificar. É o caso das Lojas Becker, que desenvolve atividades produtivas, comerciais e de transportes. A fácil aderência ao discurso ideológico dos pequenos e médios é porque eles são majoritariamente desorganizados politicamente, mas também porque esse sentimento tem lastro material.

Alguns setores econômicos apresentaram, inclusive, fissuras internas ao próprio setor. Citamos como exemplo a indústria da construção civil que rachou com a operação Lava Jato e segue, ainda hoje, assim.

Em relação ao coronavírus, por exemplo, tanto a MRV, construtora imobiliária, quanto a ABDIB, que representa as grandes construtoras de obras pesadas, defendem o isolamento de maneira clara, enquanto que no site da APeMEC, representante das pequenas e médias construtoras paulistas, tem um vídeo explicativo chamado “Seguindo sem parar com dedicação e segurança”, onde mostram que o mercado imobiliário das pequenas e médias segue trabalhando. É um caso emblemático.

Até agora os neofascistas demonstram ter dificuldades para enraizar o seu radicalismo em setores populares. A sua base mais ativa está restrita às classes médias (apesar das últimas baixas evidenciadas pelos panelaços). Ou seja, é composta majoritariamente por trabalhadores não manuais de profissões liberais, a burocracia do Estado e empregados de alta remuneração do setor privado.

Os setores populares que apoiam majoritariamente o governo parecem ser os caminhoneiros, que abarcam pequenos proprietários, profissionais liberais e assalariados, além de pequenos lojistas e comerciantes e parte dos trabalhadores informais.

Assim, o radicalismo contra o isolamento social pode ser entendido pela ótica que, além de fortalecer o vínculo com os pequenos e médios que já compõem a base neofascista, pode conquistar os trabalhadores urbanos desorganizados.

Nesta disputa conta com os meios de comunicação alinhados ao bolsonarismo, como emissoras de TV, caso da Record e da Rede TV!, e grandes rádios como a Jovem Pan, mas aparentemente não conta com nenhum grande jornal comercial impresso.

Podemos aqui arriscar algumas hipóteses explicativas: no caso do pequeno e médio capital, e também dos trabalhadores informais, podemos elencar que, majoritariamente, são politicamente desorganizados e mais vulneráveis à crise econômica, o que os tornam mais suscetíveis ao apelo ideológico desde o Estado, iludidos pela ausência de alternativas ao afrouxamento das medidas de isolamento.

Já a posição da grande burguesia industrial e do comércio de varejo pode ser explicada pelo desespero destes segmentos diante da queda acentuada das taxas de lucro, sobretudo no caso do setor de comércio e serviços, cujas atividades são mais dependentes do consumo presencial, embora já estejam integradas às plataformas de venda online.

Estes segmentos apresentam maior preocupação com o impacto imediato sobre o faturamento das empresas e preferem impor os riscos de agravamento da epidemia através da postergação ou afrouxamento das medidas de isolamento, a despeito dos casos mal sucedidos desta estratégia em Itália, Espanha, Holanda e Inglaterra.

Essa preocupação também se verifica em parte do agronegócio, sobretudo os segmentos exportadores, possivelmente mais afetados pelos impactos do isolamento social no conjunto de suas cadeias produtivas – embora segmentos voltados ao mercado interno, como os pequenos e médios frigoríficos, também reclamem contra a política adotada pelo Ministério da Saúde.

Pelo lado da direita tradicional, encontramos a sustentação da defesa ao isolamento social por parte da grande burguesia interna e, sobretudo, da burguesia associada ao capital estrangeiro, apoiados por parcelas das massas populares contrárias ao negacionismo do governo.

O capital bancário, nacional e estrangeiro, envolvendo os grandes e médios bancos comerciais, como o Bradesco, o Itaú, o Santander e o Banco Fator, foram a público apoiar as medidas de isolamento social.

Os grandes bancos, particularmente, foram beneficiados diretamente pelas medidas de socorro do Banco Central, que se comprometeu a emprestar R$ 1,2 trilhões para aumentar a oferta de liquidez diante do aumento da demanda por crédito pelas empresas e famílias.

