Embraer

"Fim de contrato com Boeing é positivo pra soberania nacional", afirma sindicato

Após rompimento de gigante estadunidense com fabricante brasileira, oposição vê terreno fértil pra luta antiprivatista

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Embraer desembolsou R$ 485 milhões em 2019 com procedimentos preparatórios para joint-venture com Boeing - Agência Brasil

O fim do contrato da Boeing com a fabricante brasileira Embraer, selado pela companhia estrangeira no último sábado (25), é visto pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (Sindimetal-SJC) como algo positivo para a companhia e para o país.

Desde 2017, as duas gigantes vinham trabalhando na formatação de um acordo que previa a criação de uma joint-venture, espécie de empresa conjunta voltada a alianças comerciais.

Patrocinada politicamente pelo governo de Michel Temer (2016-2018), a empreitada contava com o entusiasmo e a articulação do grupo Bozano Simonsen, banco de capitais que adquiriu a Embraer na década de 1990, quando a estatal foi privatizada, e com o qual o ultraliberal Paulo Guedes, ministro da Economia, tinha ligação direta até assumir o posto no Executivo.

Atualmente, a União intervém na companhia por meio de uma “golden share”, esquema em que se tem participação minoritária entre os sócios, mas se detém poder de veto sobre determinadas decisões.

O fim do contrato por parte da Boeing ajuda a frustrar os planos traçados na cartilha econômica do governo Bolsonaro, que defende políticas liberais e privatistas, ao mesmo tempo em que traz boas expectativas para setores que historicamente lutaram contra a venda da companhia brasileira. É o que considera, por exemplo, Herbert Claros, ex-integrante do conselho administrativo da fabricante e diretor do Sindimetal-SJC.  

“O sindicato sempre se posicionou contra a venda da Embraer pra Boeing pelo entendimento que nós temos da importância de uma empresa de tecnologia e de fabricação de aviões pra soberania e pra tecnologia do país. Todas as empresas desse mesmo ramo ao nível internacional são pertencentes ao seu próprio país, elas mantêm a sua soberania. A gente acredita que o cancelamento é positivo pra soberania nacional e pra preservação dos empregos no Brasil”, afirma o dirigente.

A Embraer gera cerca de 15 mil postos de trabalho no país. O negócio entre as duas companhias foi oficializado em julho de 2018 e envolvia um montante de US$ 4,2 bilhões, que foi chancelado pelo governo Bolsonaro no início de 2019.

Ao todo, a fabricante brasileira desembolsou R$ 485 milhões no ano passado com uma série de procedimentos preparatórios para a venda. 

“Isso é uma coisa que nem existe no capitalismo. Imagine que você vai vender um carro, fecha negócio e aí troca pneus, bancos, etc. pra dar pro novo dono. Foi isso que a diretoria da Embraer fez. Ela se vendeu pra Boeing e, ao se entregar, fez uma série de mudanças pra garantir isso”, critica Herbert Claros, atribuindo a iniciativa a uma “lógica entreguista” de gerência da empresa.   

No sábado, logo após o anúncio da quebra de contrato entre as duas empresas, o Sindimetal-SJC publicou uma nota pedindo a reestatização da empresa. A entidade acredita que a iniciativa beneficiaria o país, especialmente neste momento de pandemia. 

“Primeiro, pelo momento político, econômico e social que vivemos. Ter uma empresa como a Embraer hoje, uma empresa que faz tecnologia estatal, seria garantir que o governo fabricasse aviões e tecnologia aeronáutica voltada ao povo brasileiro e ainda poderíamos aproveitar o corpo de engenheiros da Embraer – nós temos 6 mil engenheiros. Nós temos capacidade de fabricar, por exemplo, carros elétricos, respiradores pra combater a covid-19. Seria garantir que isso trouxesse benefícios pro povo brasileiro”, argumenta o dirigente.   

Efeito dominó

Além da frustração que o rompimento do acordo entre Boeing e Embraer causa na equipe econômica do governo Bolsonaro, a novidade pode ter ressonância nas articulações políticas da gestão em torno da venda de estatais brasileiras.

Robusta, a lista de empresas nacionais que estão na mira de Paulo Guedes chega a 300 ativos no total, com previsão de arrecadação na faixa dos R$ 150 bilhões.

O programa foi apresentado no ano passado, mas, diante do cenário de pandemia, o governo foi obrigado a pisar no freio. Na quarta-feira passada (22), antes mesmo do estopim da crise política envolvendo Bolsonaro e o agora ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, a gestão já havia anunciado uma revisão da meta de desestatizações.

O secretário Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Salim Mattar, noticiou o adiamento da venda da Eletrobras para o segundo trimestre de 2021. A empresa vem em um processo de fatiamento desde o governo Temer e sua venda é vista pela gestão Bolsonaro como a porta de entrada das demais privatizações.

Contrariando as previsões anunciadas em 2019, Mattar disse ainda que não há chance de venda de ativos para este ano por conta da baixa geral que houve no mercado mundial diante do coronavírus.  

No Congresso Nacional, o novo cenário é visto por deputados e senadores de oposição como uma oportunidade para barrar politicamente a venda de estatais, que encontra rejeição mesmo entre alguns expoentes da direita liberal.

Em um contexto pré-eleitoral e sob intensas pressões de sindicatos e movimentos populares, muitos parlamentares veem a pauta das privatizações com cautela. Para o coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, Rogério Correia (PT-MG), há um terreno mais fértil agora para a oposição diante dessas pautas.

“Acho que é um momento de a gente qualificar a luta contra as privatizações. Não acredito mais que o governo fará isso espontaneamente. Nós teremos, no pós-pandemia, principalmente, que acirrar a luta contra o projeto privatista deles. Os elementos pra isso são melhores agora pra gente travar a luta a partir deste processo de pandemia, e o exemplo da Boeing com a Embraer é também uma sinalização de que as privatizações estão dando errado”, argumenta.

Na Câmara dos Deputados, casa legislativa por onde começa a tramitação da maioria dos projetos de lei, a pauta das privatizações conta com oposição especialmente das siglas PT, PSB, PDT, Psol e PCdoB.    

Edição: Leandro Melito