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Estamos em uma “encruzilhada civilizatória”, afirma especialista ambiental  

A pandemia que vivemos hoje é um resultado disso, dessa ação predatória"

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Interação humana com a natureza precisa modificar urgentemente - Foto: Bruno Cecim/Ag.Pará
A pandemia que vivemos hoje é um resultado disso, dessa ação predatória"

O olhar contextualizado é ainda mais preocupante quando pensamos as crises no Brasil. Por exemplo, o país que ocupa o segundo lugar no número de óbitos pela covid-19 no mundo é o mesmo que derrubou 829 hm² da Floresta Amazônica só no mesmo de maio de 2020. Além disso, as análises de especialistas não estão separando a crise na saúde com o acelerado aumento da destruição ambiental no nosso planeta nos últimos tempos. 

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De acordo com o Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), o mês de maio deste ano registrou um aumento de 12% de desmatamentos em relação ao mesmo período em 2019. O fato parece sintonizar a declaração de “passar a boiada”, feita pelo áudio vazado do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, durante reunião ministerial do último dia 22 de abril. 

Para a antropóloga e ativista ambiental Iara Pietricovski o contexto político ambiental no Brasil é uma quebra de cerca de cinco décadas de lutas populares. Iara é também é também codiretora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e acompanha o debate sobre o meio ambiente no Brasil desde a participação em Fóruns paralelos à Eco-92. Ela lamenta que parâmetros, legislações, marcos regulatórios para o meio ambiente esteja sendo atropelados.  

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“Estamos perdendo políticas públicas, orçamentos, estruturas de fiscalização ambiental, estamos vendo projetos sendo fechados. E, ao mesmo tempo, do outro lado, uma abertura tremenda, para justamente aqueles eixos que são os que vêm com uma égide da destruição ambiental”, analisa. 

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Exploração ilegal da madeira e exageros na pecuária e no extrativismo vegetal, animal e mineral são algumas das preocupações que se avolumam no nosso país. Iara disse que realmente se abriu a porteira para uma mentalidade predatório de um agronegócio que cada vez mais ameaça os biomas brasileiros. 


Iara Pietricovski é também integrante da ABONG (Associações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns). / Foto: Arquivo pessoal

A pandemia que vivemos hoje é um resultado disso, dessa ação predatória, da perspectiva do lucro a qualquer custo, do desrespeito ao equilíbrio necessário entre ser humano e natureza, para poder nos dar um futuro justo, digno e sustentável

Para a antropóloga, estamos em um “divisor de águas” civilizatório. A pandemia do novo coronavírus expõe uma busca urgente por uma coesão na relação humana com o meio ambiente. Ou seja, a lógica capitalista de exploração, violências e desigualdades no planeta deixaram nossas feridas civilizatórias ainda mais abertas entre uma correlação de causas e consequências.

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“Ela vem produzindo danos na natureza, nos aproximando de animais silvestres, utilizando animais silvestres como mercadoria. Está promovendo, portanto, cada vez mais, a expansão potencial de transmissão de vírus desses animais silvestres aos humanos. A pandemia que vivemos hoje é um resultado disso, dessa ação predatória, da perspectiva do lucro a qualquer custo, do desrespeito ao equilíbrio necessário entre ser humano e natureza, para poder nos dar um futuro justo, digno e sustentável”, ressalta. 

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É preciso refundar a nossa sociedade, na opinião de Iara Pietricovski. Para isso, precisamos fazer contra-narrativas a esse modelo de vida destrutivo. Ao mesmo tempo, o Brasil e mundo precisam manter o que está dando certo ou ameaçado. A exemplo, Iara cita o paradigma agroecológico, as movimentações populares nas favelas e as histórias lutas dos movimentos sociais.   

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“Para defender um país, um projeto de nação de felicidade, de alegria, de positividade, que preserve a dignidade humana e uma riqueza ambiental que é nossa, que está aqui nas nossas fronteiras”, sugere.

Ao mesmo tempo dos nossos desafios pela vida, seja humana ou não, Iara lembra que, por outro lado, a natureza impressionou muitas pessoas com um intenso grau de regeneração por conta do relativo isolamento social no planeta.

 

Edição: Lucas Weber