Ceará

Desgoverno

Cristãos se manifestam contra ação das TVs católicas em prol do governo Bolsonaro

Assinam a carta: pastorais, organismos, CEB’s e outros movimentos da Igreja

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Com a atitude das TVs católicas, Diana Maia, da Articulação das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Fortaleza, diz que a partir de agora ficarão atentos e acompanhando de perto as ações das TVs. - Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil / Fotos Públicas

De acordo com Diana Maia, da Articulação das Pastorais Sociais da Arquidiocese de Fortaleza, cristãos católicos construíram uma carta aberta em resposta à reportagem veiculada no dia 06 de junho pelo jornal O Estado de São Paulo, com o título “Por mais verbas, TVs católicas oferecem a Bolsonaro apoio ao governo!”. Ela explica que as Pastorais Sociais e Comunidades Eclesiais de Base (CEB's) historicamente denunciaram as injustiças e todas as formas de opressão que atingem o povo brasileiro e que, com isso, ficaram indignados com a matéria veiculada e com o vídeo da reunião entre as emissoras de inspiração católica e o Presidente da República tentando barganhar horários de suas programações para fazer propagandas positivas do atual governo em troca de verbas publicitarias. “Para nós é trair o próprio evangelho, uma vez que o atual presidente demonstra ser insensível com a dor de milhares de famílias que estão perdendo seus entes por conta da pandemia da covid-19, desempregados, indígenas que são assassinados, pessoas em situação de rua, etc... Não podíamos ficar calados diante de um ato que, atenta contra a própria fé católica, por isso, decidimos de início expressar nossa indignação e posicionamento nessa carta”.

Um dos trechos da carta informa que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fez nota de esclarecimento afirmando não saber da realização da reunião e que apela para que as emissoras “assumam claramente as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil”. Diana informa que essas diretrizes gerais da ação evangelizadora, são orientações dos objetivos a serem buscados pela igreja no Brasil e definem ações que compreenda o desempenho pastoral. Com a atitude das TVs católicas, Diana diz que a partir de agora ficarão atentos e acompanhando de perto as ações das emissoras. 

Questionada sobre o bordão “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, usado por Bolsonaro durante a sua campanha para presidência, Diana afirma que “Esse bordão, criado no período da ditadura militar no Brasil, é embutido de ideias e tendências conservadoras. Detém proximidade com movimentos de ultradireita. De um amor à pátria, mas não às pessoas, da manutenção de uma ‘ordem’ que não respeita grupos subalternizados, não respeita a vida. As atitudes do presidente materializam e reforçam esse bordão e legitimam inúmeras atrocidades contra a vida humana. E é impossível considera-las como atitudes cristãs, pois se contrapõe ao que diz o evangelho sobre a justiça, do cuidar e proteger a vida”.

“Defender os pobres e marginalizados, denunciar toda e qualquer forma de opressão, ser consolo e presença solidária juntos aos que sofrem é o que nos vincula de modo mais visível e radical à boa notícia do Reino de Deus, centro da vida e da missão de Jesus de Nazaré”, diz um trecho da carta.

Assinam a carta: Pastorais, organismos, CEB’s e outros movimentos da Igreja; entidades, organizações e movimentos que atuam na proteção, promoção e defesa da vida; religiosas e missionárias, padres e cristãos de diferentes paróquias.

Confira a carta na integra

RESISTÊNCIA DEMOCRÁTICA, CORAGEM PROFÉTICA E LUTA POR LIBERDADE E JUSTIÇA A PARTIR DA PRÁXIS DE JESUS LIBERTADOR!

Carta aberta dos/as cristãos/ãs católicos/as ligados/as ao cristianismo libertador e das pessoas de boa vontade sobre a reportagem “Por mais verbas, TVs católicas oferecem a Bolsonaro apoio ao governo”, como manchete em primeira página do jornal o “O Estado de São Paulo em 06.06.2020”. 

Fomos surpreendidos/as com a triste notícia da reportagem “Por mais verbas, TVs católicas oferecem a Bolsonaro apoio ao governo”, como manchete na primeira página do jornal “O Estado de São Paulo”, em 06.06.2020. A mesma matéria apresenta-nos que há um dissenso entre o pensamento da Igreja Católica representada pela CNBB e a ação das mídias católicas. 

