Autoritarismo

Ofensas, palavrões e ameças: por que bolsonaristas gostaram do vídeo da reunião?

Para cientista político, Bolsonaro “radicaliza o discurso”, normaliza a violência e cria “eleitores à sua imagem"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ministros se reuniram com Jair Bolsonaro no dia 22 de abril, em reunião que foi gravada e teve seu conteúdo divulgado no dia 23 de maio - Foto: Divulgação

Divulgado na última sexta-feira (22), o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril provocou reações antagônicas. Condenado por boa parte da opinião pública, o conteúdo do encontro agradou bolsonaristas. Os mais eufóricos chegam a falar em reeleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) 29 meses antes do pleito eleitoral.

A reunião, repleta de ofensas, palavrões, gritos e ameaças, arrancou elogios de parlamentares que seguem o presidente. “Ao ex-padrinho, Moro. Gostaria de agradecer por ter contribuído para a reeleição do nosso presidente, Jair Bolsonaro. Prezado, o sr. está desculpado”, ironizou a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), lembrando que foi a partir de uma manifestação pública de Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, que o vídeo se tornou público.

Após ver o presidente se exaltar e ofender governadores com termos chulos e destilar toda sorte de grosseria, o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ) declarou, em suas redes sociais, que estava “orgulhoso” de Bolsonaro.

::Leia na íntegra a transcrição da reunião ministerial::

“Queriam a divulgação do vídeo da reunião interministerial e acabaram de reeleger Bolsonaro. As definições de “tiro no pé” foram atualizadas com sucesso. Chupa, usurpadores da Pátria! Que orgulho!!”, argumenta o deputado.

O filósofo Olavo de Carvalho, que influencia boa parte do séquito bolsonarista, comemorou a reunião e o tom. “Bolsonaro é o presidente dos nossos sonhos. É o presidente que todos os brasileiros quiseram e querem. É o presidente que não suporta ver uma elite armada oprimindo um povo desarmado”, explicou o escritor, que vive nos EUA desde 2005.

O Brasil de Fato conversou com o cientista político Vinicius do Valle, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP), que integra uma equipe que está pesquisando o bolsonarismo para a Fundação Friedrich Ebert Stiftung, para entender os motivos que deixaram os seguidores de Bolsonaro entusiasmados com o discurso violento, ameaçador e pouco democrático do presidente e de seus ministros.

“O Bolsonaro tem hoje de 25% a 30% do eleitorado. Boa parte deles, é composta por pessoas mais radicalizadas, que quando vêem o Bolsonaro agir de forma mais grosseira, gostam. Eles gostam porque gostam da ideia de um líder forte e porque gostam da grosseria dele”, afirma Valle.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Quais os valores do bolsonarismo que está presentes na reunião?
Vinicius do Valle: Os pontos principais do bolsonarismo que estão nessa reunião, de forma bastante explicita, são o enfrentamento às instituições democráticas, que o Bolsonaro vai chamar de o conjunto delas de “sistema” e vai combatê-las por dentro.

Além da destruição do aparato institucional da República, vem junto com o ultraliberalismo econômico, presente na fala do Paulo Guedes [ministro da Economia]; e o discurso antiambiental, que aparece na fala do Ricardo Salles [ministro do Meio Ambiente]; com doses de fundamentalismo religioso, que aparecem na fala da Damares Alves [ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos], que é uma visão moral bastante segmentada, a partir de uma leitura literal de certos trechos do evangelho, que pregam uma moral rigorosa dentro de uma família tradicional e heteronormativa. Então, resumindo, temos um ultraliberalismo autoritário, antiambiental e religioso.

Por quê o eleitorado bolsonarista se entusiasmou com o conteúdo da reunião?
O Bolsonaro tem hoje de 25% a 30% do eleitorado. Boa parte deles, é composta por pessoas mais radicalizadas, que quando vêem o Bolsonaro agir de forma mais grosseira, gostam. Eles gostam porque gosta da ideia de um líder forte e porque gosta da grosseria dele.

Quando falamos das camadas bolsonaristas, tem um grupo que está com ele apesar das declarações, porque considera que os governos anteriores, os petistas, foram nefastos e corruptos. Esse grupo vê alguns exageros, mas também uma autenticidade. A parcela mais radicalizada vê o conteúdo da reunião e apoia totalmente.

O que eles enxergam de valoroso na reunião?
O vídeo dialoga com a demanda por mais radicalidade e ele escancara o Bolsonaro fazendo isso, enfrentando as instituições. A partir do momento que isso é revelado, ainda sendo de uma reunião interna, dá tanto a pecha de autenticidade, mostrando que ele é o que mostra ser, quando sacia essa demanda de radicalidade. Por conta disso, o eleitorado dele ficou muito feliz.

Vale dizer que o Bolsonaro, apesar de estar ali cometendo crimes, ele está fazendo um discurso baseado na ideia de que ele é o líder de um povo, de um povo que quer esse enfrentamento ao sistema. Então, em certo sentido, é um discurso popular, que não atende todo o povo, mas para a base dele funciona.

::Vídeo de reunião é prova suficiente para que Bolsonaro seja denunciado, diz jurista::

O vídeo da reunião pode ter servido para uma reconciliação de Bolsonaro com seu eleitorado, já que ele vinha de pesquisas seguidas que apontavam uma perda de popularidade do presidente?
Não acho que o vídeo seja uma reconciliação com o eleitorado. O vídeo vai na direção desses últimos meses, quando o Bolsonaro tem se voltado para a ala mais radical de seu eleitorado. Então, ele radicaliza o discurso, agrada esses eleitores radicais e vai normalizando esse tipo de discurso nos espaços públicos e radicalizando seus seguidores. Até que esses eleitores ficarão à imagem e semelhança do próprio Bolsonaro

A guerra de movimento bolsonarista envolve criar fatos novos cotidianamente, até que a política esteja sempre sendo jogada no presente, você não tem tempo de fazer reflexão sobre a experiência do passado e nem planejar o futuro. É sempre o Bolsonaro liderando essa política do urgente, com seus eleitores, contra o sistema, contra o esquerdismo e o comunismo, e ele faz isso muito bem.

Nem tudo isso é pensado, mas ele consegue pegar os fatos e colocar dentro dessa gramática e dessa narrativa, dele lutando contra o sistema, mas ele não pode dar o conteúdo, porque ele não pode falar de classe. Então, fica um discurso sem programa, um discurso falseado, que o inimigo é o globalismo, a esquerda e afins.

Edição: Rodrigo Chagas