Coluna

Vertigem de quarentena

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Um cadáver de uma vítima de covid-19 é transportado por equipes médicas em roupas de proteção para uma área refrigerada do Hospital João Lúcio em Manaus - Michael Dantas / AFP
Como vamos tirar Bolsonaro se não podemos protestar nas ruas? Mas, calma, há resistência

Buzinaços de bolsonaristas em frente a um hospital em São Paulo pedem a volta do Ato Institucional N 5 (AI-5) e o fechamento do Congresso Nacional. Em Brasília, o presidente da República participa de manifestação semelhante na porta do Quartel-General do Exército, incitando um grupelho golpista. E tossindo. Muito. Sinto taquicardia de ódio.

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Ao mesmo tempo, alguém posta em uma rede social uma reportagem sobre 7 mil mortos em asilos nos Estados Unidos. Penso que aqui não estamos longe disso com o colapso dos sistemas de saúde no Amazonas, Pará e Ceará. Porém, o impacto nacional, como sempre, provavelmente só acontecerá quando o Rio de Janeiro ou São Paulo implodirem, o que também parece que não vai demorar muito.

Recebo uma mensagem por WhatsApp que traz um plano de relaxamento da quarentena elaborado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O Dória deve ter recebido a proposta antes de mim para anunciar que, em breve, começará a reabrir o comércio. Fico pensando se alguém já entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal denunciando Bolsonaro por atentar contra a Constituição Federal.

Pergunto isso por mensagem a um amigo mais articulado que eu e ele responde que sim, mas que eu deveria saber que não vai dar em nada. Lembro do impeachment, de todos os tuítes e abaixo-assinados, e em como não caminhou nada. Depender de Rodrigo Maia, do centrão e do timing político é de lascar. Sinto taquicardia de desespero.

Entro em uma live em que uma assistente social conta as dificuldades das mães solos em acessar a renda básica. Teremos a possibilidade de um futuro com renda universal? Minha cabeça vai até Eduardo Suplicy. Será que vai rolar live dos Racionais? Eles devem estar mais próximos de uma posição como a do Nação Zumbi, que anunciou que não faria porque não querem colocar em risco equipe e músicos, né? #Ficaemcasa quem puder.

Como vamos tirar Bolsonaro se não podemos protestar nas ruas? Mas, calma, há resistência. Há solidariedade. Há o pessoal da saúde, na linha de frente; os trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra doando alimentos; há a esperança de que, passada a pandemia, consigamos repensar as formas de organização social.

A globalização da doença é consequência direta do capitalismo. As águas dos canais de Veneza estão finalmente transparentes. Alguns garimpos na Amazônia pararam. Mas parece que, por enquanto, está mais fácil organizar o povo para tirar alguém do BBB. Quando o programa acabar, daqui uns dias, será o último resquício de mundo pré-quarentena que tínhamos em andamento paralelo ao nosso.

Mentira, tem também o Abraham Weintraub, ministro da Educação, que continua exatamente o mesmo: além dos comentários racistas sobre a China, ele disse que as verbas das universidades e institutos federais serão decididas a partir de quais continuaram abertas e com aulas durante o período de isolamento forçado!

Me dá taquicardia só de lembrar da situação-limite que estamos funcionando nas instituições públicas de ensino superior. Já perdi várias noites de sono por isso. Ontem, aliás, sonhei que um tsunami invadia Salvador. É um pouco assim que me sinto: estou vendo o tsunami se formar.

A onda vem carregada de milicianos, policiais militares, barbies fascistas, políticos e empresários liberais que se calaram – ou só redigiram uma nota de repúdio –, pessoal contra vacina e a ciência. Caldo não falta. Quem estará na praia e quem conseguirá se proteger?

As desigualdades da cidade, dividida entre alta e baixa, como canta o Baiana System, já dão a dica do que ocorrerá. Acordo do pesadelo. E essa taquicardia que não passa.

Edição: Leandro Melito