Rio de Janeiro

Na mira

Casos de covid entre agentes de saúde disparam e alertam exposição dos trabalhadores

Representantes das categorias cobram medidas de proteção; segundo sindicatos, doença já matou 46 agentes em todo o país

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada no final de maio, apontou que 91% dos agentes de saúde relataram sentir medo da covid-19 - Divulgação

Representantes de duas categorias fundamentais para o Sistema Único de Saúde (SUS), uma na Atenção Primária em Saúde – caso dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) - e outra na Vigilância em Saúde – caso dos Agentes de Combate às Endemias (ACE) – alertam para a elevada exposição desses trabalhadores à covid-19, que tem produzido contaminações e mortes por todo o país. Segundo levantamento da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde (Conacs), desde o início da pandemia morreram 46 trabalhadores de covid-19 no país, entre ACS e ACE.

A maioria dos casos foi no Ceará (10), seguido pelos estados do Amazonas (7), Bahia e Rio de Janeiro (6), Pará (5), São Paulo e Pernambuco (4), Maranhão (2) e Roraima e Alagoas (1). Já segundo o boletim do Ministério da Saúde, 2,5% dos casos de covid-19 registrados entre trabalhadores da saúde até meados de junho eram de ACS, sendo que outros 2,5% eram de “outro tipo de agente de saúde”, segundo a pasta, cujos dados não especificavam quais as categorias abarcadas. Os números se referem ao total de casos, e não de óbitos. Tanto a Conacs quanto a Federação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Endemias (Fenasce) informaram que não têm um levantamento do total de casos de covid-19 entre os ACS e ACE.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgada no final de maio apontou que 91% dos ACS e dos ACE relataram sentir medo da covid-19, percentual maior que o encontrado entre os profissionais de enfermagem, de 84%.

“O número crescente de casos e de óbitos causa pânico entre os ACS e ACE, e também não tivemos nenhum preparo para enfrentar a doença, de como devemos nos comportar nas nossas visitas domiciliares. Além disso nossas categorias estão muito desassistidas pelo poder público em relação a distribuição dos EPIs em quantidade e qualidade necessárias”, aponta a presidente da Conacs, Hilda Angélica.

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Luis Claudio Celestino, presidente da Federação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Endemias (Fenasce) concorda, e relata que ele mesmo contraiu a doença, chegando a ficar internado por 12 dias. “Posso afirmar que é uma coisa muito séria. Então a primeira coisa que a gente cobra é respeito por essas categorias, que saem de casa sem nenhuma proteção e não sabem se vão voltar e contaminar seus familiares”, diz Celestino, que é presidente do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde e Endemias no Estado do Ceará (Sinasce).

“Até hoje continua o problema da falta de EPIs apropriados, que mesmo quando chegam muitas vezes não são distribuídos para os agentes. Por isso, tomamos a decisão em nível de Ceará e de Fenasce de que se o agente não tem o EPI, tem direito de se recusar a fazer visitas domiciliares, porque não tem as condições necessárias para fazer seu trabalho”, completa.

Proteção

Ronaldo Moreira, presidente do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde do Rio de Janeiro (Sindacs-RJ) relata que o sindicato precisou entrar na Justiça para tentar garantir acesso à EPIs aos trabalhadores da categoria na capital fluminense, segunda cidade mais afetada pela doença no país. “Muitos compraram máscaras ou receberam doações. A prefeitura só autorizou fornecer as mascaras cirúrgicas aos ACS depois do dia 26 de abril, mas até hoje enfrentamos problemas para que esses direitos sejam respeitados dentro das unidades. Muitos só conseguem usar as máscaras de pano que trazem de casa, porque não têm equipamentos que são primordiais”, denuncia, lembrando que, no caso do Rio de Janeiro, grande parte dos ACS mora nas favelas e periferias.

“Portanto vive os dois lados dessa pandemia. Além de usuário do SUS, está na linha de frente, recebendo pacientes sem condições de trabalho necessárias para sua proteção, além de poder ser um vetor de transmissão para seus pacientes e famílias. Ele vai ao território e depois retorna para seu lar, e muitas vezes não tem água disponível para higienização. Muitos moram em casas pequenas e sem possibilidade de isolamento. Muitos de seus parentes perderam renda e emprego. Tudo isso, aliado ao descaso de muitos gestores e a inexistência de políticas públicas voltadas para esses trabalhadores contribuem muito para a angústia que hoje sentem esses profissionais”, avalia o presidente do Sindacs-RJ.

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Por outro lado, continua ele, a condição de morador das comunidades nas quais atuam faz com que os ACS tenham um papel fundamental nesse contexto. “O ACS ajuda muito na busca dos sintomáticos, nas orientações. Na hora em que reconhece sinais e sintomas que podem caracterizar o agravo do quadro, ele encaminha para a unidade de saúde, atuando para amenizar as necessidades básicas dessa população”, afirma Ronaldo. 