Os dirigentes destas instituições justificaram apoio ao isolamento enquanto medida mais eficaz para evitar a “perda de tempo” na superação da pandemia e, consequentemente, a recuperação da atividade econômica.

A cotação dos ativos financeiros também indica o alinhamento do setor financeiro não-bancário, associado ao capital estrangeiro e com atuação predominante no mercado de capitais, com a direita tradicional.

Preocupado com os efeitos do negacionismo sobre a estabilidade política do governo, este segmento reagiu negativamente aos rumores de demissão de Luiz Henrique Mandetta do cargo de Ministro da Saúde no dia 6 de abril, freando os movimentos de alta do Ibovespa e de queda do dólar naquele dia, provocados pela desaceleração dos casos de contaminação do vírus na Europa e pela valorização das ações dos bancos com as medidas anunciadas pelo Banco Central.

Este evento pode indicar que a relação deste segmento com o governo Bolsonaro é mais pragmática e decorre exclusivamente do compromisso com as reformas neoliberais, tendo o negacionismo e as pretensões autoritárias como obstáculos para a aprovação destas reformas.

Verificamos também o apoio de grandes empresas de telecomunicação, predominantemente de capital estrangeiro, como a Oi, a Vivo, a Claro, a TIM e a Nextel, que anunciaram plano de atuação conjunta para auxiliar a transmissão de dados de monitoramento da epidemia e deslocamento populacional aos órgãos ligados ao Ministério da Saúde e aos governos estaduais, e também para atender o aumento da demanda de acesso à internet durante o isolamento social.

De acordo com os dados da SindiTelebrasil, representante das empresas do setor, o fluxo de dados na internet aumentou 40% durante o período de isolamento social, com a alteração das rotinas das famílias e empresas, envolvendo a utilização de home office e o aumento do uso da internet para fins de lazer.

Parte da indústria de alimentos, marcadamente os grandes frigoríficos (caso da Aurora, BRF e GTFoods), foram a público isoladamente e através da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) incentivar o isolamento social.

O segmento de supermercados também se posicionou a favor das medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, caso da (Associação Brasileira de Supermercados) ABRAS e da Associação Paulista de Supermercados (APAS), sob a condição de manter o funcionamento enquanto atividade essencial.

Além disso, as grandes redes vêm registrando aumento no faturamento das vendas em plataforma digital e com a corrida dos consumidores aos mercados. A APAS, inclusive, está compondo o gabinete de crise da covid-19 do governo de São Paulo.

O aumento das vendas de alimentos para consumo doméstico durante o período de isolamento social parece ser uma explicação para o posicionamento destes segmentos, que discursam pela “responsabilidade com a saúde e bem-estar dos brasileiros”.

Empresas do ramo automotivo, nacionais e estrangeiras, como Marcopolo, Randon, General Motors e Mitsubishi, representadas pela Anfavea, também se posicionaram alinhadas às diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, mesmo com a queda significativa nas vendas durante o mês de março.

Segundo o presidente da Anfavea, parte dessas empresas vem se dedicando à manutenção de respiradores e à produção de máscaras e materiais de saúde, e defendem o “modelo chinês” como forma mais eficaz para reduzir os impactos da crise sobre a atividade econômica no longo prazo.

Isoladamente e em direção contrária à maioria do comércio de varejo, importantes redes como Magazine Luiza, Lojas Renner e Leroy Merlin também aderiram ao discurso em defesa do isolamento social como medida mais eficaz para o combate à epidemia e para a recuperação econômica.

Entidades estaduais do agronegócio, localizadas nos estados da região centro-oeste e no estado de São Paulo, como a Faesp, a Famato, a Famasul, a Faeg, se posicionaram favoráveis às medidas de isolamento social expedidas pelo Ministério da Saúde e governos locais.

O discurso dessas entidades defende a continuidade da produção de alimentos sob a justificativa de menor exposição ao risco de contaminação na cadeia produtiva dos pequenos e médios produtores, voltados para o mercado interno.

Assim como a indústria de alimentos e as redes de supermercados, uma possível hipótese para o posicionamento destas entidades é o aumento das vendas de alimentos para consumo doméstico durante esse período, o que parece refletir no mesmo discurso de “responsabilidade” com a saúde e bem-estar dos consumidores para justificar a continuidade de suas atividades.

