Rio Grande do Sul

POVOS ORIGINÁRIOS

Indígenas Kaingang na luta pela permanência em território ancestral

Território habitado há anos por povos indígenas é foco de disputa de interesses privados

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Na foto, retomada em 2015. Indígenas esperam que o governo brasileiro agilize os procedimentos de demarcação. - CIMI Sul

“Queremos nossos direitos aos territórios garantidos e respeitados. Querem uma história? Nós os povos indígenas somos a verdadeira história. Querem prova? Nós estamos aqui e queremos ser ouvidos”, afirma o cacique do povo Kaingang na retomada em Canela, Rio Grande do Sul, Maurício Salvador. Há mais de 10 anos vem reivindicando seu direito de permanência na Floresta Nacional de Canela (FLONA Canela), espaço de disputa do capital especulativo. Nos últimos dois anos, em função da concessão de serviços turísticos à iniciativa privada, estão sendo pressionadas as áreas das Florestas para regularização e, após, para concessão. Entretanto, os indígenas não fazem parte deste novo cenário. 

Segundo explica a advogada, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Caxias do Sul, Geovana Bacim, a Floresta Nacional (FLONA) é uma área com uma cobertura florestal de espécies nativas com proteção especial do Estado. Seu objetivo básico é o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.

“A Floresta Nacional é de posse e domínio públicos. Como uma área protegida de uso sustentável, admite que as populações tradicionais que já a habitavam permaneçam, desde que incluídas no regulamento e no Plano de Manejo da unidade. No âmbito federal, a responsabilidade sobre as florestas nacionais é do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. As Florestas Nacionais dispõem de um conselho consultivo, constituído de representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e, se presentes, das populações tradicionais ali residentes”, contextualiza Geovana. 

Conforme a advogada, as terras da FLONA Canela vêm sendo reivindicadas pelos Indígenas Kaingang há mais de 10 anos e aguardam o cumprimento de acordos, em especial, promessas de relatório da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), responsável por um estudo prévio acerca da reivindicação da possibilidade de permanência justa, dentro do que já prevê o Plano de Manejo de 2017, disponível no site do ICMBio. 

No dia 27 de maio de 2020 o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) noticiou em seu portal eletrônico o processo de consulta pública para a concessão das Florestas Nacionais de Canela e São Francisco de Paula. Segundo a instituição a população tem até o dia 11 de julho para encaminhar manifestações sobre o processo através de um formulário eletrônico.

Ainda no dia 27, foi realizada reunião virtual que contou com a participação dos ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio. Também estiveram presentes o presidente do ICMBio, coronel Homero Cerqueira, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, a secretária especial do Programa de Parcerias de Investimentos, Martha Seillier, o secretário de ecoturismo do MMA, André Germanos, além de parlamentares da bancada do Rio Grande do Sul, coordenados pelo deputado Giovani Cherini. Os povos originários que habitam aquela região não foram convidados para participar do debate. 

Entidades ligadas à defesa da causa indígena, e demais movimentos sociais e institucionais encaminharam uma nota técnica ao Ministério Público Federal, que solicita a suspensão dos processos de concessão das Unidades de Conservação de Canela e São Francisco de Paula, até que os povos originários sejam devidamente consultados e que tal processo só retorne após o término das recomendações de isolamento social desencadeada pela pandemia de coronavírus no país.

Conforme afirma o documento, há que se ter em mente que a reivindicação dos povos originários na região se dá há mais de 10 anos, sem qualquer retorno dos órgãos responsáveis. “Não há interesse em pautar as reivindicações indígenas, como fica claro pela atuação pouco ativa nos processos. Também existe uma movimentação crescente da regularização fundiária nos últimos dois anos, em função da concessão de serviços turísticos à iniciativa privada, pois apenas as áreas regularizadas poderão ser concessionadas. Esta informação tem criado pânico entre os povos originários, uma vez que sem qualquer segurança de que poderão se manter na área”, destaca, denunciando a negligência da FUNAI em não cumprir seu papel constitucional de garantir o respeito dos direitos dos povos originários.

Para a Marcha Mundial das Mulheres, uma das signatárias da nota, a permanência da comunidade indígena na FLONA Canela tem a ver com o uso do território considerado sagrado, sendo questões antropológicas e de direitos humanos. “Os povos indígenas afetados pelas alterações da legislação não participam da construção da lei, motivo pelo qual estão sempre a parte do que dizem que devem fazer. O racismo estrutural nos processos judiciais se mostra. Continuamos tentando levar os indígenas para locais que nós julgamos adequados e não aquele que eles entendem justo. As violações aos povos originários são latentes há mais de 500 anos. No acompanhamento deste caso se vê claramente não só o descaso para com a comunidade indígena, como o rompimento de um Estado que deveria proteger, para um Estado que mata”. 

Assinam a nota: 

- Semear: Grupo de Assessoria Jurídica aos Povos Indígenas e Quilombolas
- Roberto Antonio Liebgott, Coordenador do Conselho Indigenista Missionário - Cimi Sul
- Conselho de Missão entre Povos Indígenas - Comin
- Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e Administração Pública da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Gedap/UFRGS 
- Grupo de Pesquisa Educação, Diversidade Étnico Racial e Direitos Humanos da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - Gederdh/UERGS 
- Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais (NIT)
- Marcha Mundial das Mulheres Caxias do Sul  
- Marcha Mundial das Mulheres Rio Grande do Sul 
- Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Caxias 
- Núcleo de Ações Afirmativas (NAAf) – IFRS Campus Alvorada  
- Núcleo de Ações Afirmativas (NAAf) – IFRS Campus Vacaria 
- Núcleo de Ações Afirmativas (NAAf) – IFRS Campus Veranópolis 
- Núcleo de Ações Afirmativas (NAAf) – IFRS Campus Viamão 
- Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (NEABI) – IFRS Campus Canoas  
- Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (NEABI) – IFRS Campus Farroupilha 
- Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (NEABI) – IFRS Campus Rio Grande 
- Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (NEABI) – IFRS Campus Rolante 
- Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (NEABI) – IFRS Campus Porto Alegre 
- Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e indígenas (NEABI) – IFRS Campus Sertão 
- Associação dos Geógrafos Profissionais do Rio Grande do Sul AGP/RS
- Grupo de Conflitos e Territorialidades da UFRGS (Geoconte) 
- Conselho de Missão entre Povos Indígenas / FLD-Comin  
- Laboratório de Arqueologia e Etnologia LAE/UFRGS - Professor José Otávio 
- Centro de Referência Afroindígena do RS - Ocupação Baronesa  
- Observatório Indigenista 

Veja aqui a nota completa. 
 

Edição: Katia Marko