Rio Grande do Sul

LUTA DOS DE BAIXO

População de rua protesta contra abandono e descaso da prefeitura de Porto Alegre

Ato que relembra os 16 anos do Massacre da Sé denuncia violência e mortes que seguem vitimando quem não tem onde morar

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Protesto critica falta de diálogo do prefeito Marchezan que deu as costas à população de rua durante a pandemia - Divulgação

Há 16 anos ocorria o Massacre da Sé, em que sete pessoas em situação de rua foram espancadas e assassinadas enquanto dormiam na Praça da Sé, na cidade de São Paulo. Dias depois, mais uma morte, dessa vez uma testemunha do primeiro atentado. Até hoje, os crimes continuam impunes e se reproduzem em novas mortes e outras diferentes formas de violência e invisibilização.

O Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) converteu o dia 19 de agosto em dia de luto e de luta, promovendo anualmente manifestações em diversas cidades brasileiras. Na tarde desta quarta-feira (19), em frente à prefeitura de Porto Alegre, integrantes do movimento e apoiadores realizaram um ato simbólico em memória de todos os que se foram neste violento episódio e também daqueles que sofrem e morrem devido à falta de políticas públicas para conseguir vencer a situação de rua.

Com cruzes de madeira, chapéus de papelão questionando “cadê minha casa?” e cartazes e faixas com dizeres como “nossos mortos têm voz” e “pandemia do descaso, sou população de rua e não me calo”, o protesto denunciou o descaso e a falta de efetividade do governo de Nelson Marchezan Junior (PSDB). Confirme destaca a educadora social e apoiadora do MNPR-RS Veridiana Machado “a prefeitura não oferece políticas públicas efetivas para essa população, principalmente em época de pandemia. Então a gente foi lá e fez um ato simbólico de luto e luta, em alusão a essas pessoas que morreram e às que continuam sendo exterminadas”.


Ato iniciou no Largo Zumbi dos Palmares e seguiu em caminhada pelo centro da cidade até a prefeitura / Divulgação

Com um carrinho contendo uma caixa de som, a população de rua deixou seu recado a Marchezan. Além de denunciar o fechamento de restaurantes populares e albergues e a redução das política de saúde, assistência social e direitos, o movimento cobrou a retomada dos diálogos que existiam desde 2014, com o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, e foram encerrados pela atual gestão. “Nossa voz foi calada. No Comitê a gente podia dialogar com o DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação), a FASC (Fundação de Assistência Social e Cidadania), o pessoal da educação, a gente tem tudo isso para conversar. Depois que Comitê acabou, a agressão voltou a acontecer, a gente quer retomar porque a gente também tem o direito”, critica o integrante do movimento Edson Campos.

Se uniu à manifestação a Frente Quilombola do RS, que contribuiu com um lanche para a população de rua. Conforme Onir Araújo, advogado e militante da Frente, foi uma singela ação que faz parte de um cronograma que, com o apoio de parcerias, vem produzindo marmitas no Quilombo dos Machado. A distribuição de alimentos é um esforço permanente que visa o apoio de pessoas em vulnerabilidade social e teve no dia 10 de agosto sua primeira entrega no Centro de Referência Afro-indígena.


Quilombo Machado ofereceu um lanche à população de rua / Gilnei J. O. da Silva

“Participamos do ato do MNPR-RS em função dos 16 anos do Massacre da Sé e também denunciando o quadro grave que se encontra a população de rua na crise sanitária em Porto Alegre. Nós acompanhamos toda a luta do Movimento exigindo recursos para que a FASC e o poder público municipal subsidiem, frente à denúncia permanente em função do fechamento de abrigos durante a pandemia e questões envolvendo saúde básica, com a extinção do Imesf e a privatização dos postos. Isso tem um impacto devastador nessa população que é majoritariamente negra”, afirma Onir.

Conforme Veridiana, “é bem simbólico a gente fazer um café e tomar com a população de rua porque a alimentação também não está garantida e inclusive está diminuindo com este governo”. Além da Frente Quilombola, o Sindicato dos Petroleiros do RS (Sindipetro-RS) e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) também apoiaram a manifestação, com a doação de camisetas pretas e máscaras pretas com símbolos do movimento. “A partir do apoio desses parceiros da luta sindical a gente tem conseguido mais uma vez fazer o ato simbólico de luto e luta da população de rua, que está acontecendo em diversos outros estados do país”, explica.

Articulação dos de baixo

O advogado ressalta que a Frente Quilombola e o MNPR estão juntos em diversas lutas, como na defesa da Escola Porto Alegre (EPA), que atende essa população e há 10 anos corre risco de extinção, bem como na Ocupação Zumbi dos Palmares, em 2018, junto ao aeromóvel. “Viemos de uma caminhada coletiva e conjunta com os oito quilombos urbanos de Porto Alegre sendo um suporte e uma base de apoio e referência, na medida em que estamos territorializados, para os irmãos que se encontram nessa situação de rua.”


Para a população de rua, a pandemia também é do descaso / Gilnei J. O. da Silva

Como recorda Onir, no dia 4 de junho foi entregue à prefeitura uma pauta conjunta das comunidades indígenas, quilombolas, população de rua e profissionais da Saúde. “Até agora não obtivemos nenhuma resposta, segue um vazio em termos de protocolos que permitam que os quilombos, a população de rua e os indígenas tenham condições de cumprir o que determina a Organização Mundial de Saúde (OSM) em relação aos cuidados com a covid-19”, critica. “Nosso trabalho é contínuo e permanente de articulação dos de baixo”, conclui.

“A gente espera uma posição do prefeito, se ele não quer chegar perto da gente, saiba que nós também podemos fazer reunião em live, como é feito agora. A gente está aqui protestando pela morte das pessoas em situação de rua que acontecem, pelas agressões, a gente quer diálogo”, afirmou Edson Campos.

No final do ato, em roda, os manifestantes fizeram um minuto de silêncio em nome de todos os companheiros que morreram, “seja por agressão, por descaso das políticas públicas e até mesmo policiais”. Em seguida, pronunciaram o nome de pessoas que se foram e hoje são força na luta de quem vive nas ruas e não deixa de cobrar por seus direitos.

Debate nesta quinta-feira

Em 2020, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EPA) completa 25 anos de resistência no atendimento à população em situação de rua e vulnerabilidade social na capital gaúcha. Para debater a situação da instituição e da população de rua, o Brasil de Fato RS e a Rede Soberania promovem um debate, nesta quinta-feira (20), às 15h.

Participam Veridiana Machado e Edson Campos, citados na matéria, o diretor da EPA, Beto Klein, e a vice-diretora da EPA, Milena Teixeira.


Debate ocorre nesta quinta-feira / Divulgação

Edição: Katia Marko