RIO GRANDE DO SUL

Denúncia no MP aponta irregularidades na revisão do Plano Diretor de Porto Alegre

Entidades afirmam que prefeitura estaria revisando o documento na quarentena e intervindo no Conselho do Plano Diretor

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Para as entidades o processo que está se estabelecendo não viabiliza o conhecimento mínimo por parte da sociedade civil - Ivo Gonçalves/PMPA

A articulação de entidades e movimentos sociais Atua Poa Todxs Nós entregou ao Ministério Público Estadual (MPE), nessa quarta-feira (3), uma nota em que denuncia irregularidades cometidas pela Prefeitura de Porto Alegre na condução da revisão do Plano Diretor da cidade.

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De acordo com o documento, a prefeitura segue com o processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) durante a pandemia de covid-19, contrariando a recomendação do próprio Ministério Público para suspensão temporária da revisão. A prefeitura afirma que as atividades referente ao Plano estão suspensas. 

No ano passado, o movimento já havia protocolado um manifesto buscando assegurar o debate amplo, democrático e transparente da revisão do Plano Diretor de Porto Alegre.

A recomendação do MP, assinada em 23 de março, solicita ao prefeito Nelson Marchezan Junior (PSDB) a suspensão do processo de revisão do PDDUA enquanto persistir o estado de emergência e calamidade declarados em razão da pandemia da covid-19. A denuncia do movimento aponta que essa recomendação não vem sendo atendida.

“Apesar da orientação, o poder Executivo municipal insiste em dar andamento no processo, adotando o procedimento previsto na mencionada minuta de Instrução, sobre a qual não houve qualquer tipo de apreciação, discussão ou debate dentro do próprio Conselho à qual submetida, em observância àquilo que fora pactuado na audiência presidida pelo MPE”, afirma o documento.

Sem participação popular na quarentena

Para as entidades, o processo que está se estabelecendo não viabiliza o conhecimento mínimo por parte da sociedade civil das informações necessárias à tarefa que se propõe. Conforme apontam, estudos que eventualmente tenham sido realizados (as tais atividades de caráter preparatório) não tiveram seus resultados divulgados. “O prosseguimento do processo na forma como está se dando, descumpre princípios e normas da Constituição Federal de 1988, desobedecendo princípios e requisitos legítimos do processo”, resume a ação. 

Na avaliação da diretora-geral do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Betânia Alfonsin, independentemente do teor das mudanças no Plano Diretor, o que de fato importa é a instauração de um amplo processo, participativo, democrático de revisão do Plano Diretor, onde as comunidades possam participar, apropriar-se, opinar e em que o debate seja realizada de forma descentralizada. 

Para a diretora, durante a pandemia e por conta das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e demais autoridades médicas, sobre a importância do isolamento social, fazer a discussão do Plano, como deveria ser feito, se torna inviável.

“Nessas condições é impossível conduzir um processo de participação popular que inclua a população de baixa renda. Se se instaura um processo de revisão à distância, pela via de teleconferência, audiências públicas. Isso vai, necessariamente, excluir a população de menor renda de Porto Alegre e por isso o Atua Poa é favorável à suspensão dos trabalhos enquanto durar a pandemia, para que a gente possa voltar a realizar a revisão conjuntamente de forma presencial após o término do isolamento social”, afirma. 

O vereador Marcelo Sgarbosa (PT), que vem acompanhado a denúncia, ressalta que a revisão do Plano Diretor é um tema fundamental para o direito à cidade. De acordo com o parlamentar, a gestão Marchezan tem atacado o controle social da cidade numa postura antidemocrática. Segundo ele, isso tem ocorrido não só no Conselho do Plano Diretor, mas também na saúde, educação e demais áreas. 

“O próprio prefeito já disse que a gestão da cidade não cabe à dona Maria ou ao seu João, e sim a uma elite que deveria tomar as decisões. O processo do Plano Diretor tem sido assim desde o início, sem democracia e sem transparência. Tal como o ministro Salles, do Meio Ambiente, Marchezan age através de meios infralegais, através de normativas unilaterais, sem debate, tais como decretos e instruções normativas. Agora aproveita a pandemia para passar a boiada e enquadrar a cidade no seu próprio modelo de cidade, privilegiando o poder econômico em detrimento da população que mais precisa”, expõe, ressaltando ser contrário a qualquer alteração no Conselho do Plano Diretor que restrinja a participação popular e o controle social.

Desmonte do controle social e intervenção do CMDUA

Além da denúncia referente ao PDDUA, as entidades também chamam atenção para o conjunto de medidas tomadas unilateralmente pela prefeitura por meio de decreto, mudando o funcionamento do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA). De acordo com o documento, tal ação foi realizada sem consultar os integrantes do colegiado, instância legítima de deliberação para a revisão do PDDUA.

“O que está em curso é um conjunto de ataques frontais à ideia do CMDUA enquanto um espaço democrático e popular de participação da sociedade e de controle social no processo de planejamento urbano e de desenvolvimento urbano”, destacam os integrantes do Atua Poa, que elencam uma sequência de atos sem sequer uma comunicação ao colegiado.  

Para o movimento as transformações são todas no sentido de diminuir as possibilidades de interferência crítica e de impor um caráter tecnocrata e autoritário no CMDUA. “Da mesma forma se tratam de ataques aos próprios conselheiros, eleitos democraticamente pela cidadania para lhe representarem nesse espaço de debate público”, destacam.

Posicionamento da prefeitura 

Consultada pelo Brasil de Fato Rio Grande do Sul, a prefeitura enviou a seguinte nota:

“Estão suspensas todas as atividades do processo de Revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) de Porto Alegre, à exceção das atividades de atribuição exclusiva do Executivo Municipal, a cargo da Diretoria-Geral de Planejamento Urbano Sustentável da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade, conforme determina a Instrução Normativa SMAMS nº 013/2020.

As referidas atividades, que incluem as de participação democrática e popular, estão suspensas desde 19/03/2020, conforme determinava a Instrução Normativa SMAMS nº 006/2020, ou seja, antes mesmo da recomendação do Ministério Público, que data de 23/03/2020.

Atividades exclusivas do Município são aquelas preparatórias e internas, como a realização de estudos, levantamento de dados, elaboração de termos de referência para contratação de consultorias no âmbito da Cooperação Técnica Internacional com o PNUD/ONU, entre outras. Essas atividades, como recomenda o próprio Ministério Público, continuam sendo realizadas, até que as atividades de participação democrática e controle social sejam reestabelecidas, quando cessarem as restrições de distanciamento social.

Quanto à organização do CMDUA, o próprio Plano Diretor de Porto Alegre (Lei Complementar nº 434/99) assim dispõe em seu art. 40, §4º:

§4º O funcionamento do CMDUA será disciplinado por decreto do Poder Executivo.

Ademais, todos os atos normativos do Senhor Prefeito Municipal passam por extensa análise da Procuradoria-Geral do Município, que se manifesta sobre sua legalidade."

Leia na íntegra a nota do Atua Poa Todxs Nós encaminhada ao Ministério Público Estadual.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira e Vivian Fernandes