Testagem em massa

Entenda as diferenças dos testes para o novo coronavírus

Há muita desinformação circulando em relação a como detectar a doença

Belém (PA) | Brasil de Fato |

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Teste rápido realizado em morador do município de Melgaço, localizado no arquipélago do Marajó, no Pará. - Tarso Sarraf

Há diversos testes no mercado para identificar se uma pessoa foi infectada pelo novo coronavírus. Muitos deles foram aprovados rapidamente pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) pela urgência da crise, mas reprovados pelo órgão depois de uma avaliação mais profunda. 

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David Bichara é patologista clínico, mestre e doutorando em biologia de agentes infecciosos e parasitários da Universidade Federal do Pará (UFPA) ele recomenda que não se faça testes sorológicos para covid-19 com menos de 10 dias após o início dos sintomas. Além disso, pontua também que a testagem em massa ajuda mais ao permitir o desenvolvimento de políticas públicas, saber o número de infectados em determinada região e realizar estudos sobre o vírus, do que necessariamente a evitar o contágio.

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Bichara alerta também para a compra de testes para a covid-19 pela internet que não têm nenhuma qualificação. Convidado pelo Brasil de Fato, ele falou sobre os testes disponíveis atualmente no Brasil e as diferenças entre eles. Confira a entrevista abaixo.

Brasil de Fato: Quais testes existem atualmente no Brasil?

David Bichara: Temos vários: os que detectam o vírus, que devem ser realizados quando o paciente tem sintomas. Temos os que detectam anticorpos, que devem ser feitos duas a três semanas depois da infecção.. 

O paciente com sintomas deve fazer um teste chamado RT-PCR para a covid-19. Esse teste pode ser feito do primeiro ao sétimo dia do início dos sintomas e dará o diagnóstico de certeza da covid, porque é um teste que detecta o RNA viral, ou seja, vai detectar o vírus. 

Existe um outro teste também que pesquisa proteínas virais. É um teste rápido também feito com fluidos respiratórios e que ao invés de detectar o vírus detecta a proteína. 

Passado duas, três semanas já podem ser realizados testes sorológicos e nesse ponto nós temos muitos testes no Brasil. Esses testes sorológicos nós dividimos em duas categorias: a primeira são os testes rápidos aquele que podem ser feitos com uma punção no dedo do paciente e ou se coletar o próprio sangue do paciente. Esse teste rápido tem duas categorias: tem um teste rápido que detecta anticorpos totais, ele só vai dizer positivo ou negativo e nós temos testes rápidos que detectam IgM (imunoglobulina M) e IgG (imunoglobulina G).

Brasil de Fato: O senhor poderia explicar a diferença do IgM e IgG? 

David Bichara: Todas as vezes em que a gente tem uma infecção, logo no início os primeiros anticorpos que aparecem são IgA ((imunoglobulina A) e IgM, que têm a mesma finalidade: são para a defesa. Dizemos que são anticorpos de fase aguda, porque são os primeiros a aparecer. Logo depois aparece a IgG, que vai ficar. Chamamos ela de memória imunológica. É aquele anticorpo que vai nos defender de outras infecções. O que acontece com a covid-19 é que o comportamento da IgM e da IgG é completamente diferentes do que aprendemos com outras doenças . Ou seja, às vezes está aparecendo junto IgM e IgG, já se detecta junto, o que não acontece em outras doenças, eles aparecem separadamente precocemente.

Às vezes nós não detectamos IgM, só detectamos a IgG. Mas o que importa de fato é saber se a pessoa tem IgG. Nenhuma organização mundial recomenda teste sorológico para diagnóstico da covid aguda, nem a Organização Mundial da Saúde (OMS), nem CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), dos EUA, nem FDA (Food and Drug Administration), nem Colégio Australiano de Patologia.. 

Logo, a IgM, tecnicamente, não tem valor algum no sentido de diagnóstico. Dessa forma, eu destacaria duas coisas: primeira, fazer o teste de RT-PCR no início dos sintomas para diagnóstico e depois de 20 dias fazer a sorologia quantitativa para IgG, apenas, para documentar possível imunidade. 

Dessa forma, a grande importância dos testes sorológicos não é diagnóstico, mas sim para documentar a imunidade. Exemplo: vamos agora testar a população, saber quantos por cento da nossa população foram infectados, entraram em contato com o vírus. 

Além disso, o teste sorológico é importante no caso da doação de sangue. Sangue de pacientes convalescentes que tiveram a covid-19 e querem doar o plasma (uma parte do sangue) para que se possa ser aplicado em pacientes internados em estado grave por conta da covid. Ou seja, o teste sorológico é muito importante para fazer rastreamento, soroprevalência.

Brasil de Fato: Como foi feita essa testagem aqui no Brasil?

