Balanço

Coronavírus: quarentena em SP foi essencial, mas insuficiente, aponta infectologista

Estado de São Paulo completa um mês de quarentena nesta sexta; fim do isolamento está previsto para de 10 de maio

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Com a pandemia, a quarentena interrompeu 26% das atividades econômicas, de acordo com o governador João Doria (PSDB) - AFP

Nesta sexta-feira (24), o Estado de São Paulo completou um mês de quarentena imposta pela pandemia de coronavírus. O quadro é de 1.345 óbitos e 16.740 contaminações por covid-19, conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde registrados até às 14h desta quinta-feira (22).

Somente entre quarta-feira (23) e quinta, houve um aumento de 211 mortes, o maior registro em 24 horas até então. A letalidade já chegou a cerca de 8%. O número de mortos pelo novo coronavírus no Brasil subiu para 3.670 nesta sexta-feira (24), de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde. 

A médica Raquel Stucchi, integrante da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), faz um balanço dos impactos da quarentena até o momento.

Para ela, ainda que a quarentena tenha, de fato, achatado a curva da velocidade de contaminação, o isolamento social não foi cumprido como a comunidade médica acredita que deveria sido. Stucchi acredita que houve relaxamento por parte da população e do Estado.“Acho que havia mecanismos de fazer com que a quarentena funcionasse melhor, a gente estaria em uma situação mais confortável. Então talvez essa seja uma crítica", aponta. 

Poderia, por exemplo, “dificultar a mobilidade urbana, e acho que a gente tinha como fazer isso”, afirma a infectologista. Atualmente, a taxa de isolamento é de 48% na capital e em todo o Estado. No início do distanciamento, no entanto, o índice chegou a bater a casa dos 60%.

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Com a pandemia, a quarentena interrompeu 26% das atividades econômicas, de acordo com o governador João Doria (PSDB), em coletiva de imprensa realizada nesta quarta. Isso significa que 74% da estrutura econômica paulista não parou de funcionar. Nesse rol, estão incluídos os trabalhadores de áreas essenciais, como profissionais da saúde e do serviço funerário. 

É o caso de Manoel Norberto. Sepultador e diretor do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo, está se deslocando todos os dias aos cemitérios da cidade de São Paulo para acompanhar o trabalho dos sepultadores e afirma que a sensação é de medo.   

“O pessoal que trabalha até às 18h está saindo, muitas vezes, às 20h do trabalho, por causa da demanda. Na linha de frente, a sensação é de medo porque se sabe que é um vírus mais letal do que o H1N1. A gente acompanha os profissionais de saúde que estão morrendo, os médicos, o pessoal da enfermagem e aumentou a demanda [nos cemitérios]”, afirma Norberto. No maior cemitério da América Latina, do Vila Formosa, a média de sepultamentos por dia, que antes da pandemia era de 40, subiu para 75.

Maria Helena Lima, que vive no interior de São Paulo e que também precisa sair de sua casa todos os dias, cuida de uma senhora de 80 anos. Os cuidados são travados como uma batalha. 

“Eu saio de casa 7h30, já saio de luvas, máscara. Aí já venho, deixo o sapato aqui fora na porta, entro, já lavo a mão com sabão, troco de roupa. Aquela eu já nem pego mais, já coloco para lavar. E eu tenho uma outra roupa aqui, que eu deixei do dia anterior, que é a que eu vou embora.” No outro dia, a rotina se repete. Dentro da casa de sua chefe, somente ela sai para fazer as compras de mercado e farmácia, assim como em sua casa.

Aqueles que conseguem cumprir o isolamento social, no entanto, observam chegar o revés da diminuição da renda. É o caso de Mirella Cuter, de 30 anos.

Psicóloga, ela se viu impossibilitada de atender aos pacientes em seu consultório, o que diminuiu o atendimento em 60%. A consequente queda abrupta da renda a levou a solicitar, há cerca de duas semanas, o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso Nacional de R$ 600,00. Até o momento, porém, a solicitação ainda está em processo de análise. 

“Para dar conta dos boletos, eu tive de fazer algumas negociações de preço de aluguel de sala, de terapia e supervisão, e outras atividades eu tive que interromper. Pretendo voltar assim que tivermos mais noção da situação específica do Brasil, onde as autoridades de saúde digam que estamos seguros para retomar os trabalhos”, afirmou a psicóloga.

Plano São Paulo

No do dia 10 de maio, o distanciamento social obrigatório perde a validade no estado de São Paulo. Deve ocorrer, então, a reabertura gradual dos setores produtivos do comércio por meio do “Plano São Paulo”, conforme anunciou o governador João Doria (PSDB), em coletiva de imprensa, nesta quarta-feira (22).

Na ocasião, o governador fez questão de mencionar que a atividade econômica estado não parou. “Salvar vidas é a prioridade máxima do governo do estado de São Paulo, mas sempre, desde que decretamos a quarentena, e o primeiro estado a fazer isso foi o de São Paulo, sempre garantimos o maior o número possível de atividades na economia do estado de São Paulo, que representa quase 40% do país”.

Apesar do fim do isolamento estar previsto para 10 de maio, os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde e da pasta paulista informam que o início efetivo do aumento do número de casos deve ocorrer a partir da 17º ou 19º semana epidemiológica, daqui a 10 e 21 dias, ou seja, exatamente no início de maio.

Stucchi observa a decisão com preocupação. “É uma preocupação nossa dos infectologistas principalmente, se a gente pensar na nossa capacidade de atendimento dos casos mais graves, de leitos de internação e de terapia intensiva. Nós não estamos ainda com um número de casos tão absurdos e a gente já tem uma ocupação quase que total dos leitos de terapia intensiva", afirma.

Dados da Secretaria de Estado da Saúde mostram que a taxa média de ocupação das Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) bateu em 73% nos hospitais municipais, na última terça-feira (21). Em todo o estado, a média desce para 60%.

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Na Região Metropolitana, no entanto, sobe para 80%. Na cidade de São Paulo, o hospital que mais se aproxima do esgotamento de leitos é o das Clínicas, com uma taxa de ocupação de 92%.  Em outros hospitais de referência, como o Emílio Ribas, a capacidade já está chegando ao limite. O governador acredita que, no total, são seis mil pessoas internadas pela covid-19. No Brasil, os dados mais atualizados são desta quinta-feira (23), quando foram registrados 49.492 contaminações e 3.313 óbitos, e 19.606 estão sendo acompanhados.

O isolamento social foi decretado pela primeira vez em São Paulo no dia 24 de março. Desde então, já foi prorrogado duas vezes, no dia 8 de abril, com vencimento para esta quarta-feira (22), e no dia 17 de abril, com vencimento para 10 de maio. 

Edição: Leandro Melito