Enquanto cristãos/ãs seguidores/as de Jesus de Nazaré e seu projeto libertador (cf. Lucas 4, 16-21), vivendo tempos complicados e de “noites escuras”, onde o projeto conservador de ultra direita se instaura no país e de alguns que professam a fé cristã parecem abraçar cegamente ao „cristofascismo‟, viemos dizer que não concordamos com a atitude tomada por alguns veículos e lideranças de comunicação de inspiração católica, que organizaram a reunião com o presidente da República, Jair Bolsonaro e alguns parlamentares. Sobre essa reunião virtual, vários setores eclesiais da Igreja Católica, como a Comissão de Mídias Redentoristas tem se posicionado dizendo ser “um atentado ao profetismo e a unidade da Igreja compromissada com a defesa da vida e com o bem estar integral das pessoas nesta hora tão difícil vivida pelo Brasil”. Também de igual modo, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) fez nota de esclarecimento afirmando não saber da realização da reunião e que apela para que as emissoras “assumam claramente as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil”. Recebeu com estranheza e indignação a notícia sobre a oferta de apoio ao governo por parte de emissoras de TVs em troca de verbas. Afirmou diretamente: “A Igreja Católica não faz barganhas”. As emissoras pseudo-católicas que se põe nesse jogo são: Aliança de Misericórdia, TV Evangelizar, TV Pai Eterno, Rede Século 21, Rede Vida e Canção Nova.
 
Assim como a CNBB, em pronunciamento oficial, nós também cristãos/ãs das Pastorais Sociais, CEBs, Organismos de caridade organizada e Defesa dos Direitos Humanos ligados à Arquidiocese de Fortaleza/CE, em comunhão com aqueles e aquelas que não concordam com a postura dessas emissoras de TVs de inspiração católica e suas lideranças, deixamos nosso repúdio e indignação. Mostramos nossa preocupação inarredável quando abertamente temos um governo que fragiliza cada dia a democracia, que não mostra apreço pelas instituições do país, que defende valores contrários ao Evangelho, que não mostra compaixão e sentimento de solidariedade com os doentes contaminados pela pandemia do COVID-19 e pelos milhares que morreram. Mostram-se insensíveis diante da crise sanitária, política e socioambiental que vivemos nesta hora. Repudiamos ainda, quem defenda essa relação da Igreja e Estado que se retroalimentam de benesses, política de conchavos e acordos antiéticos. 

É notório a postura de quem age ao lado dos que realizam uma “necropolítica”, com imagens e ideias que lembram o fascismo e outros regimes totalitários, que tentam a todo custo negar a realidade da pandemia do novo coronavírus ou aqueles que se intitulam cristãos, porém, agem como adoradores de outros deuses, que não o Deus de Jesus de Nazaré, estes há muito tempo que abandonaram o próprio Evangelho (cf. Jo 10,10), não celebram as profecias cantadas pelos profetas (cf. Is 61; Am 4;5), não enxergam a política como “alta forma de fazer a caridade” (Paulo VI), “como preocupação com os grandes problemas humanos e com os direitos fundamentais do homem” (Dom Helder Câmara). 

Defender os pobres e marginalizados, denunciar toda e qualquer forma de opressão, ser consolo e presença solidária juntos aos que sofrem é o que nos vincula de modo mais visível e radical à boa notícia do Reino de Deus, centro da vida e da missão de Jesus de Nazaré. “No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres” (EG 197) e “esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos” (EG 198) e do conjunto da Igreja. “Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma „forma especial de primado da prática da caridade cristã, testemunhada por toda tradição da Igreja” (São João Paulo II) e que abraçam a proposta pastoral do papa Francisco de “uma Igreja pobre e para os pobres”. Nossa pergunta irrenunciável é: Quem se preocupa em fazer determinados conchavos, que não se esforça para um caminho de diálogo e comunhão com a própria Igreja que se diz seguidor/a, que esquece o Evangelho com certas práticas e afirmando princípios outros estranhos ao regramento cristão acreditam que de fato “os pobres são destinatários do Evangelho? (EG 48)”. Essas pessoas estão verdadeiramente motivadas a se empenhar na defesa de uma sociedade politicamente democrática, culturalmente plural, socialmente solidária e ecologicamente sustentável? 

Mantenhamos as lâmpadas acesas, continuemos recriando a Caminhada, lutando e cantando um Mundo Novo que há de chegar! Como diz o compositor e cantor popular Zé Vicente: “Eu quero ver, eu quero ver acontecer, um sonho bom, sonho de muitos acontecer!”.

Edição: Monyse Ravena