Controle é utopia

Por que a ideia de estabilização da covid no Brasil é uma realidade distante?

País continua com infecções fora de controle, alcança recordes mundiais em 24 horas e se aproxima de 100 mil mortes

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Pandemia avança e Bolsonaro aglomera. Ele foi a Bagé (RS) nesta sexta-feira, menos de uma semana após se dizer curado da covid. - Alan Santos/PR/Fotos Públicas
A gente funciona como uma rede só. Não dá pra dizer que a pandemia está localizada

Nos últimos dias o Brasil assistiu a uma série de informações sobre o avanço da pandemia da covid-19 que reafirmam a percepção de descontrole da doença no país. Já na segunda-feira (27), os dados consolidados da semana anterior indicavam o aumento da tragédia. 

Pela sexta vez consecutiva, foram registradas mais de sete mil mortes em um período de sete dias. Entre os dias 19/07 e 25/07 o número de casos fatais chegou a 7.714, quase 450 a mais que na semana anterior. No mesmo período o número de infectados também foi recorde: 319.389, maior soma já vista no país, desde que o vírus foi registrado pela primeira vez em território nacional.  

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Dois dias depois, na quarta-feira (29), foram noticiados os maiores patamares das confirmações de mortes e casos em 24 horas. Na ocasião, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o Brasil registrou 1.664 casos fatais e 72.377 cidadãos receberam a notícia de que estão infectados. Com isso, o país se mantém entre as nações que registram os piores cenários em um dia. Está atrás apenas dos Estados Unidos, que já chegou a registrar mais de 77 mil casos diários. Ou seja, o Brasil ficou a cinco mil casos de bater mais um recorde trágico.

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Nessa mesma data, a confirmação do descontrole veio também do Imperial College de Londres – que se dedica a analisar o avanço da pandemia globalmente. Em seu boletim semanal a instituição afirmou que o Brasil completou 14 semanas sem controle do avanço do vírus, ou mais de três meses de derrotas consecutivas. 

Para piorar, a taxa de contágio aumentou  de 1,01 para 1,08. Ou seja: cada 100 pessoas contaminadas passaram a infectar outros 108 cidadãos. Mais de 2.6 milhões de brasileiros já foram infectados pela covid. O número de casos fatais pode chegar a 100 mil nesta semana. 

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Em conversa com o boletim A Covid-19 na Semana, o médico Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas de Médicos Populares, trouxe informações sobre os métodos de avaliação do avanço da pandemia e qual é a melhor maneira de analisar os números apresentados (ouça na integra logo abaixo do título desta matéria). 

Segundo ele, ainda que alguns estados brasileiros tenham conseguido diminuir os números de casos e mortes registrados nas últimas semanas, a situação em território nacional continua preocupante. Sem o isolamento social, as medidas de higiene e a testagem em massa, a chance de novos picos é real. 

“Nenhum cálculo pode, neste momento, nos apontar para dizer que a situação é de acomodação. Óbvio que a gente vai encontrar realidades diferentes no Brasil. Dentro desse país gigante, a gente vai encontrar padrões de adoecimento diferentes. Em alguns locais, que já se acelerou muito no início, hoje parecem números que estão em queda. Mas vem a pergunta: à custa de que? À custa de muita gente que adoeceu e muitas mortes que poderiam ser evitadas.”

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Na quinta-feira (30), a ONU fez um alerta sobre os riscos da abertura econômica sem o controle da pandemia. Em entrevista coletiva, a secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena, afirmou que não se pode tratar do assunto "sem que a curva de contágio esteja controlada".

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Aristóteles complementa, “Quando essa doença começa a se interiorizar, a gente liga muito o alerta. Porque além de pegar uma população que talvez não tenha a cobertura de serviços de saúde necessária, também vai pegar uma situação em que muitas pessoas serão descoladas, levadas para as capitais. Quando a gente fala que o Brasil tem várias pandemias, com várias realidades dentro dele, as pessoas podem escutar e pensar que é cada um na sua realidade. Mas não, a gente funciona como uma rede só. Não dá pra dizer que a pandemia está localizada.”

Na sexta-feira (31), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou sobre os riscos de uma segunda onda da covid-19  no Rio de Janeiro, Ceará e Maranhão. Com base nos dados do boletim Infogrip, que monitora a ocorrência da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no país, a Fiocruz identificou que as curvas de casos voltaram a subir nas últimas semanas de julho. 

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Nacionalmente, o número de novos casos têm relativa estabilização, no entanto em patamares considerados pela própria Fiocruz como “muito acima do nível de casos considerado muito alto”. O crescimento da SRAG observado em 2020 no país é substancial. Segundo o Portal da Transparência do Registro Civil, administrado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen- Brasil), entre março e julho do ano passado foram registrados 642 óbitos ocasionados pela Síndrome. No mesmo período deste ano, o número é superior a 10 mil mortes. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho