risco enorme

Volta às aulas em SP? Cenário é de insegurança pura, diz especialista

O médico Marco Akerman fala sobre o risco da volta às aulas presenciais em meio à pressão econômica

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Eu acho que a palavra chave é incerteza e insegurança", afirma o médico Marco Akerman sobre a volta às aulas presenciais - Marcelo Camargo/ABr

“O abismo entre um lugar e outro e no meio as crianças andando e caindo pedaços da ponte, eu acho que a volta as aulas é um pouco isso. São as crianças entrando num ponte suspensa. Lá embaixo, o abismo, e a ponte é frágil”, afirma o médico e professor do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, Marco Akerman, ao descrever uma charge da cartunista Laerte Coutinho, que, pra ele, representa exatamente a retomada do ensino presencial, neste momento: “uma grande incerteza”.

São Paulo adiou a volta as aulas para o dia 7 de outubro, após o comitê de saúde do estado avaliar que ainda não havia segurança suficiente para o retorno das atividades escolares no próximo mês. 

Mas o governador João Dória (PSDB), que afirmou estar com covid-19, determinou que a partir do dia 8 de setembro escolas públicas e particulares possam reabrir para a realização de atividades de reforço e acolhimento em regiões do estado que tenham permanecido na fase amarela do Plano São Paulo por pelo menos 28 dias. A decisão final caberá aos prefeitos e escolas.

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O estado já registrou mais de 25 mil mortes e 639 mil infectados. A capital concentra 40% dos óbitos - com 10.311 notificações, tem 224 mil confirmações da doença-, e informou que não liberou as aulas presenciais a partir de setembro. De acordo, com a Secretaria Municipal de Educação, o município aguarda dados do inquérito sorológicos para crianças de 4 a 14 anos.

Assim como está previsto no plano de retomada das atividades presenciais, para o retorno opcional em setembro será preciso respeitar um limite de lotação conforme a etapa de ensino. Para o ensino infantil e o ensino fundamental nos anos iniciais (do 1º ao 5º ano), a ocupação máxima das unidades escolares será de 35%. Já para o ensino médio e os anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano), este limite será de 20% dos alunos.

Já a partir do dia 7 de outubro, a previsão é que a volta às aulas seja feita em três fases. Na primeira etapa, até 35% dos estudantes poderão voltar às escolas, com preservação de um 1,5 metro de distância entre eles, tanto na sala de aula, no transporte escola, refeitório e atividades coletivas. Na segunda etapa, concomitante ao avanço das regiões para a fase 4-verde do Plano São Paulo por 14 dias, voltam até 70% dos estudantes, com os mesmos protocolos. Se o controle da pandemia se mantiver na fase 4-verde por mais 14 dias, poderão voltar 100% dos estudantes.

Embora a volta às aulas em São Paulo seja rejeitada por 63% dos paulistanos, de acordo com a pesquisa Viver em São Paulo – Pandemia, realizada pelo Ibope em parceria com a Rede Nossa São Paulo, a liberação parcial vai de encontro com ao interesse das instituições privadas, que poderão iniciar um programa de retomada das atividades presenciais, melhorando suas receitas. O setor é o que mais pressiona pela volta às aulas e reivindicava retornar mesmo que a rede pública não o fizesse.

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Mas professores e sindicatos da rede pública resistem a um anúncio de retorno do ensino sem a previsão de que a pandemia esteja efetivamente controlada. Eles denunciam falta de estrutura das unidades, de profissionais, sobrecarga dos protocolos para a escola e a responsabilização dos pais sobre mandar ou não os alunos para a escola.

Para Akerman, a única certeza é que o vírus não atinge as crianças com gravidade, apesar de alguns casos, os sintomas são mais leves. Mas as crianças e os jovens moram com adultos, avós, então a questão não é com a criança em si, mas levar de volta para casa o vírus.

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Nesta semana, o Amazonas foi o primeiro estado do país a retomar as aulas presenciais na rede pública de Manaus. Mas dois dias depois de volta às aulas, casos de covid fazem escolas da capital suspenderem atividades.

Diante deste cenário, o médico e especialista Marco Akerman conversa com o Brasil de Fato sobre os riscos que as aulas presenciais podem representar em São Paulo e no Brasil.

Confina à entrevista na íntegra:

Brasil de Fato - Um dos argumentos do governo para o retorno dos estudos presenciais é um controle do vírus em São Paulo, mesmo ainda com um número elevado de casos e óbitos. O senhor considera que esse nível razoável para volta as aulas?

Marco Akerman - A gente tem aumentado o número de teste isso é bom, mas ainda não é suficiente para avaliar o contato e a nossa vigilância epidemiológica ainda está falha. A gente tem que saber se essas crianças tiveram o contato ou não, tiveram casos ou não. A gente pode até ter um pouco de controle sobre as crianças, mas acho que ainda não conseguimos estabelecer uma relação das crianças com as suas famílias. Essa conexão que precisava estar mais bem trabalhada em todo sistema educacional, em conjunto com a saúde e a vigilância epidemiológica.

