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MPF denuncia coordenadores do Samu por morte de indígena que teve socorro negado

O óbito ocorreu em Dourados (MS); um dos indiciados é ex-secretário de Saúde do município, já preso por corrupção

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Determinação para que Samu não atenda em aldeia vigora desde 2012 - Foto: Prefeitura de Dourados

Por racismo e homicídio doloso, o Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) apresentou uma denúncia contra três ex-coordenadores do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (Samu) de Dourados, no Mato Grosso do Sul, além de uma servidora do órgão e um bombeiro.

Em 26 de abril de 2019, a indígena Joice Quevedo Arce, de 17 anos, que assistia aula na Escola Estadual Indígena Guateka Marçal de Souza, passou mal e teve uma parada cardíaca. A diretora do colégio acionou o Samu e o Corpo de Bombeiros, que se recusaram a socorrer a adolescente dentro da Aldeia Indígena de Dourados.

Eduardo Antônio da Silveira, Jony Alisson Bispo Santana e Renato Oliveira Garcez Vidigal, três ex-coordenadores do Samu de Dourados foram indiciados pelo MPF, além Greicy Kelly Barbieri Mendonça, técnica auxiliar de regulação médica do serviço de emergência e o sargento Ayrthon Oliveira Mota, do Corpo de Bombeiros.

De acordo com a denúncia, Greicy Kelly Barbieri Mendonça, ao atender atender a ligação da diretora do colégio, na sede do Samu, se negou a enviar uma ambulância até a área. Em depoimento ao MPF, a servidora afirmou que a ordem partiu de Renato Oliveira Garcez Vidigal, coordenador do Samu no município na época.

A determinação de que as ambulâncias e profissionais de saúde do Samu não devessem entrar na Aldeia Indígena de Dourados surgiu em 2012, durante a gestão de Eduardo Antônio da Silveira, que seguiu à frente do órgão até 2017. O pretexto utilizado para não prestar socorro aos indígenas era a falta de segurança para as equipes médicas. A decisão foi mantida por seus dois sucessores, Jony Alisson Bispo Santana e Renato Vidigal.

Após a negativa do Samu, o Corpo de Bombeiro foi acionado e também negou socorro à adolescente indígena. Ayrthon, então, afirmou que não poderia prestar o socorro, pois não tinha um carro disponível. Porém, o MPF descobriu que havia, sim, uma viatura na sede da corporação, que poderia ter sido usada. O sargento afirma que procurou a Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai), mas que não foi atendido nos telefones disponíveis.

Sete anos de negligência 

De acordo com o Ministério Público Federal, desde 2012 os atendimentos na Aldeia Indígena de Dourados são negligenciados pelo Samu. Neste período, o órgão foi coordenado por Eduardo Silveira, de 22 de junho de 2012 até 6 de janeiro de 2017; Jony Santana, de 15 de fevereiro de 2018 até 15 de fevereiro de 2019; e Renato Vidigal, de 15 de fevereiro de 2019 até 6 de novembro de 2019.

“Cientes da ilicitude e reprovabilidade de suas condutas, praticaram mediante orientação da equipe de técnicos auxiliares de regulação médica e médicos reguladores do Samu a discriminação étnica da população da Aldeia Indígena de Dourados/MS, pois determinaram/ratificaram o não atendimento de ocorrências emergenciais dentro dos limites do local supramencionado”, afirma o MPF sobre os três ex-coordenadores.

Quando assumiu a coordenação, Eduardo ordenou, de acordo com a denúncia, que a equipe do Samu não se deslocasse até a aldeia, pois ele teria feito um acordo com o Ministério Público em que ficou estabelecido que somente o Corpo de Bombeiro e forças nacionais entrariam na área. O MPF não reconhece a existência desse acordo. Portanto, a determinação do ex-coordenador era ilegal.

Renato Vidigal

Um dos ex-coordenadores do Samu indiciados pelo MPF não fará sua estreia no banco dos réus. O médico Renato Vidigal, filiado ao PDT desde 2018, está preso desde 8 de novembro, no âmbito da Operação Purificação, realizada em conjunto pela Polícia Federal e a Controladoria Geral da União (CGU), acusado de fraude em processos licitatórios na Fundação de Serviços de Saúde de Dourados (Funsaud), quando era secretário de Saúde do município.

De acordo com a investigação, as fraudes podem ter causado prejuízo de R$ 2 milhões ao Fundsaud. Vidigal seria o chefe da quadrilha. A Marmiquente, empresa que tem o médico entre seus sócios, foi contratada em um processo considerado fraudulento pela CGU, para fornecer alimentação aos servidores, pacientes e acompanhantes nas unidades de saúde do município de Dourados.

Vidigal é aliado da prefeita de Dourados, Délia Razuk (PTB), e ocupou o cargo de secretário de Saúde entre janeiro de 2015 e dezembro de 2018. O médico entrou com três pedidos de liberdade, todos foram rejeitados, o último pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Outro lado

Procurada, a Prefeitura de Dourados não respondeu até o fechamento da matéria. A Secretaria Especial de Saúde indígena (Sesai) preferiu não comentar o caso. As defesas de Eduardo Antônio da Silveira, Jony Alisson Bispo Santana, Renato Oliveira Garcez Vidigal, Greicy Kelly Barbieri Mendonça e Ayrthon Oliveira Mota não foram localizadas.

Edição: Rodrigo Durão Coelho