QUESTÃO FUNDIÁRIA.

Conflito pela terra em PE é denunciado à Comissão de Direitos Humanos da Câmara

Da zona da mata ao sertão, agricultores familiares e comunidades indígenas denunciam ofensiva contra os territórios

Brasil de Fato | Recife (PE) |
No território Pankararu, no sertão do estado, as ameaças de morte são públicas - Reprodução

Os conflitos fundiários têm se acirrado nos últimos meses com ameaças e denúncias por todo o País, e em Pernambuco isso não é diferente. Houve um aumento das denúncias de ameaças e de conflitos fundiários na Região Metropolitana do Recife, na Zona da Mata e no Sertão, incluindo disputas por territórios tradicionais que já tiveram decisão confirmando a propriedade dos povos originários sobre a região.

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Na última terça-feira (25), foi denunciado, na reunião da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, pelo deputado Carlos Veras (PT-PE), que cinquenta famílias que vivem no Engenho Batateiras, localizado no município de Maraial, na Zona da Mata, foram encurraladas em suas casas e tiveram todas as estradas de acesso aos sítios bloqueadas, inclusive a de uma via pública. Isso por que o empresário alagoano Walmer Almeida da Silva alega que teria adquirido a área onde vivem as famílias e vem tentando expulsá-las da região. As famílias estão há 70 anos no local e que vivem dos frutos da agricultura familiar.

Após a denúncia, o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT-ES), acionou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, a Procuradoria Geral de Justiça, a Defensoria Pública do Estado e o Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco (ITERPE) por meio de ofícios solicitando que sejam tomadas medidas urgentes de proteção às famílias e ao território. Além disso, o documento solicita a apuração de eventuais crimes e irregularidades.


Desde o mês de junho, as famílias do Engenho Batateiras relatam que estão sendo alvos de uma série de violações de direitos / CPT PE

No fim do mês de agosto, os moradores tiveram uma reunião com a Prefeitura de Maraial sobre a situação. Depois disso, o empresário autorizou a abertura de um dos acessos. "Agora, está uma porteira aberta e as outras fechadas. Aí, a gente está na luta para ele abrir os acessos para a gente ficar de fato livre, porque a gente se encontra ameaçado morte", afirmou uma das moradoras, que preferiu não revelar a sua identidade, já que os conflitos se intensificaram nas últimas semanas.

Na Zona da Mata Sul, no Engenho Fervedouro (Jaqueira), cerca de 75 famílias posseiras enfrentam um conflito fundiário com a empresa Agropecuária Mata Sul S/A,. Desde 2015, a empresa reivindica a posse do terreno de aproximadamente 5 mil hectares, chegando a entrar com um processo para reintegração de posse em 2018. 

A empresa é arrendatária das terras da Usina Frei Caneca, que funcionava no local, foi à falência e deixou 123 processos correndo na Justiça do Trabalho. Grande parte dos moradores foram funcionários da usina e moram no local desde a época que trabalhavam nela, há mais de 60 anos.


Engenho Fervedouro, uma das áreas em conflito na Zona da Mata pernambucana / CPT PE

“A gente vê como a justiça está tratando os pequenos agricultores da agricultura familiar, pois em plena pandemia a gente não pode fazer nada. Eles vêm com capanga, com polícia e tudo contra os nossos companheiros de luta pela terra”, afirmou um dos moradores do engenho que também preferiu não se identificar. Os moradores vêm denunciando nos últimos meses o acirramento do conflito, com tentativas de homicídio, a prisão de moradores e a contaminação das plantações com agrotóxicos.

Região Metropolitana

Na Região Metropolina de Recife, cerca de 900 pescadores e pescadoras do bairro de Barra de Jangada, em Jaboatão dos Guararapes, temem perder a área onde se encontra a sede da Associação de Pescadores de Barra de Jangada (APBJ). A Etasa Empreendimentos Turísticos S/A está reivindicando a posse do local, apesar de o terreno ser em uma área de Marinha. Desde 2003, a cessão é da associação, mas a propriedade do terreno é da União. 