Segundo Hilda Angélica, uma das principais reivindicações das categorias hoje, além da garantia dos EPIs, é a elaboração de um protocolo unificado para as visitas domiciliares e de ações para esses trabalhadores no contexto da pandemia, que seja desenvolvido em conjunto pelos conselhos que representam os secretários de saúde municipais (Conasems), estaduais (Conass) e pelo Ministério da Saúde.

“O que está acontecendo é que cada secretaria de saúde está agindo de forma diferenciada, de acordo com as necessidades do município, mas não leva em conta as necessidades das categorias”, afirma Hilda.

Rodrigo Rodrigues, presidente do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde da Região Metropolitana de São Paulo (Sindacs-SP) relata que em meio à pandemia, a principal orientação é que os agentes não entrem nos domicílios durante suas visitas.

“As visitas estão acontecendo na rua, obedecendo a distância de um metro e meio. A gente conversa, verifica se podem haver casos de covid-19 ali, bem como as outras doenças de notificação compulsória e as doenças crônicas que observamos no cotidiano. Agora, a região metropolitana de São Paulo é muito diversa, e de uma cidade para outra os protocolos variam muito”, diz ele.

Outro problema que segundo a presidente da Conacs tem sido comum é a falta de testes clínicos para o diagnóstico da covid-19 disponíveis para esses profissionais. Um projeto de lei aprovado no Congresso Nacional no dia 9 de junho, e que aguarda sanção presidencial para entrar em vigor, pode contribuir nesse sentido. O PL 1.409/2020 lista os profissionais de saúde considerados essenciais no enfrentamento ao coronavírus, que deverão ter prioridade nos testes diagnósticos para a covid-19, além de receber gratuitamente de seus contratantes todos os EPIs recomendados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os trabalhadores que mantêm contato direto com quem possa ter a doença. Tanto os ACS quanto os ACE foram contemplados pelo texto aprovado, que inclui ainda outras categorias de trabalhadores técnicos da saúde, como os técnicos em enfermagem, em saúde bucal, em análises clínicas e em radiologia.

Monitoramento dos trabalhadores 

Parte do esforço da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) durante a pandemia de covid-19 se concentra em desenvolver estudos para o monitoramento das condições de trabalho e do impacto da doença sobre os trabalhadores técnicos da saúde, a exemplo da pesquisa Monitoramento da saúde dos ACS em tempos de Covid-19, coordenada pelas professoras da EPSJV Mariana Nogueira e Camila Borges. O estudo tem como objetivo analisar os impactos da pandemia na saúde dos ACS, bem como suas demandas em relação a condições de trabalho, acesso à EPIs e à formação profissional em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, além de outras três cidades das regiões metropolitanas das capitais analisadas: Guarulhos (SP), São Gonçalo (RJ) e Maracanaú (CE).

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“O produto principal da pesquisa é um painel digital que será disponibilizado em plataforma virtual com o registro do impacto da pandemia sobre a saúde dos ACS nos municípios estudados, que contribuirá para acompanhamento e apoio aos ACS, avaliação sobre a necessidade de reposição da força de trabalho e para a previsão de implantação de medidas e políticas públicas que garantam a proteção e a recuperação da saúde dos ACS”, explica Mariana Nogueira.

Segundo a pesquisadora, o estudo é uma colaboração entre a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e diversas unidades da Fundação, como o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), bem como a Fiocruz Ceará e seis sindicatos de ACS. “Estamos avaliando no âmbito da equipe a possibilidade de expandirmos o estudo para outras regiões, caso seja possível ampliarmos o financiamento”, diz Mariana. A pesquisa, identificada como estratégica, é financiada por meio do Programa de Políticas Públicas, Modelos de Atenção e Gestão do Sistema e Serviços de Saúde (PMA) da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB) da Fiocruz.

Outra pesquisa da EPSJV/Fiocruz, aprovada no edital Inova Fiocruz e coordenada pela professora-pesquisadora Gladys Miyashiro, tem como objetivo identificar desafios e possibilidades de atuação dos Agentes de Combate a Endemias (ACE) durante a pandemia de covid-19, de modo a subsidiar métodos eficazes de controle de vetores como o mosquito transmissor da dengue em um contexto em que esses trabalhadores ficam impossibilitados de entrar nos domicílios.

“Estamos preocupados com as favelas que não possuem abastecimento de água ou têm fornecimento intermitente, já que nesses territórios a população precisa armazenar maior quantidade de água para realizar medidas de higiene mais frequentes durante a pandemia”, destacou Gladys.

Fonte: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Edição: Mariana Pitasse