David Bichara: Todos os testes foram aprovados na Anvisa sem qualificação. Como é uma pandemia, todas as empresas que chegaram à Anvisa tiveram seus testes aprovados e só agora o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, que é da Fiocruz, começou a estuda-los, fazer a validação. Quarenta desses testes já foram reprovados e retirados do mercado, depois da qualificação e de terem sido usados pela população.

Então, temos tido muito o que chamamos de falso positivo e falso negativo. Ou seja, resultado falso negativo: o paciente está infectado, mas o resultado dá negativo pela má qualidade do teste. Às vezes também o paciente pode ter realizado o teste muito precocemente. Exemplo: se com seis dias de sintoma, ele realizar um teste sorológico vai dar negativo, mesmo estando infectado, porque não deu tempo de ele produzir anticorpos. Ou seja, ele fez o teste no momento que não era para fazer ou até mesmo o caso de pacientes que não desenvolvem anticorpos e existe também o que a gente chama de falso positivo, o paciente não tem a doença e o teste deu positivo.

Isso pode ocorrer por reações cruzadas com outros coronavírus que o paciente já teve. Aqui na nossa região – norte do Brasil, estado do Pará – o Instituto Evandro Chagas isolou outros coronavírus que causavam resfriado e se a pessoa já tiver sido infectada, ela pode ter um falso positivo. 

Então, por isso é importante saber a história clínica do paciente: se teve sintomas ou fez exames além do para a covid, se fez tomografia, que é para validar ou não o teste. Outro ponto: presença de fator reumatóide, pode dar uma reação cruzada. Há casos, inclusive, de pessoas que tiveram reação cruzada, inclusive, com a dengue. Logo, essa qualidade do teste é super importante. 

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Como as pessoas podem saber se o teste é seguro? Os que foram aprovados estão com certificado da Anvisa?

David Bichara: O site da Anvisa tem a relação dos testes aprovados e a dos considerados não conformes (reprovados). Há um grande problema, uma situação inusitada: algumas famílias têm comprado kits na internet importados que não passaram pela Agência Nacional de  Vigilância Sanitária e usando, mas são testes que não têm validade. 

Vale lembrar que o mundo inteiro teve problema com testes rápidos. O Reino Unido devolveu todos os comprados da China porque não serviram. A Espanha devolveu 650 mil testes, a Itália também. Aqui no Brasil, uma cidade no Paraná já aboliu o teste rápido. Recomendo que quem for comprar consulte o site da Anvisa para verificar se o teste foi ou não qualificado. Isso é muito importante.

Há um dia exato para realizar o teste da covid-19?

David Bichara: Isso é variado. O Ministério da Saúde recomenda o teste sorológico a partir do sétimo dia. A Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir do 11º, um estudo feito na China, para IgM diz que o 14º dia é o melhor e para IgG, o 19ª. Os kits, cada um trazem na sua inscrição, na bula, o melhor dia. Então, isso varia de acordo com o kit, de acordo com o país, de acordo com as recomendações. Mas a verdade é que não pode ser cedo. Eu não recomendo realizar testes sorológicos antes de 10 dias para ninguém. 

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Brasil de Fato: É possível testar positivo para a covid, fazer o teste e não ter anticorpos?

David Bichara: Isso tem acontecido no mundo inteiro. Ou seja, alguns pacientes não estão produzindo anticorpos ou em quantidade muito pequena, que não são detectados pelos testes usualmente utilizados, porém isso não significa que esses pacientes estão mais suscetíveis do que os que têm anticorpos. Até porque nós estamos com seis meses da doença e até o momento nós não temos nenhum caso de reinfecção, mesmo porque a gente não tem só anticorpos para nos defender, temos também as células. Então, muito provavelmente esses pacientes estão protegidos igual aos que têm anticorpos. 

Brasil de Fato: Quais são os avanços, aqui no Brasil, com relação aos testes?

David Bichara: O Hospital Albert Einstein em São Paulo lançou um teste ultramoderno com sequenciamento de nova geração. Esse teste também usa fluídos respiratórios, era feito para detectar DNA, mas como o coronavírus é de RNA, fizeram uma modificação e com uma grande vantagem: fazem 1.536 testes a cada rodada, enquanto o RT-PCR, a gente só consegue fazer 96.

Da mesma maneira, o grupo do laboratório Fleury, de São Paulo, criou um teste de proteína, um teste proteômico que permite 1.500 testes cada vez. O  RT-PCR demora mais um pouco e se trabalha com um menor volume de testes. 

E também já temos no Brasil um teste rápido de proteína, que está sendo utilizado pelos clubes de futebol. Antes dos jogadores entrarem em campo, eles fazem o teste rápido de proteína, que é o teste viral, porque o que importa é saber se o paciente está transmitindo naquele momento. Não adianta fazer teste de anticorpos, porque não vai dizer se o paciente pode infectar outras pessoas ou não, o que diz é justamente o teste viral ou de proteína ou o teste que detecta o próprio vírus.

Edição: Rodrigo Durão Coelho