Rio Grande do Sul

MULHERES NA POLÍTICA

“Romper com a desigualdade de gênero é tarefa de muitas gerações”, diz Silvana Conti

Nascida em 1964, a professora e sindicalista pontua que os dias atuais lembram aqueles tempos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
“Vivemos uma conjuntura de avanço do conservadorismo e de perda de direitos sociais e trabalhistas historicamente conquistados" - Foto: Arquivo Pessoal

“Minhas primeiras palavras carregam a força, a resistência e a sabedoria das minhas ancestrais que trazem consigo a bandeira da resistência, da esperança, rumo à liberdade.
Muitas de nós já foram queimadas em fogueiras!
Muitas de nós estavam na linha de frente como atiradoras de elite na Revolução Russa!
Muitas de nós como Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares estavam dirigindo Quilombos, grandes espaços de luta e resistência!
Muitas de nós como Helenira estavam no Araguaia liderando guerrilhas!
Muitas de nós já foram estupradas nos porões da casa grande!
Muitas de nós perderam seus companheiros e companheiras, perderam seus filhos e filhas no terror da ditadura!
Uma de nós foi eleita a primeira Presidenta do Brasil e sofreu impeachment sem crime de responsabilidade, sofreu machismo, misoginia e inúmeras violências.
Lutamos para que não esqueçamos e que tudo isso nunca mais aconteça.”,
assim escreveu Silvana Conti, em 2016.

Desses quatro anos que separam esse texto da entrevista concedida ao Especial Mulheres na Política do Brasil de Fato RS, por e-mail, a resistência segue sendo a sua principal arma. Nascida em 1964, nos dias de chumbo da ditadura militar, a professora aposentada pontua que os dias atuais lembram aqueles tempos passados, e que são permeados por violência, mordaça e barbárie.

“Vivemos uma conjuntura de avanço do conservadorismo e de perda de direitos sociais e trabalhistas historicamente conquistados, seguido do aumento da violência e do controle sobre a vida e o corpo das mulheres, com o aumento do racismo, aumento do feminicídio, da lesbofobia, da bifobia, da homofobia, da transfobia, além da repressão, criminalização aos movimentos sociais e populares, criminalização do movimento sindical e da política”, afirma.

Confira a íntegra da entrevista, que faz parte do Especial Mulheres na Política.

Brasil de Fato RS - Gostaria que nos falasse um pouco sobre ti, tua trajetória?

Silvana Conti - Minha identidade não nasceu pronta e acabada. Ela foi forjada passo a passo, em um projeto de vida e de trabalho, que foi se tornando um projeto planejado e realizado a muitas mãos. Nasci em 1964. Os dias de chumbo da ditadura militar nos lembram do período que estamos vivendo nos dias atuais (violência, mordaça e barbárie).

Minha trajetória me fez uma professora feminista emancipacionista, que busca a cada dia contribuir na luta em defesa da democracia, defesa dos direitos da classe trabalhadora, pela igualdade racial, pelos direitos das mulheres e em defesa de todos os direitos humanos, e neste momento de pandemia na defesa da vida do povo brasileiro.

Sou uma militante lésbica/feminista, militante da luta antirracista, dirigente do PCdoB/RS e sindicalista. Estou na executiva nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), diretora jurídica do SIMPA e vice-presidenta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB/RS), e neste período de pandemia faço parte da coordenação do Comitê Popular em Defesa do Povo Contra o Coronavírus.

Participei como delegada dos processos de conferências (2004 - 2016), e contribuímos na construção de políticas públicas: Mulheres, Igualdade Racial, Educação (CONAE), Direitos Humanos, LGBT, Saúde, que foram palco de grandes encontros de “todas as tribos”. Com grande participação popular, formulamos do Oiapoque ao Chuí, políticas públicas específicas, que foram uma das principais marcas dos governos Lula e Dilma.

Muito já andamos, mas temos muito que caminhar.

BdFRS - Como foi teu primeiro contato com a política?

Silvana - Tenho lembranças quando minha irmã e eu sempre comíamos antes, e o que sobrava era para a mãe e o pai. Este fato foi meu ponto de partida.

A política econômica dos anos de chumbo era contrária aos anseios dos (as) trabalhadores (as), pois se baseava no “arrocho salarial”: o salário mínimo passou a ser reajustado abaixo da inflação.

Como afirma Ricardo Antunes, meu pai era da classe-que-vive-do-trabalho, um operário do setor automotivo, e cobria a sola do seu único sapato com jornal para aquecer os pés. Eram tempos difíceis, de grande exploração da classe trabalhadora, e foi aí que comecei a entender a luta de classes e como a política se fazia presente em todos os espaços.

Sou professora desde os 15 anos, e a educação antirracista e antidiscriminatória orientaram toda minha experiência política e pedagógica. Com o tempo construi uma concepção de escola que busquei ao longo da vida modificar: “Armário enferrujado, lacrado, com pouca luz, úmido, com aspecto triste, árido, comportado, rígido, que ouve pouco, que compartimenta os sujeitos, que finge não enxergar as diversidades e especificidades das pessoas, cordialmente racista, que busca a homogeneidade, que conforma os corpos, que nega as classes sociais, as sexualidades e subordina as mentes.”

