ELEIÇÕES RJ

Para candidata do PDT, falta de unidade da esquerda não fortalece o bolsonarismo

Deputada estadual, Martha Rocha, abre a série de entrevistas com pré-candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Martha Rocha é pré candidata à Prefeitura do Rio pelo PDT - Foto: Rafael Wallace/Alerj

O Brasil de Fato inicia uma série de entrevistas com as pré-candidaturas do campo progressista, dentro do espectro dos partidos de centro-esquerda e de esquerda, para a Prefeitura do Rio de Janeiro neste ano. A proposta é permitir que a população conheça as ideias defendidas pelos nomes que almejam o cargo de chefe do executivo da capital fluminense.

A primeira entrevistada foi a ex-delegada e atual deputada estadual pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), Martha Rocha. Aos 61 anos e nascida no subúrbio do Rio, Martha está em seu segundo mandato como parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e se destaca em sua trajetória pessoal por ter sido a primeira mulher na história a chefiar a Polícia Civil do Rio de Janeiro, em 2011, tendo papel decisivo no projeto de criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs).

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Nesta conversa, a pré-candidata ao posto de chefe do executivo do município do Rio fala sobre os desafios sociais e econômicos enfrentados pelo próximo gestor ou gestora da cidade. Além disso, a ex-delegada comenta sobre a dificuldade do campo progressista em estabelecer uma unidade para lançar uma candidatura única.

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Para Martha, faltou diálogo na proposta apresentada por Marcelo Freixo (Psol) de ser o nome que representaria a esquerda. “Eu acho que lá atrás a gente não conseguiu fazer essa unificação porque o que era oferecido não era estabelecer uma frente. O que era oferecido era um contrato de adesão”, afirma. 

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: No Rio, o campo progressista não conseguiu chegar a um nome comum para disputar a prefeitura. A fragmentação entre esquerda e centro-esquerda levou para o pleito da disputa candidaturas pulverizadas. Ao seu ver, esse cenário colabora para o crescimento do bolsonarismo e ressalta ainda mais a fragilidade de articulação do campo progressista para a disputa eleitoral?

Martha Rocha: Em primeiro lugar, a decisão da legislação eleitoral que não permite a coligação na campanha proporcional, de alguma forma, nos obriga a ter uma candidatura própria. A candidatura própria potencializa também a campanha proporcional, mas é fato, e você tem razão, que os progressistas não conseguiram fazer a sua unidade. 

Eu sempre disse que esse debate tinha que ser uma via de mão dupla.

Eu não posso sentar e chamar aqueles que têm o mesmo olhar que eu apresentando a minha candidatura. Eu acho que isso não foi possível ser construído através da campanha do Marcelo Freixo (Psol), porque o Marcelo, que é um brilhante parlamentar, tem todos os requisitos importantes, mas ele trazia a discussão para um processo de adesão à campanha dele, e não para uma discussão na base progressista de quem é que seria o candidato. 

Eu acho que lá atrás a gente não conseguiu fazer essa unificação porque o que era oferecido não era estabelecer uma frente. O que era oferecido era um contrato de adesão: "Eu serei o candidato e quem vier comigo, dentre as pessoas que vierem comigo, eu vou escolher o meu vice". Me perdoe a franqueza, mas foi assim que a questão foi conduzida. E depois, me parece também, que dentro do próprio partido havia, pelo menos é o que os jornais noticiavam, outros personagens do Psol que também pleiteavam ser candidatos a prefeito. Embora eu volte a dizer que ele [Freixo] tivesse todos os requisitos para ser candidato.

Então, efetivamente, a gente não construiu essa unificação das esquerdas, mas eu também acho que isso não vai potencializar a questão do Bolsonaro.

Porque nesta eleição, nós não teremos o mesmo impacto que tivemos em 2018. Muitas pessoas que naquela ocasião votaram em Bolsonaro, pois queriam dizer não a uma outra identidade partidária. Eu acho que hoje elas vão estar olhando para a cidade do Rio de Janeiro, para aquilo que é melhor para a cidade.

Você se lança em uma pré-candidatura à prefeitura com o governo federal de linha neoliberal e fundamentalista e o governo estadual investigado por corrupção em meio a um processo de impeachment. Como uma nova gestão da prefeitura pode ter autonomia para barrar retrocessos diante desse cenário?

