Serviço público

Sobrecarga e falta de proteção: 4 agentes dos cemitérios de SP já morreram por covid

Representantes dos sepultadores denunciam condições de trabalho e falta de equipamentos de segurança no setor

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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Sepultamentos em decorrência da covid-19 vem sendo feitos nos cemitérios da Vila Formosa, São Luiz e Vila Nova Cachoeirinha. - Nelson Almeida/AFP

Os sistemas funerários das cidades brasileiras têm sido constantemente sobrecarregados pelo expressivo número de mortes em decorrência da covid-19. O caso mais emblemático ocorreu em Manaus, no Amazonas, onde a Prefeitura foi obrigada a abrir covas coletivas, chamadas de “trincheiras”, para amenizar o estrangulamento do setor no município.  

Na cidade com o maior número de mortes em decorrência do coronavírus no Brasil, o colapso não se repete, mas a sobrecarga dos trabalhadores do setor preocupa. Nos 22 cemitérios públicos de São Paulo (SP), o aumento na jornada de trabalho e no número de enterros marcam a rotina dos funcionários do Serviço Funerário Municipal. 

Segundo dados da Prefeitura, somente em maio, o número de enterros subiu 69% em relação ao mesmo período de 2019 e atingiu mais de 9.8 mil sepultamentos. No maior cemitério da América Latina, o Vila Formosa – que fica na Zona Leste – uma alta de 84% em relação ao ano passado também foi registrada no mês de maio, quando foram realizados 1.891 sepultamentos.  

Manoel Norberto Pereira é agente sepultador há 20 anos e hoje atua no cemitério da Cachoeirinha, Zona Norte da capital paulista. Ele acompanha o que acontece nos cemitérios públicos de São Paulo desde o início da pandemia e relata que o aumento de enterros não foi acompanhado de medidas de proteção efetivas aos trabalhadores do setor.

"Encontramos máscara de 2014, lá atrás em abril. Máscaras vencidas e os trabalhadores usando. Faltava uniforme, faltava bota, faltava o macacão. Com o passar do tempo, faltaram os testes para os servidores. E os servidores foram adoecendo, principalmente de um dos quatro polos de caixões de São Paulo, o da Vila Guilherme", afirma.

"Hoje conversando com uma funcionária, já foi testado mais 11 com covid. Ali já morreram 3. E nós temos ainda os sepultadores, que não fizeram os testes. Eles que pegam a urna, levam até a sepultura e baixam. Mesmo com os equipamentos, mas cadê o teste?", completa Pereira, um dos diretores do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), que representa a categoria dos agentes funerários.

O Serviço Funerário Municipal, que já contou com mais de 2 mil funcionários públicos, tem atualmente 900 servidores. Deste total, segundo levantamento do sindicato, 34 estão com sintomas da doença e quatro já morreram pela covid-19 – dois destes trabalhadores apresentavam problemas de comorbidade.

"Teve uma interlocução com o Ministério Publico e o governo. Chegamos a assinar um protocolo que eles deveriam fornecer a cada 10 dias o número de trabalhadores contaminados, o número de trabalhadores curados, e o número de trabalhadores mortos. A funerária nunca forneceu isso pra gente. A única secretaria que está fornecendo é a Secretaria de Saúde, mesmo assim com dificuldades", relata João Batista Gomes, secretário do Sindsep, sobre as dificuldades para monitorar o número de contágios.

Privatização no setor

Em março, o afastamento dos trabalhadores com mais de 60 anos levou a gestão de Bruno Covas (PSDB) à contratação temporária de 220 sepultadores terceirizados. O ingresso dos funcionários está dentro do Plano de Contingenciamento Funerário, que contou com a abertura de 13 mil valas e a construção de um cemitério vertical na Vila Alpina. A gestão também investiu na contratação de mais 20 carros para atender o Serviço Funerário, passando de 36 para 56 automóveis.  

Para Gomes, a criação do Plano, que custou aos cofres da Prefeitura em torno de R$ 40 milhões, representa também a abertura do setor para empresas privadas. O último concurso público para o cargo de agente sepultador foi feito em 2011, ainda na gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD). "Estão entregando o patrimônio de São Paulo para as empresas particulares", arremata o agente Manoel Pereira.

Outro lado

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria Municipal das Subprefeituras, responsável pelo Serviço Funerário de São Paulo, mas não obteve respostas até o fechamento da reportagem.

Em sua página, a Prefeitura afirma que todos os funcionários do Serviço Funerário "têm Equipamentos de Proteção Individual (EPI´s) à disposição em dia e novas aquisições estão sendo executadas. A gestão municipal esclarece também que todos os sepultadores – seja servidores do município, como os terceirizados – utilizam luvas, máscaras e macacões para proteção durante o trabalho". 

Edição: Rodrigo Chagas