A sede está localizada em uma área de Marinha, ou seja, a posse é da associação há quase 20 anos, mas a propriedade do terreno é da União / Eddie Rodrigues/Salve Barra de Jangada

“A gente denunciou para o Ministério Público Federal desde janeiro e estamos aguardando que pelo menos seja marcada uma audiência. O ano está terminando e até agora nada”, lamentou o presidente da APBJ, Lot Bernardino de Sena. “Enquanto isso, estamos vivendo conflitos entre os jagunços deles e os pescadores, bloqueando os acessos e intimidando os trabalhadores”, acrescentou.

Sertão

No território Pankararu, em um terreno de 8.100 km² localizado entre os municípios de Jatobá, Petrolândia e Tacaratu, no sertão pernambucano, ex-posseiros perseguem lideranças locais e causam insegurança. Eles estão descumprindo uma decisão judicial de 2017 que reconhecia os direitos territoriais do povo Pankararu. 

Desde então, os indígenas vem sofrendo com ameaças, invasões e com o desrespeito à cultura da comunidade, já que árvores consideradas sagradas estão sendo cortadas e lavouras destruídas. No final de julho, foi colocada uma placa com mais de 10 nomes de lideranças locais que estariam marcadas para morrer. 

"Tem que vir para nós, o povo Pankararu, a paz social, a certeza de ir e vir sem ser atingido ou violentado. É isso que estamos esperando, uma resposta das autoridades, porque estamos desprotegidos em todos os aspectos jurídicos e morais", afirma Zé Índio, um dos caciques Pankararu.


A luta pela demarcação do território passou por diversas instâncias e gerações e até hoje segue com repercussões / Reprodução

A liderança também questionou o fato de que ainda existem cinco famílias de posseiros residindo no local, um descumprimento da decisão da justiça. “O que a Fundação Nacional do Índio (Funai) precisa é exercer o seu verdadeiro papel e cumprir a determinação da justiça, tirar essas famílias posseiras que ficaram, pagar elas para elas saírem e investigar porque elas ainda estão lá. Porque esse pessoal ficou aí sem ser índio? Quem está por trás disso? Quem está por trás dessas ameaças?”, questiona. 

Caderno de Conflitos no Campo 2019

Só em 2019, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou no Caderno de Conflitos no Campo 1.833 conflitos por todo o país, isso representa um aumento de 23% em relação a 2018 e o maior número registrado pela comissão nos últimos 14 anos. Entre eles, 1.254 envolviam questões relacionadas à posse de terras e 1.206, alguma forma de violência provocada por supostos proprietários ou grileiros. Esse foi o maior número de ocorrências de conflitos por terra já registrado pela CPT desde 1985. 

Em Pernambuco, ainda de acordo com a CPT, há uma tendência muito forte de crescimento desses conflitos, não só na questão da luta pela terra, mas também acompanhada de violências, ameaças, intimidações e atentados. Uma das regiões em que os conflitos têm se acirrado é a Zona da Mata. Famílias vêm sendo alvo de conflito com empresas imobiliárias arrendatárias de usinas falidas com o objetivo de retirar os moradores, agricultores e posseiros e utilizar as terras para a especulação imobiliária. 

Segundo o relatório da CPT, o principal foco dos ataques aos povos originários sobre os territórios é para permitir a exploração de madeira, minério, fazer expansão agrícola de fazendas ou especulação imobiliária. Em 2019, 244 ocorrências de conflito por terra envolveram territórios tradicionais, 20% do total; o que resultou em 9 indígenas assassinados, sendo 7 lideranças. O número representa o maior número de lideranças indígenas assassinadas dos últimos 11 anos. Até o fechamento desta reportagem, não recebemos resposta da FUNAI sobre as famílias posseiras que permanecem no território e sobre a atuação do órgão quanto à situação.

 

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga