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As instituições estão funcionando

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A agência de checagem 'Aos Fatos' apurou que, em 602 dias como presidente, Bolsonaro deu 1.541 declarações mentirosas ou distorcidas. Mas as instituições estão funcionando. - Carolina Antunes / Agência Brasil
Furioso com o STF, Bolsonaro resolveu destituir os 11 ministros da corte. Aconselhado, recuou.

Fechamos um ano e oito meses de Bolsonaro no poder e, ao contrário dos profetas do apocalipse, as instituições estão funcionando.

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Não passa semana sem que Bolsonaro cometa um novo crime de responsabilidade.

Mas as instituições estão funcionando.

Cinquenta pedidos de impeachment já chegaram à Câmara dos Deputados, o mais antigo deles repousa sob as nádegas do presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM/RJ), há mais de 500 dias.

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Mas as instituições estão funcionando.

O talento presidencial para cometer crimes de responsabilidade tem até um viés exibicionista. Nos pedidos de impedimento, há uma salada de delitos: racismo, misoginia, homofobia, risco à saúde pública, incompatibilidade com o cargo, falsidade ideológica, aparelhamento da PF, ataques à imprensa, falas e ações autoritárias, crimes ambientais, ameaças à democracia, disseminação de fake news e muito mais.

Mas as instituições estão funcionando.

A agência de checagem Aos Fatos apurou que, em 602 dias como presidente, Bolsonaro deu 1.541 declarações mentirosas ou distorcidas.

Mas as instituições estão funcionando.

Na reunião ministerial de 22 de abril, o chefe de governo proferiu 34 palavrões. Supremo, governadores e prefeitos foram ofendidos e ameaçados.

Mas as instituições estão funcionando.

Furioso com o STF, Bolsonaro resolveu destituir os 11 ministros da corte. Aconselhado, recuou. Do Supremo não se ouviu um gemido sequer.

Mas as instituições estão funcionando.

A política fracassada e perversa de combate à covid-19 - com três ministros da saúde, sendo que o último é um general - já conduziu 121 mil brasileiros e brasileiras à morte e outros milhares também morrerão.

Mas as instituições estão funcionando.

Com as facilidades dadas pelo governo federal para adquirir mais armas e a repressão branda, as milícias ostentam cada vez maior poder, desafiando o monopólio do uso da violência atribuído pela lei ao Estado.

Mas as instituições estão funcionando.

No último dia de agosto, completaram-se quatro anos do processo acelerado de degradação dos direitos, da democracia e da própria consciência de soberania que vive hoje o Brasil. Foi o quarto aniversário do assalto ao poder comandado pelos eternos perdedores de eleições. Em meio a um festival de misoginia, baixeza, mediocridade e ambição cega, 61 senadores afastaram Dilma Rousseff do cargo que lhe fora concedido por 54,5 milhões de eleitores.

Entre os 61, uma tropa de notáveis dos quais o tempo - senhor da razão - já está tratando e iluminando os cantos mais obscuros da biografia de cada um: José Serra, Aloysio Nunes Ferreira, Aécio Neves, Valdir Raupp, Dario Berger, Acir Gurgacz, Ciro Nogueira, Antonio Anastasia, Ivo Cassol, Romero Jucá... A lista é longa.

Naquele dia, Dilma fez um pronunciamento que já nasceu histórico. E profético. Disse que o golpe estava sendo desferido contra todos os que lutam por direitos. Direitos à saúde, à educação, à terra, ao trabalho, à moradia, à cultura, à aposentadoria justa. Nas suas palavras falou assim:

“Mas o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido. Isto foi apenas o começo. O golpe vai atingir indistintamente qualquer organização política progressista e democrática. [...] O golpe é contra o povo e contra a Nação. O golpe é misógino. O golpe é homofóbico. O golpe é racista. É a imposição da cultura da intolerância, do preconceito, da violência”.

As instituições já estavam funcionando.

Edição: Rodrigo Durão Coelho