Eu acho que tudo começa no território da cidade. A política pública não vem de cima para baixo, ela nasce no município e se repercute no município. Se eu estiver no município, o nosso viés é uma prefeitura que enfrente a desigualdade, que aceite a diversidade, eu acho que isso se repercute em todo o território, porque é no município onde as coisas acontecem.

O cenário que o estado do Rio vive é muito ruim e muito particular criado pela gestão do governador Wilson Witzel (PSC). Em primeiro lugar, ele não admite que teve o apoio do governo Bolsonaro para ser eleito, menos de um ano depois, ele se apresenta como candidato [à Presidência da República] e no auge do momento em que poderia demonstrar a sua capacidade de gestão, o seu governo é denunciado por desvio de dinheiro público.

A situação do governo Wilson Witzel por si só, na sua gestão, construiu tudo o que ele está vivenciando agora. Eu acho que uma boa gestão trabalhista, progressista tem a capacidade de interferir nas decisões de 2022 seja para o governo do estado, seja para o governo federal.

O Rio é o segundo estado do país em número mortes pela covid-19 e o terceiro em número de casos. A cidade do Rio concentra a maior parte dos casos e mortes do estado. Como a saúde do município poderia ser melhor manejada para tratar a pandemia? Como pretende minimizar os impactos dessa crise no serviço de saúde prestado à população?

Temos que aprender com aquela gestão que deu certo. E não me canso de elogiar aqui a Jacinda [Ardern, a primeira ministra da Nova Zelândia]. Nos países onde a pandemia teve mais sucesso no seu enfrentamento, a gente identifica uma gestão de mulheres. Em primeiro lugar, essas mulheres acompanharam a ciência. Não negaram a ciência. Em segundo lugar, essas mulheres tinham uma interlocução com a sua cidade, o seu país, a sua comunidade e tinham comandos claros e transparentes.

A gente tem que lembrar que a saúde pública, na cidade do Rio de Janeiro, enfrentou uma grande crise nos anos de 2017 e 2018 e que a pandemia vai importar, sobretudo ao gestor municipal, olhar para a saúde e colocá-la como política transversa de toda e qualquer ação desenvolvida pela prefeitura. 

Eu acho que mais do que nunca as ações da saúde, da atenção básica, do médico de família, essas ações que são desenvolvidas pela rede municipal de saúde pública terão que fazer parte da rotina dos brasileiros, dos cariocas, daqui para frente no pós-pandemia.

A pandemia tem impacto sobre diversas áreas, uma das mais afetadas é a Educação. O município é responsável por assegurar a Educação Infantil e o Ensino Fundamental para a população. Diante da dificuldade de acesso à internet, muitos alunos e alunas da rede pública municipal não estão conseguindo manter a rotina de estudo e estão sendo prejudicados. De que maneira pretende enfrentar o aumento da desigualdade educacional na rede pública?

Uma coisa que ficou clara na pandemia é que primeiro a gente tem que aprender a tomar decisões coletivas e, segundo, o que a pandemia mostrou, de forma clara e cruel, foi a desigualdade, entre outras coisas, na educação. As escolas privadas, três dias depois [da quarentena] estavam preparadas para reiniciar suas aulas pelo sistema remoto de ensino à distância, ao contrário da rede pública que não conseguiu fazer isso. 

Os alunos da rede pública não têm nenhum ambiente doméstico que permita que eles possam ter a disponibilidade de um equipamento ou de um pacote de dados. É muito mais difícil para esses alunos o desenvolvimento do ensino do que foi para os alunos da rede particular.

Nesse projeto de educação, a gente tem que entender que a questão do ensino à distância fará parte de uma realidade dos alunos da escola daqui para frente. Aula remota por si só não é suficiente porque a convivência na escola desenvolve outros aspectos e fatores que também fazem parte da educação, não é apenas ensinar a soma e dividir, ler e escrever. Existem aspectos sociais que são tratados nessa convivência na comunidade escolar. A gente vai ter que colocar a saúde dentro da escola para que a saúde desses alunos seja preservada.

O Mapa da Desigualdade 2020 (com dados compilados antes da pandemia) mostra que, na capital, brancos têm remuneração 41,9% maior que negros na média do emprego formal. Nesse aspecto, é a cidade mais desigual em toda a região metropolitana. Como o próximo prefeito pode resolver o problema do desemprego, sem deixar de ter no horizonte essas desigualdades?

Eu tenho uma militância pessoal no direito das mulheres e uma coisa que eu aprendi é que se é difícil ser mulher, é mais difícil ser mulher negra. Em todas as áreas das políticas públicas que nós pensamos, a gente faz o recorte da raça e da etnia.

