SAÚDE MENTAL 

Mais da metade dos bancários da Caixa sofre assédio moral, aponta pesquisa

Segundo levantamento da Fenae, trabalhadores relatam tensão, irritabilidade, inquietação e vontade de desistir de tudo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Pesquisa da Fenae indica que mais de metade dos trabalhadores da Caixa Econômica Federal sofreram pelo menos uma vez assédio moral no banco. - Marcelo Camargo | Agência Brasil

Uma pesquisa realizada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) aponta que 53,6% empregados do banco já passaram por, pelo menos, um episódio de assédio moral, quando há exposição do trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas.

Os dados também mostram que quase 20% dos trabalhadores ativos entrevistados revelaram ter depressão ou ansiedade. Entre os aposentados, este índice é de 4%. O número de bancários que buscam acompanhamento regular psicológico ou psiquiátrico é de 19,6%. E 47% dos empregados já tiveram conhecimento de algum episódio de suicídio entre colegas.

O levantamento, feito em todos os estados do país durante o ano passado, faz parte da campanha “Não Sofra Sozinho” da Federação, que tem como objetivo desenvolver medidas de prevenção ao adoecimento mental no trabalho.

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Entre os sentimentos relatados pelos trabalhadores e trabalhadoras à pesquisa estão a tensão, ansiedade, depressão, incapacidade de relaxar, irritabilidade, inquietação, vontade de desistir de tudo e sentimento de que não vale a pena viver, entre outros.

“Você está atrapalhando”

O bancário João Carvalho*, de 42 anos, trabalha a oito anos em uma agência da cidade de São Paulo, é um dos casos retratados pela pesquisa. Ele conta que situações de assédio moral tem aumentado desde 2017 - período que se iniciou a reestruturação do banco - com a pressão por metas e desempenho.

“Tem essas coisas de inventarem gestão de desempenho, colocam metas bem abusivas, cada ano aumentam mais as metas e chega um momento que fica impossível de conseguir entregar. As cobranças ficam cada vez maiores. Muita coisa tentando cobrar de mim. ‘Só você não terminou a tarefa, os outros já terminaram’, ‘você está atrapalhando’, ‘não basta só apertar botão’, insinuando que eu sou burro, essas declarações que eu tenho ouvido”, relata.

Ele sofreu um acidente no ano passado, fraturou o braço e teve que ficar quatro meses afastado pelo INSS. A relação piorou com o retorno ao trabalho, pouco antes do início da quarentena de prevenção ao novo coronavírus, e, agora, com o trabalho remoto, em que, segundo ele, há uma exigência de trabalho incompatível com a carga horária de seis horas diárias.

“Quando eu voltei da licença percebi que ele estava cobrando bem além da carga horária de trabalho, eu percebia que ele queria me desestabilizar. Essa questão de trabalho remoto, piorou muito mais a situação. Hoje em dia não tem ponto, mas eles cobram entrega de trabalho, mas a rede da Caixa não funciona para acessar os arquivos. Fica difícil entregar no prazo que eles querem”, conta Carvalho, que chegou a trabalhar 12 a 14 horas por dia, inclusive aos finais de semana, para dar conta da demanda.

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Após um mês de home office e quatro anos de situações abusivas com o chefe, o trabalhador chegou ao limite e denunciou ao departamento de Recursos Humanos (RH) da agência, mas não teve amparo.

“A pessoa do RH falou que se eu quisesse mudar de área para mudar de 'ares', eu poderia mudar de lugar, mas eu perderia meu cargo, eu seria rebaixado, diminuiria meu salário uns dois mil reais. Eu que sofri o assédio e eu que vou ter o cargo rebaixado”, expressa Carvalho, que também apresentou queixa do assédio moral ao sindicato da categoria e agora sente uma melhora na relação de trabalho.

Falta de política da Caixa

Para Sérgio Takemoto, presidente da Fenae, relato do bancário e o resultado da pesquisa reflete a falta de políticas eficazes por parte da direção da Caixa Econômica Federal para a saúde mental dos trabalhadores. “Isso revela o quanto o modelo de gestão do banco, a sobrecarga de trabalho e a ausência de uma política de saúde do trabalhador estão prejudicando a vida de milhares de pessoas e provocando um verdadeiro quadro de adoecimento crônico na categoria”, avalia.

A preocupação do representante dos trabalhadores é que os dados do levantamento “explodam”, visto que, segundo ele, os funcionários da Caixa estão sob “um grande estresse” durante a pandemia do coronavírus. O pagamento do auxílio emergencial, concentrado principalmente na instituição, tem provocado aglomerações nas agências, trabalho em ambientes com alto de risco de exposição ao coronavírus, relatos de bancários infectados, vítimas fatais, e medo de contaminação.

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“Infelizmente, nós não temos visto por parte do governo, por parte da Caixa, a mesma preocupação em preservar a vida desses trabalhadores. Por isso que nós estamos muito preocupados com a situação, temos procurado várias maneiras de minimizar esses riscos, mas, infelizmente, depende muito da boa vontade do governo e da direção da Caixa, o que não está ocorrendo”, reitera Takemoto. 

Sobre o momento da pandemia, a Fenae cobra do governo e da direção do banco uma campanha de divulgação massiva sobre o benefício e os caminhos para acessá-lo e descentralização do pagamento do auxílio emergencial.

“Não sofra sozinho”

Em relação a saúde mental dos trabalhadores a campanha “Não Sofra Sozinho” da organização permanece em parceria com as Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Apcefs) para promover a prevenção a psicopatologias do trabalho e o acolhimento dos trabalhadores nos casos de assédio moral e sofrimento mental.


Campanha “Não Sofra Sozinho" busca promover atenção a saúde metal dos bancários em todo o país. / Fenae

Para denunciar um abuso psicológico ou violência no ambiente de trabalho, a orientação é que o funcionário procure a Apcef e/ou o Sindicato dos Bancários da região de trabalho.

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A reportagem do Brasil de Fato chegou a procurar a Caixa Econômica Federal sobre a política contra o adoecimento mental dos trabalhadores, mas não obteve retorno.

*Nome fictício, entrevistado preferiu preservar sua identidade.

Edição: Douglas Matos