Apesar de ainda ser a ala com maior capilaridade eleitoral, devido aos milhares de prefeitos e vereadores espalhados pelo Brasil, a direita tradicional não transforma esse fato em organização e mobilização política, de modo que podemos afirmar que ela não possui grande base social em estratos populares e isso pode ser a explicação da narrativa “estamos todos no mesmo barco”.

Apela ao sentimento dos de baixo, mas sem mobilizá-los contra um inimigo específico, como faz o neofascismo ao convocar os pequenos e médios empresários e os trabalhadores informais para reabertura do comércio, contra o Congresso Nacional, governadores e prefeitos.

Contudo, a direita tradicional ainda mantém o apoio de parte da classe média que se organiza através de movimentos como o Movimento Brasil Livre e o Movimento Vem Pra Rua!. Além deles, mantém o apoio de alguns sindicatos dirigidos por Centrais Sindicais ou lideranças pelegas.

É importante ressaltar que a direita tradicional conta com a vantagem de que os meios de comunicação de massa mais poderosos estão ao seu lado. Setores importantes da mídia tradicional como a Rede Globo e a Folha de S.Paulo, que tem audiência muito maior e mais ampla que as grandes emissoras que apoiam o neofascismo, entraram em choque direto com o governo desde as eleições de 2018.

Apoiadoras do ultraliberalismo do Paulo Guedes, não propriamente das pretensões neofascistas de Jair Bolsonaro, criticado pela desestabilização política e pelo risco desta sobre a execução das reformas neoliberais, estas empresas também viram suas verbas de publicidade governamental reduzidas e estiveram constantemente ameaçadas pelo fortalecimento das empresas concorrentes alinhadas ao bolsonarismo, como a Record e o SBT.

Nosso trabalho inicial de investigação nos permite apontar o seguinte quadro das forças sociais e seus posicionamentos diante da conjuntura de crise sanitária:


Tabela estrato da burguesia durante crise do coronavírus / André Flores Penha Valle e Octávio F. Del Passo

Com isso, buscamos demonstrar que a divisão das classes dominantes em relação à pandemia da covid-19 é um elemento que aponta um enfraquecimento real do governo, embora isso não signifique um “isolamento” como muitos analistas vem afirmando.

Como buscamos demonstrar, para além da questão sanitária, tanto o discurso negacionista como o discurso em prol do isolamento social atendem a interesses sociais específicos.

Enquanto o primeiro é sustentado pelas burguesias industrial e comercial, mais dependentes do consumo presencial para realizar a produção e as vendas, e pelos segmentos do agronegócio vinculados às cadeias exportadoras de grãos; o segundo encontra apoio das burguesias bancária, financeira, dos setores de alimentos e de automóveis, envolvendo capital nacional e estrangeiro, além de pequenos e médios produtores rurais da região Centro-Oeste.

Dessa forma, a constatação desta divisão no interior do bloco no poder e do enfraquecimento real do governo não nos autoriza afirmar que este esteja em estágio terminal, pois além de o bolsonarismo manter apoio politicamente ativo de parte do bloco no poder, não temos indicações de outra força social e política efetivamente mobilizada para derrubá-lo.

Desse modo, também podemos demonstrar que a divisão entre neofascistas e direita tradicional, que reflete na divergência relacionada ao isolamento social, não se reduz à mera questão de cálculo eleitoral, ainda que exista uma luta intestina entre os seus representantes políticos para granjear a representação do bloco no poder nas eleições de 2022.

Ao afirmar isso não buscamos minimizar a importância deste tipo de conflito, apenas apontar que não é o fator explicativo principal e que deve ser compreendido à luz dos interesses sociais em disputa – como diria Karl Marx, em alusão à epígrafe deste texto: “quem o nega?”. O que explica a atual divisão no campo da direita é a divergência entre os diferentes interesses sociais por ela representados.

*André Flores Penha Valle e Octávio F. Del Passo são doutorandos em Ciência Política pela Universidade de Campinas (Unicamp)

Edição: Leandro Melito