Coluna

Favelas brasileiras como zonas de sacrifício no combate ao novo coronavírus

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Favela da Rocinha
O vírus não é democrático porque contamina ricos e pobres: a covid-19 circula mais fácil em comunidades, onde as habitações são compartilhadas por duas ou mais pessoas por cômodo - Mauro Pimentel/AFP
Defender que territórios marginalizados tenham direitos assegurados é lutar pelo direito à cidade

Por Gilson Santiago Macedo Júnior* e Claudio Oliveira de Carvalho** 

A pandemia do novo coronavírus (covid-19) provocou uma profusão de debates acerca da relação ser humano-ambiente, modos de produção de riquezas, desigualdades na distribuição e, também, sobre o papel dos Estados em meio à emergência sanitária, que possui reflexos diretos na economia e na empregabilidade, dentre outros aspectos. Porém, ainda que a pandemia seja global, não atinge a todos da mesma forma.

Inicialmente, a covid-19 atingiu países mais desenvolvidos, com maiores recursos para testagens em massa e cuidados médico-hospitalares.

Ao chegar aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o vírus – de fácil propagação aérea – provocou abalos graves nas estruturas de saúde, como é o caso do Brasil.

Sem testes suficientes, sem muitas possibilidades na corrida internacional por insumos, o Brasil se vê, atualmente, em um blackout estatístico, testando em baixa quantidade, com um número crescente de mortos e sem muito estímulo ao distanciamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

No Rio de Janeiro - as 174 mortes por covid-19 de moradores de favelas da cidade, segundo dados reunidos pelo portal voz das comunidades até 20 de maio, ultrapassavam o número de óbitos por covid de 15 estados brasileiros registrados até aquela mesma data.

A Rocinha, com 46, e o complexo da maré, com 23, têm as piores situações. Se for levada em consideração a proporção de mortes para cada 100 mil habitantes, as favelas do Rio teriam 46,6. O estado com maior proporção de mortes por 100 mil habitantes é o Amazonas, com 36. No Rio de Janeiro, 1.393.314 pessoas vivem em assentamentos subnormais em cerca de 700 comunidades.

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Em síntese: o vírus não é democrático porque contamina ricos e pobres: a covid-19 circula mais fácil em comunidades, onde as habitações são compartilhadas por duas ou mais pessoas por cômodo, por exemplo; contamina bem mais em periferias que não possuem saneamento básico nem oferta de água tratada regularmente; mata mais nas favelas que não contam com assistência médica hospitalar adequada, que não possui atenção básica de saúde com oferta de vacinação periódica; a covid-19 mata mais nas periferias.

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A saída, parece-nos, é apostar nas vidas humanas e não as arriscar. Em termos práticos, como etapas para a superação da crise de covid-19 nas favelas, é necessária a adoção de um plano amplo de garantia de acesso à água, ao saneamento básico e aos serviços básicos de limpeza pública (desinfecção de vias públicas); os governos municipais e estaduais deverão garantir à população de baixa renda de cestas básicas, kits de higiene pessoal e doméstica, além do acesso universal à saúde básica e a instalação de hospitais de campanha, fortalecendo e ampliando ações no âmbito da rede pública de saúde.

Despejos e remoções devem ser cessados imediatamente (judicial e administrativamente), uma vez que há exigência de isolamento social e as residências são imprescindíveis nesse contexto, afinal, não há como fazer quarentena quando não se tem casa; nesse mesmo sentido, a população em situação de rua deve contar com um plano de habitação provisória com todos os materiais suficientes para higiene, sendo obrigação do Poder Público a sua promoção, em respeito à dignidade humana, podendo o Poder Público requisitar imóveis vazios para cumprir essa finalidade enquanto durar a emergência.

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Em suma, são necessárias medidas enérgicas, rápidas e de ampla incidência para que essa tragédia não seja ainda maior. Vidas não são passíveis de recuperação, como é a economia. Reafirmar e defender que territórios marginalizados, como as favelas, tenham voz e direitos assegurados, reivindicando maior incidência de atuação pública é lutar pelo direito à cidade.

Reafirmar e defender que territórios marginalizados tenham voz e direitos assegurados é lutar pelo direito à cidade.

*Gilson Santiago Macedo Júnior é advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Pós-graduando em Direito Ambiental e Urbanístico pela UniAmérica. Conselheiro da Regional Nordeste do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico. E-mail: [email protected].

**Cláudio Oliveira de Carvalho faz estágio de pós-doutorado em Sociologia Urbana pela Universidade Federal da Bahia. Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos. Professor Adjunto de Direito Ambiental, Urbanístico e Agrário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected].

Edição: Leandro Melito