E foi assim que escolhi ser professora de escola pública. Fiz um concurso e ingressei na Rede Municipal de Educação de Porto Alegre em 1987. Logo conheci a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire (1987) e tive a certeza que era para sempre. Quando o mestre diz: “Se a educação não transforma sozinha a sociedade, sem ela tão pouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, não temos outro caminho se não vivermos plenamente nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos.” Estas palavras foram muito importantes nas minhas escolhas, calaram fundo, pois foi o caminho que escolhi, encarnei e vivi como professora da Rede Pública de Educação de Porto Alegre.

Assim iniciei minha formação política e pedagógica. Sou uma Feminista/ Marxista/ Freireana com muito orgulho.

BdFRS - Como tu vês a participação das mulheres na política?

Silvana - Nossa luta pela conquista da cidadania passou e passa pela nossa participação nos movimentos democráticos pela Independência do País, contra o crime brutal da Escravatura, pela República, contra o Estado Novo, pela Paz, contra a Ditadura Militar, pela Anistia, contra a Carestia, pelas Diretas Já, contra o Racismo, pela Constituinte, contra a corrupção, pelo “Impeachment” de Collor, contra a Privatização do Estado, pela Reforma Agrária, pela Reforma da Mídia, pela Reforma Política, pela Reforma da Educação. Contra o Estatuto da Família, pela Autonomia dos Movimentos Sociais, contra o Estatuto do Nascituro, pelos Direitos da Classe Trabalhadora, pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Contra o Racismo, contra a Lesbofobia, contra a Bifobia, contra a Homofobia, contra a Transfobia, contra os fundamentalismos, contra a fome, pela Laicidade do Estado, pela Democracia, pela Soberania Nacional, pela Petrobras, pelo Pré-Sal, pela Escola Sem Mordaça, contra a EC 95. Contra a Reforma Trabalhista e contra a Reforma da Previdência, pela não redução da Maior Idade Penal, pela manutenção do Gênero na Educação em todos os níveis e modalidades de ensino, contra a intervenção militar, contra o golpe que retirou a Presidência da República de Dilma que não cometeu nenhum crime de responsabilidade, e contra o golpe que fez com que o Brasil entrasse em uma profunda crise política, institucional, econômica e transformasse a agenda democrática e popular em um projeto ultraliberal e conservador, pelo Ele Não, contra a injusta prisão de Lula e agora pelo Fora Bolsonaro.

Nós, mulheres brasileiras, demos uma incrível demonstração de como deve ser a resistência democrática ao longo da campanha eleitoral - e para além dela. Organizamos atos politicamente amplos, massivos, de várias matizes ideológicas, que ultrapassaram os limites dos movimentos sociais organizados e levaram às ruas milhões de pessoas em mais de 80 cidades brasileiras além de mobilizações em cidades da Argentina, Austrália, Canadá, Espanha, França, Portugal e Estados Unidos. Tais mobilizações puseram o mundo em alerta sobre o perigo que representava a vitória do candidato fascista e a consigna #EleNão tomou conta das ruas, das praças, dos bairros, das fábricas, das universidades, enfim, o Brasil e o mundo sabem o significado destas palavras, através da nossa mobilização, resistência e luta.

Esse belíssimo movimento de resistência democrática, aliados aos movimentos de “Vira voto” da última semana da campanha que consistiu em ir para as ruas conversar diretamente com o povo, com a presença inclusive de artistas e intelectuais, conseguiu diminuir a diferença de votação entre o candidato fascista e Fernando Haddad. Não foi o suficiente para vencer, mas foi o suficiente para demonstrar a força das mulheres brasileiras na organização da resistência democrática.

BdFRS - Comparado com diversos países a participação das mulheres no Brasil está muito aquém do ideal. O espaço político ainda é majoritariamente masculino, e mesmo com a lei de cotas esse quadro não se reverte, ao que tu atribuis isso?

Silvana - A estrutura machista e racista do Estado brasileiro é um fator estruturante para que ainda estejamos pouco representadas nos espaços de poder. As mulheres são mais afetadas porque trabalham mais e por mais tempo. Por isso, as mulheres se veem obrigadas a aceitar trabalhos mais precários com rendimentos e até jornadas menores. O IBGE comprova também que apesar de trabalharem mais e estudarem mais, as mulheres ganham em média 23,5% a menos que os homens, exercendo a mesma função. As mulheres são as primeiras a serem demitidas e as últimas a se recolocarem no mercado de trabalho.

Barbara Cobo, coordenadora do IBGE, afirma que 28,2% das mulheres trabalham em período parcial de até 30 horas semanais, enquanto entre os homens o índice é de 14,1%. Mas “mesmo com trabalhos em tempo parcial, a mulher ainda trabalha mais. Combinando-se as horas de trabalhos remunerados com as de cuidados e afazeres, a mulher trabalha, em média, 54,4 horas por semana, contra 51,4 dos homens”.

A dupla jornada de trabalho e a desigualdade salarial são dois dados chocantes da situação das mulheres trabalhadoras no Brasil que se completa com a triste constatação de que a precarização, a terceirização, o trabalho informal e o desemprego tem rosto de mulher e em sua maioria o rosto das mulheres negras.

