Coluna

A vila de Carnaubinha (RN) sabe de coisas que o Congresso Nacional precisa aprender

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Na sua coluna desta semana, Mouzar Benedito pergunta: quem é o dono desse coqueiro? E dos cocos dele? E da terra onde ele está plantado - Foto: Zeshalyn Capindo/Unsplash
Um velho morador concluiu: A terra não é de ninguém, é do povo, é de Deus, é da nação!

Lá pelos anos 1980 fui fazer um trabalho no município de Touros, no Rio Grande do Norte, e conheci um povoado muito bom, chamado Carnaubinha.

Não tinha ruas, só uma estradinha de terra, com casas simples espalhadas entre coqueiros. Era uma comunidade de pescadores, com um povo simples e bom.

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Havia muitos e muitos coqueiros, e reparei que eles tinham marcas. Uns tinham um X feito com cal. Outros tinham um círculo em volta do tronco; outros dois círculos; outros alguma letra desenhada com cal ou piche...

Curioso, perguntei o que significavam aquelas marcas. E me contaram que eram para identificar o dono de cada coqueiro. Quem plantava um coqueiro, era dono dele. Então, quando começava a dar cocos, o dono era quem tinha direito de colher os frutos. Para não ter confusão, faziam essas marcas, pois cada um plantava onde quisesse e os donos eram misturados.

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Não havia donos das terras. Elas eram da comunidade. Para fazer uma casa, o sujeito escolhia um lugar e construía, sozinho ou em mutirão. Quem quisesse plantar arroz, feijão ou qualquer outra coisa, escolhia um lugar e plantava. Todo mundo respeitava. Mas estava acontecendo uma encrenca nessa é poca.

O prefeito começou a comprar coqueiros. Todo mundo estranhava, achava até gozado. Como é que pode alguém querer comprar coqueiro? Era só plantar. E vendiam, baratinho. Assim, o prefeito comprou todos os coqueiros de uma área grande e depois cercou tudo, dizendo que era dele. Aí é que o povo percebeu a armadilha.

O sujeito usurpou a terra. Um velho morador concluiu: “O que ele comprou foi os coqueiros, não a terra. A terra não é de ninguém, é do povo, é de Deus, é da nação!”

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E me lembrei de uma conversa com uma amiga: a propriedade da terra começou quando alguém cercou um pedaço, falou que era dele, e os outros acreditaram. E eles foram se apropriando de tudo. São poderosos que contam com a ajuda de governos.

Vi na internet que Carnaubinha não é mais aquela, virou uma vila como outra qualquer. Eu me lembrei disso porque agora o Senado aprovou a privatização da água no Brasil. Uma grande safadeza contra o povo brasileiro.

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No Chile, fizeram isso, durante a ditadura de Pinochet, e os efeitos estão massacrando o povo até hoje. Uma comunidade pode ser dona das terras, mas a água é de capitalistas.Os moradores só podem se abastecer se pagarem.

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Assim, amigos... Lá vai o Brasil indo pro brejo. Você que mora na beira de um rio, logo não vai poder usar a água. Se não tiver dinheiro para pagar, vai morrer de sede na beira do rio.

 

Edição: Lucas Weber