Agressão

"Minha vontade é encher tua boca na porrada": denúncia no STF e um milhão de tuítes

Pergunta de repórter mobilizou as redes: “Presidente, porque sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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No primeiro semestre de 2020, foram mais de 200 agressões de Bolsonaro contra jornalistas - Sergio Lima / AFP

"Eu vou encher a boca desse cara na porrada”. A frase dita pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante coletiva de imprensa neste domingo (23) motivou uma denúncia contra o presidente no Supremo Tribunal Federal (STF) por crime de constrangimento. 

A frase foi dita pelo presidente após ser questionado por um jornalista do Globo sobre os cheques que Fabrício Queiroz enviou para a primeira-dama Michelle Bolsonaro, num montante de R$ 89 mil. "Minha vontade é encher tua boca na porrada, tá?", insistiu Bolsonaro.

Para a parlamentar Natália Bonavides (PT-RN), autora da denúncia no STF, os ataques por parte do presidente, "estão cada vez mais graves".

"Em maio deste ano, bolsonaristas agrediram jornalistas que cobriam manifestação em Brasília e o presidente, que estava presente no ato, não demonstrou nenhuma desaprovação. Agora, o próprio Bolsonaro ameaçou agredir um jornalista. Há uma escalada de autoritarismo que precisa parar”, ressalta. 

De acordo com a denúncia apresentada pela deputada federal, a atitude de Bolsonaro pode ser enquadrada no artigo 146º do Código Penal, que prevê o constrangimento ilegal: "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". A consequência da conduta é a detenção de três meses a um ano ou multa.

A agressão também levou o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) a reiterar a necessidade do afastamento de Bolsonaro da Presidência da República. Segundo Juliana Cézar, coordenadora geral do sindicato, “o único caminho que existe agora é mesmo o impeachment”.

“É uma ameaça literal de uma agressão física não apenas contra o jornalista, mas também a todos os jornalistas, a sociedade brasileira e em último caso a própria democracia”. 

Em 2019, segundo uma pesquisa da Federação Nacional dos Jornalistas, foram 121 agressões do presidente contra a categoria. Apenas no primeiro semestre deste ano, a conta já ultrapassou 200 agressões. “Há por parte do presidente e de seus seguidores uma tentativa de blindagem do governo contra qualquer tipo de crítica, mesmo aos questionamentos que dizem respeito a denúncias de corrupção”, afirma Cézar. 

A pergunta de um milhão

A agressão contra o jornalista levou a uma expressiva repercussão nas redes sociais e no mundo político. São mil publicações a cada 40 segundos no Twitter questionando a transferência de dinheiro entre Queiroz e Michelle Bolsonaro, de acordo com o pesquisador em mídias sociais Fabio Malini. Até às 3h desta madrugada (24), foram 1.035.521 de tuítes com a frase “Presidente @jairbolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”, segundo o pesquisador. 

O questionamento nas redes foi compartilhado por jornalistas, artistas e políticos, como Míriam Leitão, Guga Chacra, Vera Magalhães, Marcelo Tas, Xico Sá, João Pedro Stédile, Maria Rita, Fernanda Paes Leme, Bruna Marquezine, Anitta, Paolla Oliveira, Felipe Neto, Whindersson Nunes, Fábio Porchat, Alice Wegmann, Nando Reis, Camila Pitanga, Bruno Gagliasso, Caetano Veloso, Leandra Leal, entre outros.


A nuvem de palavras-chave mostra que Jair Bolsonaro está, de longe, entre os assuntos mais comentados na rede social / Fabio Malini

Entre os políticos

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que a "liberdade de imprensa é um valor inegociável na democracia” e que espera um tom menos agressivo do presidente da República nos próximos dias. Da mesma maneira, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, lamentou “a volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas”.

A presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann afirmou em suas redes sociais que “Bolsonaro perde as estribeiras quando indagado sobre depósitos de Queiroz para primeira-dama Michelle e ameaça jornalista. Esse é o presidente do Brasil, não suporta a democracia e a liberdade de imprensa e é agressivo quando confrontado com a verdade”.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) também se posicionou. Em sua conta no Twitter, ele afirmou que Jair Bolsonaro “é o presidente que, mesmo distante da Rio das Pedras, não deixa de ser um miliciano”. Seu colega de partido, Carlos Giannazi, deputado estadual em São Paulo, afirmou que “o mundo repercute a total incapacidade e o baixo nível do presidente do Brasil para o cargo que ocupa! Vergonha mundial!”. 

Do PCdoB, a deputado federal carioca Jandira Feghali sugeriu: “já que Bolsonaro ficou constrangido com a pergunta de um repórter sobre os depósitos de Queiroz na conta da primeira-dama, que tal se todos passassem a confrontá-lo sobre isso? Inclusive com faixas, cartazes e outdoors?”, questionou a parlamentar. E emendou: “Vai querer encher de porrada o outdoor, presidente?”. 

Entre organizações da sociedade civil

Edison Lanza, o relator de liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), também se pronunciou sobre o caso. "Não consigo encontrar um exemplo da hostilidade mais grosseira de um alto funcionário à imprensa e de expor o jornalista à violência", afirmou em sua conta no Twitter. 

O relator irá analisar uma representação feita pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), neste domingo (23) à CIDH solicitando o acompanhamento das violações contra a liberdade de imprensa no Brasil.

"Por meio da ameaça de violência, busca-se intimidar seus críticos e os calar, ou seja, verdadeiramente constranger ilegalmente o repórter a exercer sua profissão. (...) Caso o ato persista, os profissionais de imprensa poderão ser acometidos por espécie de autocensura, receosos de serem perseguidos pelo mero exercício da profissão", defendeu o parlamentar na representação.

Diante do ocorrido, Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Artigo19, Conectas Direitos Humanos, Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB e Repórteres sem Fronteiras publicaram uma nota na qual condenam a ameaça de Bolsonaro “foi não apenas incompatível com sua posição no mais alto cargo da República, mas até mesmo com as regras de convivência em uma sociedade democrática”.

As organizações lembram que este é mais um capítulo do histórico de hostilidade de Bolsonaro contra a imprensa e que “marca um novo patamar de brutalidade”. O comportamento do capitão reformado estimula, desde a campanha presidencial em 2018, seus apoiadores a agirem da mesma forma com jornalistas. As agressões físicas se tornaram tão iminentes que jornalistas precisaram deixar o “cercadinho” do Palácio do Alvorada. 

Edição: Leandro Melito