A violência do Racismo Institucional segue matando e massacrando as mulheres negras que tem em sua história social a marca da escravidão, dos estupros e da violência cotidiana imposta por uma sociedade racista e machista. As mulheres negras chegam a ter salário duas vezes menor do que os homens brancos e, em geral, ocupam lugares de trabalho muito precarizados. Penso que a falta de autonomia econômica e a divisão sexual do trabalho, ainda são fatores que nos colocam em desvantagem na sociedade machista e racista que vivemos, portanto vários fatores nos afastam da política e dos espaços de poder.


"A estrutura machista e racista do Estado brasileiro é um fator estruturante para que ainda estejamos pouco representadas nos espaços de poder" / Arquivo pessoal

BdFRS - Qual o papel dos partidos políticos nessa situação e o que eles deveriam fazer?

Silvana - A líder da minoria, deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ressalta que a maior participação das mulheres nos cargos de poder não é uma concessão, mas uma conquista – consequência da competência delas em sua atuação na Casa e de um acúmulo de lutas desde a Constituinte, com a chamada Bancada do Batom. “Agora tem ainda uma quilometragem enorme a conquistar, porque há poucas mulheres comparado a outros países do mundo”, destacou. “Então, apesar dessas conquistas, nós temos muito a fazer, o nível de machismo no Brasil ainda é muito elevado.”

Em um país marcado pela severa opressão patriarcal, romper com a desigualdade de gênero nas esferas de poder, seja no Legislativo, Executivo ou Judiciário, é tarefa de muitas gerações. E embora o avanço de ocupação de espaços de poder pelas mulheres seja perceptível na sociedade brasileira, ainda há muito que evoluir para se alcançar a necessária paridade de direitos.

Dos 513 deputados só 77 são mulheres; dos 11 cargos da Mesa Diretora (incluindo os suplentes) as deputadas ocupam apenas dois; e das 25 comissões permanentes somente 4 são presididas por mulheres, e somente 12 senadoras entre os 81 eleitos.

A baixa representatividade das mulheres brasileiras na política se reflete também na ocupação de cargos de poder dentro da Câmara dos Deputados. Das 25 comissões permanentes da Casa, apenas 4, ou seja 16%, são presididas por mulheres neste ano.

Segundo o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas e da União Interparlamentar divulgado, ano passado, no ranking de representatividade feminina no Parlamento, o Brasil ocupa a posição 134 de 193 países pesquisados, com 15% de participação de mulheres. Já no ranking de representatividade feminina no governo, o Brasil ocupa apenas a posição 149 em um total de 188 países. O governo de Jair Bolsonaro tem somente 9% de representatividade feminina, com apenas duas mulheres entre os 22 ministros. A média mundial é de 20,7%. Fonte: Agência Câmara de Notícias.

No Brasil e na Indonésia, por exemplo, as mulheres representavam ao redor de um terço dos candidatos, mas ganhavam uma proporção de assentos muito menor, de apenas 9,9% e 16,8% na câmara baixa e na câmara única, respectivamente. Estes padrões mostram que um aumento do número de candidatas eleitorais não basta para garantir uma mudança em sua representação.

Tais dados ilustram, assim, os limites de se utilizar o expediente das cotas para candidaturas como única política de incentivo à correção das distorções em termos de representação da mulher na política institucional brasileira. Nesse sentido, ações mais efetivas devem ser urgentemente apreciadas, o que passa necessariamente, por um lado, pela necessidade de se escrutinar o expediente das cotas a fim de avaliar suas potencialidades e limites em face do imenso desafio à participação feminina na arena política, bem como, por outro, discutir-se seriamente a instituição de mecanismos mais vigorosos de correção das distorções verificadas, tais como medidas para garantir a paridade entre os sexos para cargos eletivos.

Pesa favoravelmente à adoção de medidas orientadas em favor da equidade, por exemplo, a aceitação demonstrada por ampla parcela da população brasileira em relação a ações com vistas à paridade tanto na ocupação de vagas no Legislativo como no interior dos partidos.

Se é fato que não seriam barreiras atitudinais ou culturais por parte do eleitorado as maiores responsáveis por impedir a ocupação de cargos eletivos de uma forma equitativa entre homens e mulheres, a questão se volta para as barreiras institucionais. Neste caso, tanto do sistema político brasileiro e seu arcabouço legal como dos partidos. Tal percepção parece ser compartilhada por ampla parcela das mulheres. Segundo a pesquisa do DataSenado, um número muito próximo de homens e mulheres demonstram interesse em se candidatar para um cargo eletivo – 66% e 62%, respectivamente –, no entanto, 41% das entrevistadas acreditam que a falta de apoio dos partidos seja o principal motivo pelo qual as mulheres não se candidatam.

A análise da experiência brasileira de duas décadas com o sistema de cotas eleitorais por sexo demonstra que as barreiras ao acesso das mulheres aos postos decisórios se devem menos ao número de concorrentes em si que a outros constrangimentos próprios do sistema político-institucional que vigora no país. Evidentemente que os aspectos culturais não estão divorciados das outras determinações que atuam para conformar o cenário de sub-representação das mulheres na esfera política, afinal, existem às omissões dos partidos em implementar a paridade em suas listas uma cultura política de valorização das candidaturas masculinas, fato observado quando se põe em foco, por exemplo, o financiamento das campanhas eleitorais. Em face da constatação de que as cotas por sexo por si mesmas não são suficientes, é imperativo que, para que uma mudança real e efetiva desse cenário de desigualdade ocorra, tal recurso seja não só aprimorado como medidas adicionais sejam adotadas. Tomando-se como parâmetro o critério da justiça social, nada mais legítimo do que implementação da paridade tanto em termos de candidaturas apresentadas pelos partidos como na ocupação das vagas ao Parlamento.

Os partidos precisam impulsionar a luta por igualdade de direitos e dar centralidade ao tema no debate eleitoral.

BdFRS - Que mudanças na política e na sociedade surgem quando as mulheres ocupam lugares de poder?

Silvana - Um dado importante revelado pelo Mapa Mulheres na Política 2016, elaborado pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, é a relação entre a participação de mulheres na política e os índices de violência contra meninas e mulheres, por estado.

Nota-se uma tendência, mesmo que não diretamente proporcional, ainda, de diminuição dos índices desse tipo de violência quando há uma maior participação de mulheres nas instâncias de poder. É absolutamente importante atentar para a relação existente entre o aumento da participação política das mulheres e a diminuição dos índices de violência de gênero, especialmente em um país como o Brasil.

Segundo o Atlas da Violência do IPEA 2019, houve um crescimento dos feminicídios no Brasil em 2017, com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007.

Acredito que a agenda política do governo Bolsonaro e das bancadas aliadas contribuem com este lamentável resultado. Liberar porte de armas, fazer intervenção militar nas comunidades vulneráveis, e não se preocupar com a vida das mulheres chefas de família que estão desempregadas, terceirizadas, precarizadas, passando fome com seus filhos (as) e em isolamento social convivendo com seus agressores, demostra que estamos vivendo dias que nos colocam em maior vulnerabilidade e desamparo institucional.

Também busquei alguns exemplos de mulheres chefas de Estado. A Ana Estela de Sousa Pinto escreveu um artigo muito interessante sobre as Líderes que tendem a agir rápido para priorizar pessoas e reduzir maior vulnerabilidade feminina. (Folha de S.Paulo, 26/04/2020)

Vou destacar aqui algumas questões, pois considero extremamente relevante para este momento fazer está análise.

“Faz diferença ter uma mulher à frente do governo durante a pandemia de coronavírus? Não, se o critério for números. Por vários outros motivos, a resposta pode ser sim.

É uma mulher, Sophie Vilmès, a primeira-ministra da Bélgica, que até o domingo (26) registrava 61,2 mortos por 100 mil habitantes - recorde entre populações maiores que 1 milhão de habitantes.

Mas à frente de 2 dos 18 países com nenhuma morte até agora, a Namíbia e o Nepal, estão a primeira-ministra Saara Kuugongelwa e a presidente Bidhya Devi Bhandari, chefe de Estado do governo parlamentarista nepalês.

Também destaco a Coreia do Sul, onde homens ocupam o topo dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas a estratégia de combate ao coronavírus foi liderada pela chefe de centro de controle de doenças, Jeong Eun-kyeong.

Sendo assim, fica explícito que quando estamos nos espaços de poder fazemos muita diferença, e desta forma precisamos seguir a nossa luta, pois “lugar de mulher, é aonde ela quiser.”

BdFRS - Em uma live recente, na Rede Soberania, sobre o coronavírus, tu falastes que “quem mais sofre e está no front de combate somos nós, mulheres”. Gostaríamos de aprofundar mais. Qual a importância das mulheres nesse contexto e de que forma se expressa esse sofrer mais?

Silvana - A crise causada pelo coronavírus aumentará as desigualdades e a violência contra as mulheres em todos os países. Além disso, 70% de todos os profissionais da Saúde no mundo são mulheres, o que as expõe de maneira direta à covid-19.

Embora os homens representem entre 60% e 80% dos mortos pela covid-19, as mulheres são afetadas de maneira mais severa pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2). Elas estão mais expostas ao risco de contaminação e às vulnerabilidades sociais decorrentes da pandemia, como desemprego, violência, falta de acesso aos serviços de saúde e aumento da pobreza.

Essa é a conclusão do relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise da covid-19”, divulgado no final de março pela ONU Mulheres, entidade da Organização das Nações Unidas para igualdade de gênero e empoderamento.

