Diante do atual cenário brasileiro de extrema desigualdade social e econômica, agravado pela crise sanitária da covid-19, a questão da fome retoma o centro dos debates no país.
De acordo com os últimos dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em seu relatório “O estado da segurança alimentar e da nutrição no mundo”, o Brasil aproxima-se do Mapa da Fome novamente, do qual deixou de fazer parte em 2014.
Nossos próximos passos serão decisivos para lidar com um dos direitos fundamentais de todo ser humano: o direito ao acesso a uma alimentação saudável, produzida e organizada por agricultores familiares camponeses.
O agronegócio se baseia na concentração de terras, no cultivo de grandes monoculturas, na exploração máxima dos recursos naturais e na grande dependência de agrotóxicos e fertilizantes químicos. O que gera uma produção de “commodities” agrícolas voltada para exportação, ou seja, não é o responsável pela produção de grande parte dos alimentos que nós consumimos diariamente.
O agronegócio lida de uma forma predatória com a natureza, causando o êxodo rural de diversas comunidades tradicionais rurais e dos camponeses trabalhadores do campo, que são os responsáveis por colocar 70% dos alimentos em nossas mesas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE).
Em contrapartida ao agronegócio, temos a agroecologia, enquanto ciência, movimento, prática, educação, aliada a um projeto de produção agrícola, que se baseia em novas relações humanas e de produção. Além de utilizar técnicas para preservar os recursos naturais, valoriza o camponês enquanto integrante essencial na complexa teia econômica, social, ambiental e cultural da produção de alimentos.
Agronegócio se baseia na concentração de terras, monoculturas e agrotóxicos. Seu contraponto é a agroecologia que se baseia em novas relações humanas e de produção
O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), desde a sua fundação, luta pela reforma agrária, enquanto direito constitucional de acesso à terra, como forma de combater as desigualdades sociais e a fome. O objetivo é que a população tenha, no meio rural, condições dignas de vida, com acesso ao trabalho, à educação e ao conhecimento, sendo construtora do seu próprio destino.
Neste contexto, a luta pela reforma agrária e pela agroecologia se converge. Alia a democratização de terras com um projeto de alimentação saudável, somado ao cuidado com os bens comuns da natureza, como a água, a terra, o solo, as sementes e a biodiversidade, tendo a cooperação, como princípio organizativo das relações ecológicas, sociais e de trabalho.
A partir desse entendimento e do acúmulo de diversos debates e práticas nos assentamentos de reforma agrária no Brasil, o MST lançou o Plano Nacional “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”, com objetivo de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos, a partir dos Sistemas Agroflorestais.
Os Sistemas Agroflorestais (SAF) são formas de uso da terra baseados nos princípios da agroecologia, que unem a produção de alimentos e de outros recursos vegetais, como a madeira, através do consórcio, no mesmo espaço, de cultivos de hortaliças/frutas (agro) e arbóreos (florestais).
Reforma agrária e agroecologia convergem na busca pela democratização de terras, alimentação saudável e cuidado com a natureza
Em Minas Gerais, o MST trabalha com diversas ações em consonância com a agroecologia e, desde 2016, se organiza na implantação e consolidação de agroflorestas em seus territórios, por meio do programa “Semeando Agroflorestas”, que atua na difusão de práticas e conceitos agroecológicos, nos assentamentos do estado.
Atualmente, o programa “Semeando Agroflorestas” atua em todo o território de Minas Gerais, em assentamentos do MST no Sul de Minas, Zona da Mata, Vale do Rio Doce, Triângulo Mineiro, Norte de Minas, Alto Paranaíba, Metropolitana, Jequitinhonha e Mucuri.
Como exemplo, no Triângulo Mineiro, já foram implantadas 30 unidades de Sistemas Agroflorestais (SAF), em 5 assentamentos, localizados no município de Uberlândia. Uma área total de 20 hectares de agrofloresta. Foram plantadas mais de cinco mil mudas de espécies arbóreas, o que corresponde a uma produção de seis toneladas de alimentos orgânicos por mês, entre frutas e hortaliças.
Sistemas Agroflorestais (SAF) produzem no mesmo espaço cultivos de hortaliças/frutas (agro) e arbóreos (florestais)
Os alimentos produzidos nas agroflorestas são comercializados em feiras, para o mercado institucional, como o Plano Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e por meio dos Grupos de Consumo das Cestas Agroecológicas.
O objetivo desses grupos vai além do consumo, buscando promover a troca de saberes entre os participantes (agricultores e consumidores), a reflexão e a transformação de hábitos e costumes, tornando possível para as pessoas assumir ativamente sua responsabilidade na dinâmica das relações sociais que acontecem desde a produção até a sua mesa.
Essas ações reafirmam o compromisso do MST com um projeto político de vida para o campo e a cidade. O compromisso de produzir alimentos saudáveis, na perspectiva de proteção ambiental, de forma acessível à população e gerando renda, qualidade de vida e soberania alimentar aos trabalhadores rurais sem terra.
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Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida