Protesto

"Depois que eu vi o vídeo que caí na realidade", diz avó de Miguel em ato em Recife

Na capital pernambucana, centenas de pessoas vão às ruas exigindo "Justiça por Miguel" e contra o racismo

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Em ato simbólico, manifestantes deitaram no chão - Levante Popular da Juventude

Nesta sexta-feira (5), foi realizado um ato simbólico pedindo justiça pela morte da criança Miguel Otávio, de cinco anos. A concentração teve início em frente ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), no bairro de Santo Antônio, da onde centenas de pessoas seguiram caminhando em direção às Torres Gêmeas, no Cais do Alfândega. Com flores e balões pretos os manifestantes protestaram contra a morte de Miguel e o genocídio da população negra no Brasil. Buscando seguir as recomendações de isolamento social, houve preocupação em tentar manter certo distanciamento e uso de máscara de proteção.

Miguel morreu em uma queda do 9º andar do Condomínio Pier Maurício de Nassau, no Cais da Alfândega, conhecidas no Recife como “Torres Gêmeas”, sua mãe, a empregada doméstica Mirtes Renata Souza trabalhava. A criança estaria sob os cuidados da empregadora, Sari Corte Real, primeira-dama do município de Tamandaré, teria deixado a criança sozinha no elevador para encontrar com a mãe, mas saiu no 9º andar e caiu de uma altura de 40 metros.

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O protesto foi motivado pelo fato da primeira-dama ter sido liberada para aguardar o julgamento em liberdade após o pagamento de uma fiança de R$ 20 mil, mesmo existindo imagens que mostram que ela deixou a criança sozinha no elevador. Sari havia sido presa em flagrante sob a acusação de homicídio culposo.

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A avó de Miguel, Marta Santana, mãe de Mirtes, que também é empregada doméstica da mesma família, esteve presente na manifestação e afirmou que, só após ver os vídeos das câmeras de segurança, entendeu como os fatos tinham acontecido. "No dia do enterro do meu neto, eu não sabia. Depois que vi o vídeo foi que 'caí na realidade'. Então, é justiça por Miguel!", declarou emocionada. 

Francicleide de Souza, uma das tias de Miguel presentes no protesto, afirmou que o protesto era um apelo por ajuda e justiça e pediu que a população se colocasse no lugar da mãe de Miguel, Mirtes. "Ela [Mirtes] disse 'Sari, por que você fez isso com o meu filho? Eu olhei seu filho tantos anos e o meu eu deixei um pouquinho enquanto desci e vejo meu filho chão praticamente morto'", afirma Francicleide.

Solidariedade à família

O caso teve repercussão nacional, assim diversas organizações e movimentos se manifestaram através de notas de solidariedade à família da criança e ressaltando que o trabalho das empregadas domésticas não está entre as atividades consideradas essenciais determinadas no estado de Pernambuco, regulamentado pelo Decreto nº 48.834, de 20 de março de 2020. 

“Miguel não era morador do prédio. Miguel era uma criança negra que estava acompanhando a sua mãe Mirtes – mulher negra e empregada doméstica, que em meio a pandemia não tem direito de estar em quarentena com a sua família. O racismo no Brasil é estrutural, fruto do colonialismo que nos coloca em uma dinâmica de superioridade racial na qual vidas negras valem menos”, afirmou em nota o Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos de Pernambuco (MTD-PE).

Vale lembrar que nesta semana a Lei Complementar 150, conhecida como PEC das domésticas, completa cinco anos da sua sanção e, ainda assim, às trabalhadoras domésticas não é respeitado o direito ao isolamento social por uma questão de saúde pública em um momento de pandemia, o que já havia sido denunciado pela Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE).

"A gente denunciou há mais de um mês atrás, lá em abril ainda, que tinha patroa ameaçando a trabalhadora doméstica, inclusive colocamos o Governo do Estado, pedimos que articulasse com o Ministério Público. Aí elas podiam receber o dinheiro do Governo Federal, mas iam ter que trabalhar, senão ia ser demitida, ou seja, querendo colocar empregada doméstica como trabalho essencial e essa é uma das questões principais da morte de Miguel: aquela companheira não era para ter ido trabalhar, era para estar em casa!", disse o presidente da CUT-PE, Paulo Rocha, em entrevista. 

Já o Levante Popular da Juventude observa a atitude dos patrões em não permitir que a trabalhadora gozasse do isolamento como manutenção dos privilégios, declarou que “no Brasil a tradição escravocrata impõe a manutenção dos privilégios de alguns em detrimento dos direitos da maioria, para que as empregadas possam exercer o direito ao isolamento, os patrões teriam que arcar com o seu próprio trabalho doméstico. As trabalhadoras domésticas no Brasil são, hoje, 6,4 milhões. A verdade é que precisamos lutar por democracia, nossos direitos e a nossa liberdade!”. 

O Núcleo Soledad Barrett da Marcha Mundial das Mulheres associou a morte da criança à desvalorização da vida, o que comunicou em nota. “Essa pandemia é de quê? Dizem que é de covid-19, mas pra nós tem sido muito mais que isso: tem sido também o recrudescimento do sistema capitalista, patriarcal e racista, avanço do fascismo e desvalorização da vida. Da vida de quem já não tem tanto valor para o Estado, para a elite branca racista. Desvalorização da vida de quem move as engrenagens desse país mesmo que tentem negar isso há quinhentos anos.”.

O Sindicato dos Bancários de Pernambuco também se manifestou sobre o caso em seu site, onde declarou “A morte de Miguel é reflexo da desvalorização da vida da população negra, numa sociedade capitalista, racista e discriminatória. Exigimos justiça por Miguel e por todo povo negro!

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Monyse Ravena