O problema é que a gente falava sempre em achatar a curva. Achatamos no topo e agora precisamos que ela decresça, reduza o número de contágio,  de mortos. Temos média de mil mortos por dia, acho que temos que tomar esse cuidado.

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A OMS através da OPAS, que é oficina sanitária da América Latina previu 88 mil mortes no início de agosto e nós estamos com mais de 100 mil. A universidade de George Washington, previu 112 mil mortes no início de agosto. A preocupação é que a gente não consegue achatar ainda a média móvel de mortes.

E dá para fazer uma projeção de contágio caso as aulas presenciais retornem?

Em outubro é provável que a gente tenha um outro quadro, que é móvel e bastante dinâmico. A volta às aulas pode configurar-se na segunda onda. Não é a toa que muitos municípios abrem e fecham, porque eles abram por pressão e fecham porque começam a olhar os números.

Outra coisa que causa preocupação é: quem decide na família? A família às vezes tem dificuldade, quer que o filho continue estudando aprendendo. Tem o Enem vindo aí.

Para o pai tomar essa decisão sozinho, é uma decisão individual, a gente precisava estar assumindo mais riscos coletivos, decisões coletivas. Então de novo volta a decisão para cada família, pai.

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Os professores estão resistindo também, inclusive, estão sendo criticados por não querer voltar, mas a posição dos professores não é de desprezo à volta as aulas, mas sim de  preocupação, porque muitos também estão no grupo de risco.

Outra preocupação também é o sofrimento mental das famílias, das crianças, dos professores. Nós só estamos preocupados com a questão da infecção, mas nós temos também lidar com a saúde mental das pessoas, que têm um sofrimento psíquico muito grande.

Os protocolos sanitários anunciados pelo governo de São Paulo sob supervisão dos professores e escolas, são suficientes para controlar o vírus na volta às aulas?

Precisamos formar um comitê que una estudantes, professores, governo, diretoria, a comunidade, de forma que a gente construíssse um pacto comum, uma decisão coletiva assumida por todo mundo.

Nós estamos com uma dificuldade. Acho que é reflexo de como o Brasil está sendo governado. Há uma falta de articulação entre o nível federal, estadual e municipal. Quando chega na horizontalidade, que é no local, nós também não estamos conseguindo articular possibilidades de conexão entre pais, escolas, professores estudantes, em que todo mundo pudesse falar e todo mundo pudesse tomar uma decisão, comum. Nós teríamos um projeto coletivo de volta às aulas.

Quais critérios sanitários deviriam ser atingidos para uma volta as aulas mais segura?

Álcool em gel, sabonete nas salas, ter mascaras dentro das escolas. Quando as crianças esquecerem suas mascaras, manter as medidas de higiene  importantes. A gente tem que saber se as escolas estão preparadas para isso. Esse nível micro das praticas higiênicas individuais as escolas vão ter que cuidar disso também.

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A testagem em massa é uma coisa do governo, junto com a questão da vigilância epidemiológica, o programa de saúde da família vai ter que entrar em cena para poder visitar as famílias caso alguma criança tenha sintomas, vai ter que pensar o isolamento, entender quando uma criança pode entrar na sala de aula ou não. Vão ter que ter medidas, pensar a coisa da criança com febre e com sintomas, as pessoas vão ter que estar preparadas para isso também.

Tem um conjunto de questões que a gente põe uma grande interrogação se nós vamos conseguir construir todo esse protocolo sanitário.

Na avaliação do senhor é o momento de volta às aulas?

A USP decidiu não voltar as aulas presenciais esse ano, por exemplo, isso é um sinal de que a própria universidade, que talvez tenha até uma estrutura maior está assumindo que ainda não estamos preparados para a volta às aulas. Mas com as crianças a complexidade é outra, principalmente, nas escolas públicas. Tem a questão do cuidado, os pais precisam ir trabalhar, a alimentação. 

Talvez tenha que olhar para cada escola em particular. Se fecha aquela escola. A gente vai ter com o apoio da Secretaria Municipal de Saúde e das Unidades Básicas de Saúde fazer uma observação mais minuciosa de cada escola também.

Temos que esperar outubro para observar. Hoje não dá para voltar, tanto é que vamos voltar só em outubro. Mas, até lá, nos temos que continuar observando, continuar vendo. Tem o mês de agosto, setembro para observar isso e o governo, se for o caso, tomar a decisão corajosa de não voltar as aulas.

Tem que escutar, ter paciência, flexibilidade e não assumir decisões autoritárias.

Edição: Rodrigo Durão Coelho