Zika vírus

Cármen Lúcia julga pedido como improcedente e ação sobre aborto não é julgada

Tema é um dos pontos de ação da Anadep que pede políticas públicas para mães e crianças afetadas pela doença

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Relatora do caso, Cármen Lúcia entende que "“não há prejuízo ao direito de defesa" em votações do plenário virtual - Arquivo / Agência Brasil

A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia julgou como improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5581, que trata da autorização para a prática de aborto no caso de mulheres afetadas pelo zika vírus, que provoca microcefalia.

A manifestação da magistrada, que é relatora do caso, foi publicada nessa sexta-feira (24) no plenário virtual da Corte e significa que o pedido foi indeferido sem ter o mérito julgado.  

Até o fechamento desta reportagem, manifestaram voto favorável ao entendimento da relatora os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, presidente do STF. Os outros seis membros da Corte ainda não apresentaram posicionamento diante do tema. Como o Supremo tem um total de 11 magistrados, a maioria se forma com seis votos.

O direito de interromper a gravidez é apenas um dos pontos da ação, que trata de garantias de políticas públicas para mães e crianças afetadas pelo zika vírus no Brasil.

O pedido é de autoria da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). A ação tem o apoio do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e foi ajuizada em 2016, como resultado de uma articulação conjunta com pesquisadores, militantes e juristas.

A Anadep destaca que a ADI pede, entre outras coisas: acesso a exames médicos e atendimento de saúde específicos para os casos; garantia de acesso a medidas preventivas, como a disponibilização de métodos contraceptivos às mulheres por parte do Ministério da Saúde; dispensa de perícia junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), bastando que seja apresentado atestado médico; e a flexibilização dos requisitos para o recebimento de pensão.

Atualmente, a legislação brasileira prevê que famílias afetadas pela microcefalia têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujo valor é de R$ 1.045, mas a norma exige renda familiar mínima de R$ 260, o equivalente a um quarto do salário mínimo. A ação da Anadep pede a exclusão dessa exigência, de forma que o benefício possa atingir mais famílias.

No intervalo entre novembro de 2015 e outubro de 2019, o MS registrou 18,3 mil casos suspeitos de crianças com alterações no crescimento e no desenvolvimento por conta da infecção causada pelo vírus. Ao todo, 19% deles foram confirmados.

A Anadep aponta que nem todas as pessoas afetadas pela doença estão dentro do critério de miserabilidade exigido pelo Estado para que se tenha acesso ao BPC, mas a entidade entende que todas elas estão em situação de fragilidade. 

“Porque há ali uma clara vulnerabilidade social daquela família que não é tão vulnerável economicamente, mas tem uma dificuldade financeira pelo acometimento dessa grave doença. É uma doença gravíssima, gera danos psicológicos e físicos muito graves, mas também prejuízos financeiros muito grandes. A família tem que mudar toda a sua disponibilidade pro cuidado da criança”, argumenta o presidente da entidade, Pedro Coelho.  

Ação

Diante da manifestação da ministra Cármen Lúcia nessa sexta-feira, a Anedep informou que ainda vai avaliar possibilidade de recorrer da decisão, mas somente após a argumentação da magistrada, que ainda não foi apresentada.

Como não há, até o momento, a formação de uma maioria de votos favoráveis ou contrários à decisão da relatora, o caso pode ficar sem desfecho até o dia 30 deste mês, prazo final para que os demais ministros se manifestem sobre o tema. A depender do teor da decisão que vier a ser majoritária, a ADI pode também não chegar a ter o mérito julgado.

Nos bastidores, a ação conta com o lobby contrário do governo Bolsonaro e de diferentes segmentos conservadores, com destaque para igrejas. Diante das interrogações sobre o futuro da ação, entidades do movimento feminista temem que as mulheres atingidas pelo vírus acumulem mais prejuízos ao longo do tempo, enquanto o assunto não tem uma decisão definitiva. É o que afirma, por exemplo, a militante Analine Specht, da Marcha Mundial de Mulheres (MMM).

“É preocupante, assim como é preocupante a defasagem histórica do Estado em reconhecer o direito da gente de decidir sobre o próprio corpo e a nossa autonomia. Sem dúvida, é um prejuízo pra gente e pra essas mulheres, especialmente”, destaca, ao mencionar os casos de aborto.

Pela legislação vigente no país, a interrupção da gravidez é liberada apenas em casos de estupro, feto anencéfalo e gravidez que impõe risco à vida da mãe.  

Plenário virtual

A entidade vê com ressalvas também o fato de o julgamento do caso ser feito apenas por meio de posicionamentos escritos, formato do plenário virtual do STF. Nesse tipo de situação, as manifestações dos ministros não são transmitidas pela televisão, como tem ocorrido com os julgamentos convencionais neste período de isolamento social. A Marcha Mundial de Mulheres avalia que o esquema prejudica o debate.  

“Nós entendemos que todas as formas que limitam o exercício do debate sempre tendem a trazer prejuízos pras minorias, sem dúvida alguma, e a ausência de um debate presencial prejudica muito porque você tem apenas um voto escrito e não faz uma troca de ideias mais ampla”, aponta Analine.

A Anadep também demonstra preocupação com a situação. “A gente sempre entende que o julgamento virtual deve ser adotado em ações menos complexas, e essa ADI é muito complexa. Não podemos negar que ela demanda vários aspectos de debate. Nós gostaríamos de mostrar como as políticas públicas são extremamente importantes na situação das mães acometidas pelo zika”, afirma Coelho.    

A entidade havia apresentado ao STF um pedido para que a ADO 5581 fosse excluída da pauta do plenário virtual, mas a solicitação foi negada pela ministra Cármen Lúcia na última segunda-feira (20). A magistrada argumentou que o uso de ferramentas tecnológicas é adotado pelo Supremo para garantir a celeridade dos processos. “Não há prejuízo ao direito de defesa, não havendo limitação nem prejuízo na análise do caso pelos ministros”, acrescentou.

Edição: Leandro Melito