Em defesa da ciência

Conselho Federal de Medicina se omite sobre prescrição de cloroquina, dizem médicos

CFM e AMB são cobrados a rever postura sobre recomendação do medicamento no combate ao coronavírus

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Profissionais alertam que defesa da cloroquina, que tem em Bolsonaro seu maior garoto propaganda, atende a interesses políticos. - Reprodução

O uso da cloroquina no tratamento de pacientes infectados pelo coronavírus deve ser desaconselhado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Médica Brasilera (AMB). Essa é a opinião de profissionais da saúde, que fazem parte da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP) e da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD). Em debate online, transmitido pelo Brasil de Fato, representantes das duas entidades discutiram o tema com o público e levantaram questões éticas na prescrição da cloroquina sem o aval da ciência.

Em abril, o CFM divulgou parecer reforçando que "não existem estudos clínicos de boa qualidade" que comprovem  a eficácia da cloroquina contra a covid-19, tanto para prevenção quanto para tratamento. No entanto, a entidade abriu possibilidade de prescrição sem que os médicos sejam acionados por infração ética "diante  da  excepcionalidade  da  situação  e  durante  o  período  declarado  da pandemia."

O texto do Conselho impõe condições para a prescrição. Entra elas está a obrigatoriedade de explicar ao paciente que não há garantia científica de que o medicamento funciona contra a covid-19 e a exposição dos possíveis efeitos colaterais. O médico de família Aristóteles Cardona (RNMP) ressalta que as condicionantes já fazem parte do cotidiano dos atendimentos e não afastam os riscos envolvidos no uso da substância

"No parecer que o CFM emitiu sobre isso, ele colocava possíveis situações onde liberava o uso da cloroquina, mas colocava condicionantes, como o médico a esclarecer que não existe estudo. Isso é óbvio, está colocado no código de ética médica e serve para qualquer tratamento que a gente for fazer"

Já as diretrizes da AMB para a covid, atualizadas pela última vez também em abril, citam estudos não definitivos de possível efetividade da cloroquina. O texto da entidade afirma que o uso em pacientes graves pode ser feito, mas com a ressalva de que a recomendação pode ser modificada. Em julho, a AMB divulgou uma nota em tom mais duro, defendendo a liberdade dos médicos para prescrever a cloroquina. 

Segundo o texto, as manifestações contrárias ao uso do medicamento têm viés ideológico. "É importante lembrar que o uso off label (sem indicação na bula) de medicamentos é consagrado na medicina, desde que haja clara concordância do paciente. E que, sem a prática do off label, diversas doenças ainda estariam sem tratamento."

Coincidentemente ou não, a justifica vem sendo repetida pelo presidente Jair Bolsonaro para defender o uso da cloroquina. A infectologista e diretora do Instituto Couto Maia (BA), Ceuci Nunes (ABMMD), afirma que tanto o parecer do CFM quanto as manifestações da AMB atendem a interesses políticos.

"Foi um parecer que foi feito para agradar o Ministério da Saúde e depois ele não refez. Vieram inúmeras evidência científicas de que a medicação não servia para nenhum estágio da doença e o CFM simplesmente se calou e não refez essa orientação. Outra coisa é a AMB, que fez uma coisa que, no mínimo, pode ser chamada de deselegante e constrangedora. Ela se contrapôs a uma nota de uma afiliada sua, a Sociedade Brasileiras de Infectologia. Coisa que a gente nunca viu acontecer."

A reportagem do Brasil de Fato enviou pedido de posicionamento por e-mail para o CFM e para a AMB, mas não teve resposta até o fechamento desta matéria. 

 

Edição: Leandro Melito