Em resumo, segundo o estudo, a pandemia afeta mais as mulheres porque: 70% dos (as) trabalhadores (as) de Saúde em todo o mundo são mulheres, fato que as expõe a um maior risco de infecção pelo novo coronavírus; com o isolamento, os índices de violência doméstica e feminicídio têm aumentado no mundo – como as mulheres estão confinadas com seus agressores e distantes do ciclo social, os riscos para elas são cada vez mais elevados; entre os idosos (as), há mais mulheres vivendo sozinhas e com baixos rendimentos;

A ONU Mulheres estima que, dentre a população feminina mundial, as trabalhadoras do setor de Saúde, as domésticas e as trabalhadoras do setor informal serão as mais afetadas pelos efeitos da pandemia de coronavírus. Mulheres também são maioria em vários setores de empregos informais, como trabalhadores (as) domésticos (as) e cuidadores (as) de idosos (as);

Com a pandemia, mulheres têm de se dividir entre diversas atividades, como as seguintes: emprego fora de casa, trabalhos domésticos, assistência à infância (cuidado com filhos), educação escolar em casa (já que as escolas estão fechadas) e assistência a idosos da família. Antes da covid-19, mulheres desempenhavam três vezes mais trabalhos não remunerados do que os homens; com o isolamento, a estimativa é que este número triplique.

Mulheres não estão na esfera de poder de decisão na pandemia: elas são apenas 25% dos parlamentares em todo o mundo e menos de 10% dos chefes de Estado ou de Governo.

E, no setor têxtil, um dos mais afetados da indústria em todo o mundo e paralisado por causa do trabalho temporário de lojas, as mulheres são três quartos dos trabalhadores no mundo.

De acordo com o documento da ONU, “a pandemia teve e continuará a ter um grande impacto na saúde e no bem-estar de muitos grupos vulneráveis”. O texto prossegue: “As mulheres estão entre as mais afetadas.”


"Mulheres não estão na esfera de poder de decisão na pandemia" / Arquivo pessoal

BdFRS - Poderias falar mais acerca do Comitê Popular em Defesa do Povo e contra o Coronavírus? E sobre a importância das redes de solidariedade que se formam?

Silvana - Neste momento de crise as ações solidárias são fundamentais, tanto quanto as ações políticas. O Comitê Popular em Defesa do Povo e contra o Coronavírus constituído por mais de 130 organizações e movimentos sociais da sociedade civil gaúcha, tem como objetivo apoiar iniciativas de ajuda emergencial às pessoas e comunidades em situação de vulnerabilidade extrema por conta do isolamento social, e pressionar os governos para garantir a efetividade das políticas públicas de Seguridade Social, bem como, garantir condições de trabalho e segurança aos trabalhadores e trabalhadoras dos serviços essenciais.

Precisamos cada vez mais constituir uma rede de solidariedade com os movimentos sociais, sindicatos, centrais sindicais, com todas as organizações que neste momento queiram lutar na defesa da vida e contra o coronavírus. Um embrião de uma Frente pela Vida aqui em Porto Alegre que vai se espalhando pelo interior do RS.

O Comitê tem duas linhas de ação, as ações concretas de solidariedade e ações de pressão ao prefeito, governador e presidente. Neste momento de crise sanitária e econômica, os poderes públicos são os entes responsáveis pela garantia da vida e da integridade social de todo o povo brasileiro. As medidas tomadas devem garantir as condições básicas de proteção da vida, da dignidade humana, dos direitos humanos, econômicos e sociais de todas as pessoas.

Defendemos 15 medidas que acreditamos sejam essenciais para enfrentarmos este momento, quais sejam:

- manutenção do isolamento social como política pública necessária para a gestão da crise sanitária;

- implementação de medidas de higienização dos espaços públicos e dos veículos de transporte coletivo;

- garantia dos salários e dos empregos públicos e privados durante todo período da pandemia;

- pagamento imediato da renda básica, com urgência, como forma de garantir as condições do isolamento social;

- garantia de equipamentos de EPI aos trabalhadores/as dos serviços essenciais;

- distribuição de cestas básicas como medida emergencial de segurança alimentar, imediata aplicação da Lei 11.947/2020 (PNAE);

- fortalecimento o Sistema Único de Saúde – SUS;

- implementação de mecanismos de controle social e transparência do uso dos recursos públicos;

- fortalecimento dos serviços públicos;

- garantia da saúde e em defesa da vida das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar;

- garantia da saúde e em defesa da população de rua;

- garantia da suspensão do cumprimento de mandados de despejos e reintegrações de posse durante a crise da covid-19;

- direcionamento de contrapartidas urbanísticas para investimentos em infraestrutura de emergência nas periferias das cidades;

- garantia do acesso à água potável, luz e gás sem custos para as comunidades e pessoas vulneráveis;

- ativação dos mecanismos de fundos de cultura municipais e estadual via editais emergenciais para os trabalhadores e trabalhadoras do setor da cultura, tanto de auxílio-salário quanto artísticos.

Neste sentido, nos preocupa profundamente o possível relaxamento do isolamento social defendido pelo presidente Bolsonaro, pelo governador Eduardo Leite, por vereadores da Câmara de Porto Alegre, que irá colocar por terra todos os esforços feitos até hoje e que têm contribuído para a contenção da velocidade do contágio em nossa cidade. Da mesma forma, o prefeito Marchezan demora na implementação das medidas de segurança alimentar e de equipamentos de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras dos serviços essenciais e este grave fato pode causar muitas mortes.

Nosso próximo passo, a partir do dia 4 de maio, quando teremos uma reunião virtual com os vereadores da Câmara Municipal, é constituirmos mesas de diálogos com parlamentares, partidos, figuras públicas e também operadores (as) da justiça, para buscarmos parceiros (as) ao enfrentamento da covid-19 na intenção de que as vidas precisam estar em primeiro lugar.

