resistência

Agarradinho, melôs, radiola e o "mistério supremo" da chegada do reggae no Maranhão

Referência da negritude em São Luís (MA), ritmo jamaicano já está há quase 50 anos no nordeste sem saber como veio

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Festa de inauguração do Museu do Reggae em São Luis (MA) em 2018 - Foto: Ingrid Barros/Sobre o Tatame
Durante muitos anos, os regueiros foram alvo de preconceito e reprimidos pelo estado

A cidade de São Luís (MA) é conhecida como a capital do reggae no Brasil, ou simplesmente a “Jamaica brasileira”. O ritmo é tão importante para os maranhenses, que em outubro de 2002 uma lei instituiu o Dia Municipal do Regueiro, celebrado em 05 de setembro. 

O reggae maranhense é repleto de particularidades, como por exemplo as radiolas, nome dados para as "montanhas" de caixas de som, semelhantes aos sound systems jamaicanos. 

Diferente do resto do mundo, o público do Maranhão curte o reggae dançando bem juntinho, o tal do agarradinho. E os grandes hits, chamados de “pedras preciosas”, foram rebatizados como “melôs”, um encurtamento da palavra melodia. 


O famoso "agarradinho" e ao fundo as radiolas adaptadas do sound system jamaicano; na foto: inauguração do Museu de Reggae do Maranhão / Foto: Ingrid Barros/Sobre o Tatame

A semelhança entre a Jamaica e o Maranhão está também nas origens africanas da população. Muito dos escravizados que chegaram ao porto de São Luís no século XVIII embarcaram na Costa da Mina, hoje Costa do Marfim. Na mesma época, desembarcaram em território jamaicano mais de 500 mil escravizados originários da Costa do Ouro, atual República do Gana. 

Em tempos pré coloniais, havia naquela região o Império Axante, que se estendia desde a Gana central até Togo e Costa do Marfim dos dias atuais. Logo, pode ser que a população maranhense e jamaicana sejam formadas por povos originários de um mesmo império africano. 

Chegada

Há várias teorias sobre como o reggae chegou até o Maranhão. Segundo relatos de maranhenses, na década de 1970 o ritmo veio pelas ondas de rádios caribenhas que traziam também gêneros como calipso e zouk.

Outra teoria, é que marinheiros que desembarcavam no porto de São Luís utilizavam os discos de reggae como moeda de troca. É o que explica, Franck Rabelo, mais conhecido por DJ Franck Wailer. 

“Alguns falam que os marinheiros trouxeram alguns discos e entre eles reggae. E por aqui faziam permutas por bebidas e até por lazer individual.” 

Mas para Ademar Danilo, curador do museu do Reggae no Maranhão, a explicação de como ritmo chegou é mistério e que não precisa de resposta.

Eu pessoalmente considero que não é nenhum problema não existir essa certeza. Cultura não é matemática, não precisa ser exata.

"Nós não sabemos quem, quando, onde, como e nem porquê o reggae chegou aqui. Só sabemos o onde, que é aqui. Há várias lendas, várias tentativas de explicar. Eu pessoalmente considero que não é nenhum problema não existir essa certeza. Cultura não é matemática, não precisa ser exata. O que se sabe, é que estamos as bordas de fazermos 50 anos de reggae no Maranhão. E esse supremo mistério, é parte da nossa cultura Reggae em São Luís”. 


O reggae no Maranhão sempre esteve atrelado ao movimento da negritude no estado; na foto: festa de inauguração do Museu de Reggae do Maranhão / Foto: Ingrid Barros/Sobre o Tatame

Na década de 1970, se popularizam as festas na periferia com o ritmo arrastado. Nos anos 1990, o reggae começa a dominar as rádios maranhenses. O programa de maior audiência do estado era sobre o ritmo e apresentado por Fauzi Beydoun, vocalista da banda Tribo de Jah. 

Foram em festas na periferia que Ademar conheceu o gênero e adotou ele para sua vida toda:

"Quando eu tinha entre 13 e 14 anos eu comecei a frequentar os clubes de festa da periferia do meu bairro, em São Luís. Já tocava Reggae nesses lugares [...] De lá pra cá eu me aprofundei bastante nessa cultura que prega a paz, o amor e a harmonia, mas também mostra que somente com a luta poderemos chegar a paz, o amor e a harmonia [...] Fui pioneiro do reggae na Televisão e Internet. Desenvolvi pesquisas e no auge dos auges, fui convidado pelo museu Bob Marley a dar palestras sobre reggae para Jamaicanos, na Jamaica com a família de Bob Marley me esperando na porta do Museu para me introduzir no local." 

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O movimento reggae do Maranhão trata-se de uma história de resistência. Durante muitos anos, os regueiros foram alvo de preconceito e reprimidos pelo estado, conforme relata Ademar:

“Durante mais de 40 anos o poder público reprimiu o movimento e discriminou o movimento. Hoje, com a mudança da orientação política no estado e a mente aberta do governador Flávio Dino (PCdoB), o poder público reconhece, respeita e estimula a cultura reggae no nosso estado.” 

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Mas e aí? Com tantas particularidades, o ritmo é da Jamaica, ou é de São Luís? De onde é o reggae? 

“Na verdade, o Reggae hoje é Mundial. Desde 2018 a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) titulou o ritmo como patrimônio cultural da humanidade. Bob Marley profetizou um dia: O reggae vai cobrir a terra como a água cobre os mares. Dito e feito. O reggae é o único ritmo presente no planeta inteiro. Do Alasca ao deserto do Saara, do Japão à São Luís do Maranhão.” 

*Sob supervisão de Lucas Weber 

Edição: Lucas Weber