“Abrir para futebol numa situação dessas é demência pura”. É o que pensa o presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES/RS), Cláudio Augustin, sobre a decisão do governador Eduardo Leite (PSDB) de autorizar a retomada do Campeonato Gaúcho de Futebol, mesmo com o Rio Grande do Sul acelerando o número de mortes pela covid-19. Ontem (9), quando a decisão de reiniciar o Gauchão foi anunciada, mais 45 óbitos foram registrados. Nesta sexta-feira (10), ficou ainda pior: 49 mortes, mais um triste recorde. No total, 919 gaúchos perderam a vida para o coronavírus.
O dirigente do CES/RS – que reúne 41 entidades da sociedade civil – adverte que o Estado está perto de um colapso na Saúde. Pior ainda, segundo nota, que a bola voltará a rolar num período historicamente marcado pela lotação dos hospitais, mesmo sem pandemia.
Para o médico infectologista e professor do curso de Saúde Coletiva da UFRGS Alcides Miranda o retorno do futebol, em um momento de progressão acentuada de contágios e óbitos, principalmente entre os mais pobres, passa mensagens questionáveis. A primeira delas é que os atletas “vão dispor de testes sorológicos e equipamentos de segurança, enquanto a maioria não dispõe, inclusive muitos trabalhadores da Saúde”. A segunda revela “a indiferença sistêmica e o alinhamento com aqueles que querem forçar o retorno a uma "normalidade" socioeconômica a partir da "naturalização" da tragédia em curso no país”.
O inverno agrava a situação
“É inverno e este fato, por si só, já aumenta a procura motivada pelas doenças respiratórias graves”, acentua Augustin. O quadro se agrava com a covid-19 e as moléstias negligenciadas, devido aos pacientes cancelarem consultas e cirurgias.
Após encontro com a Federação Gaúcha de Futebol (FGF), Leite acabou concordando com o recomeço dos jogos a partir do próximo dia 23. Já na segunda-feira (13), serão retomados os treinamentos em grupo, com contato físico. As partidas não terão presença de público. Atribui-se a decisão à pressão dos grupos de mídia que detém os direitos de transmissão do campeonato.
A maioria das equipes tem sede na região Metropolitana de Porto Alegre, atualmente com bandeira vermelha, o que impõe mais restrições à circulação de pessoas devido ao risco de contágio.
Augustin enfatiza que, com o agravamento do quadro e a sobrecarga dos hospitais, aumentam a possibilidade de colapso e os riscos de forma geral, muito além da pandemia. “Um idoso cai, quebra a bacia e pode ficar sem atendimento”, exemplifica.
Quem fez isolamento, saiu mais forte
“Já existem muitos profissionais de Saúde doentes, há falta de pessoal capacitado para trabalhar na linha de frente. O afrouxamento para as atividades econômicas coloca mais pessoas na rua, cresce a quantidade de contaminações, aumenta o número de doentes e de pacientes mais graves que terão de buscar ajuda no sistema de Saúde." Cláudio lembra um ensinamento que a pandemia está deixando. “Todas as experiências mostram que aqueles países que optaram pelo isolamento social saíram mais fortes economicamente da crise, enquanto os que abriram antes do tempo acabaram mal.”