Rio Grande do Sul

PORTO ALEGRE

Catadores repudiam exclusão dos trabalhadores na construção da política de reciclagem

Nota cobra participação social para a construção de uma "cidade mais ecológica, inclusiva, solidária e sustentável"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Nesta segunda, será realizado um debate sobre os 10 anos da Lei Nacional de Resíduos Sólidos, com participação de representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis - Divulgação

“Por que excluir nossas associações e cooperativas? Quem ganha e quem perde com isso? Por que privatizar o trabalho?” Essas são questões levantadas por catadoras e catadores de materiais recicláveis de Porto Alegre, que assinam uma nota de repúdio à postura da prefeitura de Porto Alegre com relação aos projetos para instituir a Política Municipal de Logística Reversa. Assinado em conjunto por diversas cooperativas, associações e entidades da sociedade civil, o texto cobra a participação dos trabalhadores no desenvolvimento dos projetos de lei que tratam da reciclagem no município.

Na quarta-feira da semana passada (29), através de videoconferência, o prefeito Nelson Marchezan Junior (PSDB) apresentou projetos sobre descarte e destinação de embalagens, lâmpadas, pilhas, baterias, eletrônicos, pneus e medicamentos em desuso. “Nesta referida atividade nenhum representante das catadoras ou catadores foi convidado a participar. Nem sequer recebemos o convite e não seriamos nem citados no evento não fosse a promotora Annelise Staigleder colocar a necessidade de incluir a categoria neste debate e proposta”, afirma a nota.

O texto destaca ainda que o prefeito se referiu aos catadores e catadoras de forma pejorativa, desqualificando o trabalho, a profissão e o cooperativismo como forma de organização. “A logística reversa instituída como um dever na Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (2010) coloca a participação das associações e cooperativas de catadoras e catadores neste processo de estruturação dos sistemas de logística reversa”, lembra.

O grupo solicita a inclusão de suas entidades no debate e a construção de “uma proposta que realmente seja sustentável para nossa cidade” e conclama a sociedade portoalegrense a exigir transparência e participação civil no processo. “Não queremos que só as catadoras e catadores participem, mas sim toda a sociedade que almeja e luta por uma cidade mais ecológica, inclusiva, solidária e sustentável, todas e todos fazemos parte desta cidade, não queremos ser excluídos.”

Debate nesta segunda

Nesta segunda-feira (3), às 19h, o deputado Zé Nunes (PT) promove uma live sobre os 10 anos da Lei Nacional de Resíduos Sólidos. O debate terá a participação do vereador de Porto Alegre, Marcelo Sgarbossa, coautor da lei municipal que proíbe a incineração na Capital, do representante do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, Alex Cardoso e do Promotor de Justiça do MS, Luciano Loubet. Na ocasião, Alex vai falar sobre a situação dos catadores de Porto Alegre, desde a “proibição da circulação de carrinhos até a privatização das associações e cooperativas”.

Confira a nota na íntegra:

Nota de repúdio a postura da Prefeitura de Porto Alegre

Nós, catadoras e catadores de materiais recicláveis, organizadas/os nas associações e cooperativas, que trabalhamos nas Unidades de Triagem de Porto Alegre, repudiamos a postura da Prefeitura de Porto Alegre em relação ao processo de construção e encaminhamento da proposta de regulamentação da Política Municipal de Logística Reversa.

Recentemente, no dia 29/07, realizou-se uma live para tratar da Política Municipal de Logística Reversa. Nesta referida atividade nenhum representante das catadoras ou catadores foi convidado a participar. Nem sequer recebemos o convite e não seriamos nem citados no evento não fosse a promotora Annelise Staigleder colocar a necessidade de incluir a categoria neste debate e proposta.

Após a citação dela, as falas do Prefeito Nelson Marchezan Júnior foram muito pejorativas, desqualificando o trabalho e a profissão de catador de materiais recicláveis. E ainda desqualificando o cooperativismo como forma de organização. Segundo ele, as condições que as catadoras e os catadores hoje trabalham não são “adequadas” e não geram qualidade de vida para as pessoas.

Vale aqui ressaltar que a responsabilidade pela gestão dos resíduos sólidos segue sendo da prefeitura e que as unidades de triagem de Porto Alegre estão como estão pela falta de investimento da prefeitura. Hoje é repassado um contrato de prestação de serviços mísero para cada unidade, que não custeia o serviço, quem dirá valorizar o trabalho realizado por estes trabalhadores.

Em relação ao cooperativismo/associativismo, lembramos o senhor prefeito que é uma forma legal de organizar o trabalho, que garante os direitos trabalhistas sim a seus membros. E que com certeza teria mais benefícios se de fato os grupos fossem reconhecidos e valorizados como prestadores de serviço que são, e parte dos milhões repassados a empresas privadas para enterrar nosso resíduo fosse repassado para contratar as associações e cooperativas pelo trabalho realizado.

A logística reversa instituída como um dever na Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (2010) coloca a participação das associações e cooperativas de catadoras e catadores neste processo de estruturação dos sistemas de logística reversa.