BdFRS - Como tu analisas o papel do Estado (federal, estadual e municipal) no tocante ao combate do coronavírus?

Silvana - Vivemos um tempo do conflito entre a ciência e o obscurantismo, mas na verdade, o que está em jogo é a vida de todos e todas nós.

Os (as) mais atingidos (as) pela pandemia são os trabalhadores e trabalhadoras, os mais pobres e sobretudo negros e negras. A covid-19 desnudou a realidade da desigualdade social do nosso país.

O povo brasileiro vem enfrentando os reflexos pós-golpe 2016, e a EC95 foi uma das grandes responsáveis, já que congelou o orçamento do governo federal por 20 anos, sentenciando a precarização do SUS e de todas as políticas sociais. Mesmo assim, é o Sistema Único de Saúde quem dá conta da crise sanitária.

Ainda bem que o SUS existe, agradecemos aos lutadores e lutadoras, aos democratas que têm resistido em sua defesa. Porque do contrário disso os corpos estariam se acumulando nas ruas.

Não há como estados e municípios sobreviverem sem que sejam socorridos pela União; não há como as pessoas sobreviverem sem que sejam socorridas pelo poder público. Não há como combater a covid-19 sem as políticas públicas, políticas de Estado.

BdFRS - Como professora como tu analisas a educação no governo Bolsonaro? Ainda paira sobre o setor o Escola Sem Partido?

Silvana - Defendemos um programa de Educação que se comprometa com um Projeto de Nação democrático, soberano, igualitário, equânime e justo, que dialogue com o Plano Nacional de Educação, que é a nossa ferramenta política e pedagógica que teve como princípio a participação de quem faz e pensa a educação brasileira. Um programa que dialogue com os movimentos sociais e amplos setores da sociedade, já que a construção de uma Frente Ampla Popular e Democrática também depende de cada um e cada uma de nós.

Defendemos a educação pública, laica e de qualidade social, que garanta o acesso e a permanência a todas e todos, independente da sua classe social, origem, religiosidade, raça/etnia, deficiências, orientação sexual, identidade de gênero e toda e qualquer diversidade e especificidade.

Defendemos a educação emancipatória, que tenha como princípios o respeito as diversidades, a liberdade de expressão, autonomia e escolha; portanto, uma educação sem mordaça.

Defendemos um currículo que inclua a Lei Maria da Penha em todos os níveis e modalidades de ensino, para que a educação contribua como política pública de prevenção à violência contra as mulheres.

Já Bolsonaro e sua turma representam e defendem o projeto “Escola Sem Partido”, que é uma ação coordenada e orquestrada pela turma que tem ódio de classe. Projeto que quer nos amordaçar, exigindo "neutralidade", censurando e regulando a atuação dos e das docentes dentro da sala de aula.

Os Projetos de Lei apresentados nos diversos estados são pautados pelas ideias da associação da Escola sem Partido. O PL busca legislar defendendo os limites da liberdade de expressão dos (as) professores (as). Além da mordaça, propõe a censura nos livros didáticos e nos planos educacionais. Além de tudo isso ainda afirma que professor (a) não é educador (a). Seria um mero transmissor (a) de conhecimento.

O projeto Escola com Mordaça significa uma "Caça às Bruxas", ameaçando a liberdade de expressão, e isto significa um retrocesso em relação aos direitos constitucionais e democráticos.

Segundo levantamento da organização Professores Contra o Escola Sem Partido, mais de 150 projetos correlatos tramitam nas esferas municipais e estaduais. Pelo menos 14 deles foram aprovados. Dezenas de parlamentares alinhados ao presidente se elegeram sob essa bandeira.

Portanto, acredito sim, que todos os retrocessos históricos que vivemos neste período pós-golpe de 2016, estão em sintonia com os terríveis tempos da ditadura, da censura, e assim o projeto Escola Sem Partido é uma agenda permanente deste presidente genocida e antipovo.


"Bolsonaro e sua turma seguem a cartilha que fortalece o patriarcado, o racismo, a misoginia, os feminicídios, a cultura do estupro e a violência contra as mulheres" / Arquivo pessoal

BdFRS - O Brasil é um dos países mais violentos para a comunidade LGBT. Em uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, de 2017, com dados obtidos através do disque 100, plataforma para denúncia a violações dos direitos humanos, apontavam que as principais denúncias eram de violência psicológica 35,2%, seguida de discriminação 35,1 e física. Apesar disso, a LGBTfobia ainda não é criminalizada no Brasil. Sabemos que nosso Estado é machista, mas por que não conseguimos evoluir? A que mais se deve isso? Que políticas deveriam ser feitas?

Silvana - Durante as últimas décadas, assistimos no Brasil o aumento gradual da visibilidade da questão LGBT que alimentou e foi alimentado pelo processo de legitimação da questão como direito civil e como política social. No que tange à esfera federal, desde os anos 1990 o movimento (hoje chamado) LGBT já participava da criação das políticas antiAIDS e, no governo FHC, obteve algumas conquistas simbólicas.

