Pernambuco

DIVERSIDADE

Dia dos Pais: “Trans também são pais e não são menos pais porque são trans"

Homens trans enfrentam opressão e falam sobre a importância e desafio do reconhecimento da paternidade transgênero

Brasil de Fato | Recife (PE) |
João, Lis e Letícia enfrentam o preconceito e transfobia para que haja o reconhecimento da paternidade - Arquivo Pessoal/João de Matos

"Se o mundo não me enxerga como pai, mas se a minha criança me enxerga, para mim, isso é suficiente", afirmou o designer criativo Apollo Arantes, que está gestante de 8 meses. Nesse domingo de agosto é comemorado o Dia dos Pais, o dia daquele homem que de acordo com os padrões criados pela sociedade, educa, cuida, acolhe e dá carinho aos seus filhos e filhas. Mas esse homem não é necessariamente é cisgênero.

Apollo é casado com a ativista e assessora parlamentar Amanda Palha, que é travesti, e após começarem a parar o uso de hormônios e começarem a pensar em métodos contraceptivos, decidiram engravidar para viver a experiência da parentalidade juntos. "Seria muito gostoso pra gente de compartilhar isso, de compartilhar a educação de uma criança independente de estarmos juntos como casal, não é como se  o bebê fosse uma liga da relação, mas compartilhar uma história e tudo o que a gente tem de admiração um pelo outro", afirmou o gestante.

Já o ativista e integrante do Movimento Independente de Homens Trans e Transmasculinidades de Pernambuco (MOVIHT-PE),  João de Matos, a paternidade veio de uma forma diferente como pai socioafetivo de Lis Sophia, 4 anos, filha da sua companheira Letícia Lira em um relacionamento anterior. "A paternidade é difícil, mas é a melhor coisa que você pode vivenciar. Nada pode te fazer menos pai, só a própria pessoa pelo modo que ela lida com aquele filho, pelo modo como ela o trata", afirmou João, que percebe a importância de mostrar para a sua filha a importância do respeito "Aqui em casa a gente vai muito nessa linha de mostrar que existe a diversidade para ela e ensinar que a gente tem o dever de respeitar o próximo, independentemente de qualquer coisa".

Apesar da diferença nas formas que a paternidade chegou às suas vidas, Apollo e João viveram a transfobia nessa relação. "O preconceito se mostra desde a fila preferencial, porque você é questionado por estar ali. Eu nunca vi ninguém questionar uma pessoa estar ali, mas eu sempre fui questionado e nunca uma vez só. Aí os espaços de saúde não tratam a gente dá forma adequada e outros detalhes do dia-a-dia como entrar no banheiro masculino que fica difícil com essa barriga", afirmou Apollo.

Ele também percebe um desrespeito diante dos serviços de atendimento médico “já fui à emergência e precisando de atendimento, mas tive que explicar que eu sou um homem trans antes de ser atendido. Imagina você chegar passando mal e ter que se explicar para ser atendido. Além disso, eu que já sou retificado preciso colocar que eu sou do sexo feminino para realizar um exame, principalmente os ginecológicos, senão eu não consigo fazer".


Apollo está indo para a fase final da gestação de Linda Leone / Arquivo Pessoal/Apollo Arantes

E essa dificuldade com a qual Apollo se deparou no atendimento médico, lhe rendeu dificuldades "Uma médica no começo da minha gestação me passou progesterona sem fazer nenhum tipo exame, imaginando que meu nível de progesterona estaria baixo. Depois que eu fiz a utilização da progesterona, eu desenvolvi hiperêmese, que é praticamente uma intoxicação pelos hormônios da gestação e desde o segundo mês eu vomito todos os dias" explica.

João percebe o preconceito nos espaços onde vai com sua filha pelos olhares das pessoas e comentários pela transexualidade e também por ser pai socioafetivo. "Eu chego em algum espaço com a minha filha e as pessoas me olham assim com aquela cara de dúvida 'como assim você é pai?'. Aí vem primeiro a transfobia por não me enxergarem por quem eu sou, que é homem, e segundo por não validar a minha paternidade", afirmou o ativista, que percebe como é difícil lidar com esses momentos, "É um desgaste mental muito grande, porque você tem que estar sempre reafirmando"

Apesar de Apollo ainda não ter vivenciado esses comentários e o preconceito que existe aos pais trans,  já é algo que ele discute com a sua esposa “"Eu enxergo muito como um desafio, mesmo, e a gente fica pensando como essa criança vai ser recebida fora de casa, porque ela tem um pai e uma mãe que são trans e quais as informações ela vai receber à respeito disso”, afirmou o ele, que, apesar de perceber a dificuldade, entende que as pessoas trans sempre encaram os desafios impostos pela sociedade mesmo sem refletir sobre eles antes “Em nenhum outro momento da vida a gente pôde analisar e refletir antes, a gente sempre teve que enfrentar isso. Acho que a paternidade tem que ser validada pela criança, ela me entender como pai, ela entender a Amanda como a mãe dela".

Homenagem

Para comemorar o dia dos pais e dar visibilidade aos pais transgênero, o Movimento Independente de Homens Trans e Transmasculinidades de Pernambuco (MOVIHT-PE) está realizando homenagens voltadas á paternidade trans que existem encarando todos os preconceitos. "Para o dia dos pais, a gente teve a ideia de fazer uma chamada para os homens trans que tem filho ou que estão gestando mandarem fotos e uma frase falando o que é ser pai ou o que representa a paternidade para eles para postarmos e mostrar que homens trans também são pais e que não são menos pais porque são trans", afirmou João. 

O movimento começou a partir de um grupo do whatsapp que passou a ficar pequeno para os debates e inquietações dos integrantes, então decidiram criar um movimento que pudesse agregar mais pessoas e pautas de luta das pessoas transsexuais. "O MOVIHT é formado por pessoas de diversas organizações e a gente tem interesse de fortalecer a luta e levantar a pauta da população transmasculina do estado de Pernambuco, porque é uma população que ainda é muito invisibilizada. Queremos mostrar que a gente existe e as nossas demandas", concluiu o militante.

 

Edição: Vanessa Gonzaga