O trabalho dos catadores e catadoras é reconhecido como profissão desde 2002 (CBO), o que significa que queremos continuar com este trabalho e que temos orgulho de ser quem somos. Com nosso trabalho geramos inclusão social daqueles que o mercado formal capitalista excluí, cuidamos do planeta, geramos renda, economia para o município e fazemos a maior parte do trabalho de reciclagem em parceria com a comunidade. O que está faltando é o reconhecimento e a valorização por parte do prefeito Marchezan e da prefeitura, para que possamos estruturar e desenvolver ainda mais nossas atividades.

Segundo informações colocadas pelo prefeito na live, já foram encaminhados para a Câmara de Vereadores os projetos de lei que tratam deste tema, entretanto não recebemos nenhuma informação da prefeitura quanto a este tema, tão importante para cidade e tão caro para nossa categoria.

Desta forma, além de repudiar a postura do Prefeito Marchezan e da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, conclamamos toda a sociedade portoalegrense a exigir transparência e participação da sociedade civil neste processo. Não queremos que só as catadoras e catadores participem, mas sim toda a sociedade que almeja e luta por uma cidade mais ecológica, inclusiva, solidária e sustentável, todas e todos fazemos parte desta cidade, não queremos ser excluídos.

E ao Poder Público Municipal, solicitamos a inclusão de nossas entidades no debate e construção de uma proposta que realmente seja sustentável para nossa cidade.

Por que excluir nossas associações e cooperativas? Quem ganha e quem perde com isso? Por que privatizar o trabalho? O maior problema econômico do mundo que gera fome, miséria e exclusão social não é falta de riqueza e sim a concentração dela.

Nós, catadoras e catadores, somos quem realmente recicla nesta cidade, nós somos os mais eficientes na geração de educação ambiental. Mesmo com pouco reconhecimento e sem valorização, geramos diretamente cerca de 600 postos de trabalho nas periferias, principalmente para mulheres chefes de família e pessoas excluídas dos postos de trabalhos formais. A privatização dos resíduos e dos serviços públicos não fazem parte de uma visão de economia circular, que preserve a vida, gere desenvolvimento, proteção ambiental e justiça social.

Porto Alegre, 03 de agosto de 2020.

Assinam esta nota:

Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR; União Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis do Brasil – UNICATADORES; Fórum das Unidades de Triagem de Catadoras e Catadores de Porto Alegre; Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada – ASCAT; Associação de Catadores da Padre Cacique; Associação de Resíduos Sólidos Domiciliares da Lomba do Pinheiro; Associação Comunitária de Mulheres na Luta – Anitas; Associação Anjos da Ecologia; Reciclando Pela Vida; Associação Sócio Ambiental irmão Antônio Cecchin; Associação de Reciclagem Ecológica Rubem Berta; Associação de Trabalhadores de Materiais Recicláveis Santíssima Trindade; Associação dos Trabalhadores da Unidade de Triagem do Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP; Cooperativa de Trabalho Socioambiental Mãos Unidas; Cooperativa de reciclagem de resíduos Sólidos Urbanos, Produção, Industrialização e Comercialização de Materiais Derivados dos Trabalhadores Autônomos do Bairro Restinga – COOPERTTINGA; Centro de Triagem da Vila Pinto – CTVP; Cooperativa de Trabalho e Reciclagem Campo da Tuca – COOPERTUCA; Associação de Catadores e Recicladores da Vila Chocolatão – ACRVC; Cooperativa de Educação Ambiental e Reciclagem Sepé Tiarajú – CEAR; Cooperativa Mãos Unidas Santa Teresinha; Sabor da Vitória – SDV Reciclando; Associação Caminho das Águas. Central Única dos Trabalhadores – CUT; Coletivo Cidade Mais Humana; Apoena Socioambiental; Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN; Fórum Municipal de Educadores e Educadoras Sociais de Porto Alegre; Atua Poa; Coletiva Feminista Outras Amélias, Mulheres de Resistência e Luta; 8M Greve Internacional de Mulheres - Porto Alegre; Coletivo Virginias; Unisol RS; Central Justa Trama; Cooperativa Univens; Projeto Fora?; Morador de Rua Existe; Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia; Comissão de Ética e Direitos Humanos do Conselho Regional de Serviço Social; Coletivo Feminista-Classista Alexandra Kollontai; Instituto Zoravia Bettiol; Agência Livre da Informação, Cidadania e Educação – ALICE; Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito; Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB/RS; Preserva Belém Novo; Fórum Regional de Planejamento; Marcha Mundial das Mulheres; Movimento Preserva Zona Sul; Guayí; Atua Poa - Todxs nós; Centro de Assessoria Multiprofissional – CAMP; Associação do Voluntariado e da Solidariedade – Avesol; Fundação Luterana de Diaconia – FLD; Núcleo de Estudos e Pesquisas Terra, Trabalho e Política Social, Departamento de Serviço Social – UFRGS; Caritas Brasileira - Regional do Rio Grande do Sul.

Edição: Marcelo Ferreira