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Pedido para usar Força Nacional contra MST na Bahia partiu de Nabhan Garcia

Ex-presidente da UDR é homem de confiança de Bolsonaro e inimigo autodeclarado da reforma agrária

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Pecuarista Luiz Antônio Nabhan Garcia é um dos principais articuladores da equipe de Jair Bolsonaro junto ao agronegócio - Isac Nobrega / PR

O pedido para empregar a Força Nacional de Segurança Pública em áreas ocupadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) nos municípios de Prado e Mucuri, no extremo sul da Bahia, pelos próximos trinta dias, partiu do secretário Especial dos Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, homem de confiança do presidente Jair Bolsonaro e autodeclarado inimigo da reforma agrária e da demarcação de terras indígenas.

A portaria n°493, de 1° de setembro de 2020, foi publicada na última quarta-feira (02) no Diário Oficial da União e é assinada pelo ministro da Justiça, André Mendonça. O texto fala em garantir apoio ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) nos “serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, em caráter episódico e planejado”. O decreto, que gerou apreensão nas famílias acampadas, é válido de 03 de setembro a 02 de outubro.

Em 09 de março, Nabhan foi à região respondendo a um convite da Câmara Municipal de Eunápolis para participar de uma audiência pública sobre regularização fundiária. “Estamos aqui para ouvir aquele cidadão, cidadã que precisa de seu título de propriedade”, afirmou o líder ruralista. “Vamos acabar com a questão das invasões”.

Na época, o líder ruralista excursionava pelo país defendendo a aprovação da Medida Provisória nº 910/2019, apelidada por movimentos do campo como MP da Grilagem, que visava afrouxar as regras para regularização fundiária. Defendida pela bancada ruralista, a MP caducou em função da pressão da sociedade e da oposição no Congresso para não votar o texto, que tramita agora na Câmara como projeto de lei.

MST nega violência

Em nota, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) justificou o envio de cem agentes da Força Nacional como resposta a um ataque no Assentamento Jacy Rocha, em Prado, que teria deixado oito pessoas feridas na madrugada da última sexta-feira (28), além de “casas destruídas e mais dois lotes, um trator e uma moto incendiados”.

O caso está sob investigação da Polícia Federal (PF) e até o momento não foram divulgados vídeos e fotos do ocorrido, nem informação sobre suspeitos.

Segundo o órgão, subordinado a Nabhan dentro da estrutura do Ministério da Agricultura, o papel da Força Nacional será “acompanhar os trabalhos de campo” de uma força-tarefa criada para acelerar o processo de titulação nos assentamentos da região. O grupo contará com servidores destacados de outras superintendências regionais da autarquia.

Líderes do MST, no entanto, rechaçam a narrativa de que houve confronto. “O que vem a Força Nacional fazer aqui?”, questiona Lucineia Durães do Rosário, conhecida como Liu, membro da direção nacional do movimento, acampada em Prado. “Sabemos que eles não vêm fazer regularização fundiária”.

Segundo Liu, na última sexta-feira (28/08) um carro sem identificação entrou no Assentamento Jacy Rocha escoltado pela polícia. Como as comunidades estão de porteira fechada por conta da pandemia, as famílias se mobilizaram para ver o que estava acontecendo.

“Falamos que queríamos conversar e disseram que eram do Incra”, conta. “Quando a gente foi ver, eles estavam levando uma família que já há tempos tinha saído do assentamento, porque tinha envolvimento com tráfico de drogas”.

"Confronto foi criado pelo próprio Incra", alerta movimento

De acordo com Liu, o conflito citado na nota foi criado pelo próprio Incra, seguindo orientação do governo federal, através do secretário Nabhan Garcia: “Estavam orientados a criar casos e queimaram coisas para dizer que fomos nós”, alerta. “Falam que pessoas foram feridas porque foram na delegacia e disseram que foram, mas não têm nenhuma prova, nenhum tipo de vídeo, nem houve processo de luta corporal”.

Na avaliação da líder camponesa, existe uma rede de fake news na região, orientada por bolsonaristas:

— Embora a gente tenha ficado surpresa com a vinda da Força Nacional, com a velocidade e com o uso abusivo do dinheiro público e do poder, não é surpresa que esse governo tente sistematicamente destruir todos os processos organizativos das famílias. Não pode dizer que é para proteger funcionário do Incra, como botaram na nota. Cem policiais para escoltar funcionários do Incra? Ah, me poupe.