Mas, foi a partir dos anos 2000 que vieram as principais conquistas, como a criação do primeiro programa de políticas sociais (o Brasil Sem Homofobia), a criação de espaços de participação política (como a conferência e o conselho nacionais LGBT), a modificação de decretos e legislações, entre outras. Um tema que era tratado como tabu até bem recentemente ganhou a política institucional.

Contudo, na medida em que o movimento ganhava mais espaço, a organização conservadora se revigorou, expressando-se com mais força no Congresso Nacional. Aqui, se tornou central a atuação da “bancada evangélica”, a forma de articulação mais importante entre parlamentares, partidos e igrejas conservadoras.

Os direitos LGBTs, devido ao neoconservadorismo religioso, não cabem em nossa sociedade nos dias de hoje, e é fundamental compreender isso para entendermos os avanços e retrocessos das políticas e direitos LGBT.

Hoje, grupos conservadores são a maioria do Congresso Nacional, e retiraram dos Planos Nacionais de Educação os conteúdos de Igualdade de Gênero, jogando todo o seu moralismo e atraso numa vala comum, afirmando que queremos acabar com a família. Escancaram sua lesbofobia, transfobia e homofobia, mentindo e criando uma falsa polêmica sobre uma ideologia de gênero inventada por eles. A retirada do gênero dos Planos Municipais, Estaduais e Nacional de Educação, faz parte da pauta conservadora em curso, que também se relaciona com a tramitação do Estatuto da Família que nega o direito à proteção do Estado às famílias LGBT e todas as outras famílias que fogem do padrão margarina: Papai, Mamãe e filhos (as).

A laicidade do Estado está na Constituição Brasileira, mas a direita saiu do armário e mostra o que quer, quando quer, enfim, exercendo seu poder em nome do Messias, da Damaris e tantos outros representantes da necropolítica.

Os Feminicídios estão acontecendo com requintes de crueldade e violência, e as mulheres LGBT não aparecem nas estatísticas por estarem invisíveis, pois na maioria das vezes todas as mulheres são consideradas heterossexuais.

A banalização da violência contra a população LGBT é um fator crucial que dificulta o seu enfrentamento. Enraizada na cultura e nas práticas sociais, essas violências acabam sendo assimiladas como comuns nas nossas relações. Tal assimilação produz subjetividades marcadas pela subalternidade e hierarquização entre sujeitos/as LGBTs e não-LGBTs. Esse processo cultural nos impõe o desafio de desnaturalizar as opressões e denunciar a forma como elas constrangem a humanidade por meio de novas práticas culturais e educativas - numa perspectiva freireana, libertadora.

As conquistas que obtivemos com muita luta nos processos de conferências e nas conferências nacionais de Educação, LGBT, Direitos Humanos, Igualdade Racial, Saúde e tantas outras, não foram suficientes, mas apresentaram avanços importantes, já pós-golpe 2016, estão sendo enterradas a cada momento, pois não existem direitos sociais e respeito as especificidades e diversidades sem democracia.


"A banalização da violência contra a população LGBT é um fator crucial que dificulta o seu enfrentamento" / Arquivo pessoal

BdFRS - Que impactos podemos destacar nesse um ano de governo Bolsonaro?

Silvana - Bolsonaro e sua turma seguem cumprindo a risca a cartilha conservadora e neocolonial que representa e fortalece o patriarcado, o racismo, a misoginia, os feminicídios, a cultura do estupro e a violência contra as mulheres: trabalhadoras, negras, jovens, idosas, lésbicas, bissexuais, transexuais, prostitutas, ciganas, deficientes, e tantas outras, rasgando a Constituição brasileira e colocando em risco o Estado Democrático de Direito.

Bolsonaro, com suas atitudes criminosas diárias, vai se consolidando como o vilão do caos, o “coringa” debochado, que dissemina ódio, espalha o medo, planta a discórdia, mente, e coloca em risco a vida do povo, contrariando as orientações da OMS e do próprio ministro da Saúde, que acabou dispensando. Tá certo que Mandetta não era defensor do SUS, mas cumpriu no período da pandemia um papel importante para a manutenção do isolamento social, indo contra as orientações do presidente. E agora temos um ministro da Saúde empresário que só faz o que o presidente quer.

Bolsonaro está se embretando, se isolando, e pelo que parece, busca uma forma de instalar o caos para golpear a democracia e dirigir o Brasil num regime anti-democrático.

O racismo estrutural, o avanço do neoliberalismo e tantas outras mazelas históricas, não foram superadas nestes intervalos democráticos que vivemos. Mas sem dúvidas, desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu, ele declarou guerra às mulheres, LGBTs, negros (as), à juventude e aos trabalhadores (as), portanto, declarou guerra ao povo brasileiro.

Vivemos tempos de barbárie, onde o sistema financeiro está representado pelo ministro da Economia e sua turma, que cumpre as ordens do capitão, que por sua vez recebe as ordens de seus superiores banqueiros da elite brasileira.

Portanto, nestes dias que valem por anos, a disputa está colocada: Vidas x Mercado, Solidariedade x Individualismo, Unidade na luta contra o coronavírus, ou uma montanha de brasileiros (as) mortos (as) sem acesso à Saúde, à comida, higienização e proteção necessárias para combater essa pandemia.

Nestes dias de isolamento social precisamos ficar em casa, e investir nas ações de solidariedade que são urgentes, já que a ausência do Estado está na ordem do dia.

A solidariedade sim, e também investirmos na nossa organização nas redes para continuarmos as cobranças aos governos de ações emergenciais que garantam a comida nas mesas, água, luz, transporte público, equipamentos de segurança para todos (as) os (as) trabalhadores (as) dos serviços essenciais e todos (as) os (as) profissionais que estão bravamente na linha de frente prestando seus serviços à população.

BdFRS – Qual a importância das políticas sociais para a defesa da democracia? Em tempos de um governo como de Bolsonaro ainda é possível ter esperança? O que a sociedade civil deve fazer para reverter esse quadro?

Silvana - A defesa do Estado Democrático de Direito e as políticas sociais envolvem questões de equidade, justiça social e redistribuição de renda entre a população.

O Estado do Bem-Estar Social rompe com as concepções de proteção social com base na evidência da necessidade ou no contrato firmado, e propõe uma relação de cidadania plena, na qual o Estado está obrigado a fornecer a garantia de um mínimo vital a todos (as) os (as) cidadãos e cidadãs, em relação à saúde, educação, moradia, seguro desemprego, etc. O Estado do Bem-Estar Social baseia-se em uma relação de direito social inerente à condição de cidadania e, do ponto de vista institucional, implica uma organização nacional da política social, na qual o Estado assume os ônus básicos da administração e financiamento do sistema. Trata-se de um projeto de redefinição das relações sociais em direção à redistribuição da renda e, portanto, à equidade e justiça social para toda a sociedade.

Defendemos a emancipação humana, na perspectiva dos movimentos sociais e da classe trabalhadora, e isto significa resgatar um conjunto de elementos fundamentais como, por exemplo, recuperar o trabalho como categoria-chave da compreensão da história e restabelecer o primado do sujeito na teoria social, bem como resgatar o papel e o projeto da classe trabalhadora como sujeito da história.

O ponto central é que a emancipação humana não é possível sem independência econômica, ou seja, no capitalismo a participação de homens e mulheres no mundo do trabalho é tolhida e condicionada a uma lógica de produção coletiva, com apropriação privada da riqueza socialmente produzida. Emancipar-se, em primeira instância, é romper as bases da dominação econômica, revelar o embuste de formas tradicionais de dominação social.

Segundo Mary Castro: “Nós, feministas emancipacionistas, fazemos uma análise crítica do conceito liberal de igualdade. Apresentamos os limites da igualdade jurídica como instrumento de reversão da subordinação vivida pelas mulheres. Fazemos a distinção entre emancipação política formal que tem como objetivo a igualdade de direitos sem levar em consideração as desigualdades reais, e assim apontamos para o Feminismo Emancipacionista que persegue uma transformação das estruturas econômicas e políticas geradoras das desigualdades. Portanto, não lutamos apenas por direitos, e sim pela emancipação política, econômica e cultural de mulheres e homens, para seguirmos rumo ao socialismo.”

Sendo assim, seguimos resistindo, lutando e construindo com amplitude e unidade um Projeto de Nação que nos devolva: a democracia, a soberania nacional, a esperança, os direitos socias, a liberdade de expressão, a laicidade do Estado, a alegria e que seja “parido” por muitas mentes e corações e amplos setores da sociedade, com muita participação popular.

Neste momento de resistência e luta o principal desafio dos movimentos sociais e populares, movimento sindical é a unidade na luta e elevar a consciência política da classe trabalhadora, para reconquistarmos a democracia que nos foi roubada, retomando a agenda da classe trabalhadora por um projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, direitos sociais e enfrentamento ao machismo, ao racismo e a LGBTfobia.

Devemos organizar a resistência a esse projeto machista, antifeminista, antipopular, antidemocrático e antinacional, para que consigamos barrar a agenda de desmonte do Estado e dos direitos sociais do campo conservador e possamos voltar para o rumo democrático, nacional e popular, avançando com as mulheres e os homens, com a classe trabalhadora, com a juventude, negras e negros, deficientes, LGBTs, Povo de Terreiro, indígenas, de todas as matizes religiosas e partidárias em defesa do Brasil e dos direitos do povo, com unidade através de agendas que aglutinem e tenham por foco o contraponto aos impactos negativos nas nossas vidas e que dialoguem diretamente com a vida das pessoas.

Concluo, parafraseando a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos. Nossa tarefa é: “Resistência, para fazer frente a um governo ultraliberal na economia e conservador nos costumes que instala uma nova ordem. Amplitude, pois devemos reconhecer que somente com um amplo movimento político poderemos fazer frente a esta nova ordem. Sagacidade, para saber explorar as contradições no seio dos adversários. A Radicalidade que podemos dar na oposição a Bolsonaro é no tamanho da amplitude que possamos dar a um movimento de contestação. Uma amplitude política e social, reunindo forças heterogêneas, em uma Frente em Defesa da Vida e de Salvação Nacional.”

Edição: Katia Marko