Ela conta que servidores do Incra estão rondando a região há mais de 30 dias: “Nunca que um membro do MST foi lá parar o carro e dizer que não era para o Incra entrar”. Até a manhã desta sexta-feira, os agentes da Força Nacional continuavam no município, sem entrar em assentamentos. Entretanto, há o temor de que a situação se agrave.

Liu também contesta uma fala recorrente do governo federal, de que o MST não é o “dono” da reforma agrária. “Realmente não somos os donos, mas fomos uma das ferramentas que impulsionaram o processo no Brasil”, comenta. “Isso não é autopromoção. É conhecimento da história e da realidade do nosso país”.

Secretário defende regularização "autodeclarada"

Ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e ligado a milícias rurais que levaram terror à região do Pontal do Paranapanema (SP) entre os anos 1990 e 2000, Nabhan defende a regularização fundiária autodeclarada, ou seja, feita pelos próprios ocupantes da terra. Por isso, não recebeu e — faz questão de frisar — não receberá nenhum líder do MST. Desde sua fundação, em 1984, o movimento é um dos interlocutores do Incra.

“Nesse governo, o MST é uma organização criminosa que invade propriedades”, disparou o secretário, em entrevista à Agência Pública. “Quem comete ato ilícito, fora da lei, é organização criminosa. Vou defender invasor de propriedade? A lei diz que se invadir é crime, fora da lei”.

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O secretário teve participação direta na Instrução Normativa nº 9/2020, da Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável por excluir 237 territórios indígenas que ainda passam por processo de demarcação, tornando possível sua ocupação, venda e loteamento. A alteração foi tema de reportagem do De Olho nos Ruralistas: “Medida que reduz proteção a terras indígenas foi articulada por Nabhan Garcia“.

No extremo sul da Bahia, a pecuária e o grande monocultivo para exportação, principalmente celulose, são figuras comuns na paisagem. Conforme o MST, o agronegócio têm destruído a pequena agricultura, provocado desmatamentos e expulsado as populações indígenas da região, que nos últimos anos também assistiu a uma nova expansão da lavoura cacaueira e da especulação imobiliária, em razão do grande número de praias.

Em nota, o MST lembra ainda que Prado e os municípios do entorno são alvo de conflitos com os sem terra e com povos indígenas. Considerado um dos berços do movimento, o extremo sul da Bahia assistiu ao surgimento dos primeiros núcleos da UDR — então liderada pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM) — no estado.

O observatório  entrou em contato com as assessorias de imprensa do Incra, para solicitar uma entrevista a respeito da atuação da Força Nacional, e do Ministério da Agricultura, sobre o posicionamento da pasta sobre reintegrações de posse em plena pandemia de Covid-19.

Em resposta, o Incra citou uma decisão da Justiça Federal da 1ª Região – Vara Federal Cível e Criminal de Teixeira de Freitas, na Bahia, do dia 1º de setembro, que autoriza a ação no Prado. O governador do estado, Rui Costa (PT), informou que entrará com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a portaria.

Ao Metrópoles, o governador falou que não chegou a ser comunicado sobre o envio das tropas para seu estado. Ele mandou uma carta ao ministro da Justiça na noite de quinta-feira (03) questionando a legalidade da autorização. “Eu não sou jurista, mas a nossa Procuradoria-Geral alega que é absolutamente ilegal esse ato”.

MST doou mais de 450 toneladas de alimentos no estado

Na região, há atualmente trinta áreas de assentamentos do MST. “Apesar da grande disputa dos territórios por parte das empresas de celulose, o movimento conseguiu com muita luta e sacrifícios conquistar estas terras e assentar as famílias”, prossegue a nota. “Portanto, não foi uma dádiva de Nabhan Garcia, que diz que o Incra é o único responsável pela reforma agrária, se portando como o dono do Incra”.

Conforme a assessoria de imprensa do MST, as ações de solidariedade na região incluem doação de sangue, máscaras, produto de higiene pessoal e produção agroecológica. O movimento chegou à marca de 450 toneladas de alimentos doados na Bahia. Em todo o Brasil, já são mais de 3.100 toneladas.