Então, quando a gente falar da educação, vamos falar da obrigatoriedade do ensino da história africana; quando falarmos da saúde, a gente vai falar do Programa de Atenção à Saúde Integral da Mulher Negra; quando a gente falar da questão do trabalho, vamos ter que buscar essa população que recebe menos e, se você for olhar na proporção, vai ver que primeiro é o salário do homem branco e por último da mulher negra.

Em todas as áreas que a gente atuar a questão da raça e da etnia tem que ter um recorte transversal para olhar a necessidade da implantação de uma política específica para o fortalecimento da cidadania dessas pessoas. Todas as ações desenvolvidas pela prefeitura têm que ter o recorte de raça e etnia.

A questão habitacional é outro problema grave no município do Rio de Janeiro. Um levantamento realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DP-RJ), no ano passado, apontava que a capital fluminense possuía 15 mil pessoas em situação de rua. Com a crise social e econômica que enfrentamos hoje, a tendência é que haja um aumento da população em situação de rua e da moradia precária. Caso seja eleita, que política habitacional pretende colocar em prática para enfrentar a situação?

A população de rua não é uma questão apenas de habitação.

É uma questão social de pessoas que vão para a rua porque perderam todos os laços que tinham na sua vida. Muitas dessas pessoas têm problema de drogas, álcool, perderam o contato com suas famílias. Há de se ter um olhar para a população em situação de rua que passa não só pela assistência social, mas pela área da saúde e também para a questão da habitação. 

A habitação não é uma tarefa fácil, não é uma política barata, exige um investimento. É bom que a gente lembre que o ano de 2019, segundo os dados do Tribunal de Contas do Município (TCM), foi um ano que fechou com um déficit de R$ 4 bilhões.

Na verdade, caberá à prefeitura buscar parcerias. Eu acho que a importância da cidade do Rio de Janeiro vai fazer com que as pessoas sejam capazes de estabelecer um diálogo e buscar soluções. Você pode ter a certeza que eu vou buscar soluções para esse problema, não é apenas um problema de habitação, mas acho que bateremos na porta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do governo federal, do Ministério da Cidadania em busca de uma solução para a cidade do Rio, buscando parcerias público-privadas. A prefeitura para mim é uma incubadora de oportunidades. Acho que cabe ao prefeito buscar as soluções para a sua cidade.

Ainda entre os impactos da pandemia, temos o fechamento de postos de trabalho e a tendência de crescimento da informalidade no município. Muitos ambulantes atualmente sofrem com a repressão da Guarda Municipal e a apreensão de mercadorias. Como prefeita, como pretende atuar para manter a ordem pública e atender o interesse dos trabalhadores informais?

A cidade verdadeiramente está muito mal tratada e a questão da informalidade é uma realidade desse momento econômico que a gente está vivendo, mas eu também acho que essas pessoas não estão felizes por trabalhar na informalidade.

Acho que o que essas pessoas precisam é de uma carteira assinada, da garantia dos seus direitos, de contratos de trabalho que respeitem os seus direitos e não de um trabalho precário.

Cabe à prefeitura buscar novas opções e não é sair chutando ambulante.

A prefeitura deve fazer uma reorganização desse mercado tentando trazer a informalidade para dentro do mercado formal. Eu acho que a prefeitura pode, por exemplo, nos contratos que ela faz, buscar a participação de pequenos empreendedores, permitir que esses comerciantes informais se organizem em cooperativas, temos como fazer isso sem necessariamente sair fazendo o que a gente vê muitas vezes que é a perseguição da Guarda Municipal contra os trabalhadores informais que estão ali buscando um espaço.

Existe também a abertura de espaços para esses trabalhadores poderem exercer essa atividade, acho que a prefeitura pode fazer a reorganização para o lugar certo com as condições adequadas para os trabalhadores informais.

O Rio é uma das cidades mais antigas do Brasil e cartão postal do país, mas o percentual de casas com tratamento de esgoto é de 63%. Segundo o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), há 437 estações de tratamento na região metropolitana do Rio, mas 134 estão inoperantes. Isso quer dizer que, para quase 3% da população da capital, a água não chega. Esse cenário se completa com episódios recentes da crise da água, no início deste ano, e a proposta de privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Como coordenar essas questões e tentar diminuir a desigualdade de acesso ao saneamento e à água na cidade?

Eu votei contra a privatização da Cedae. A Cedae é uma empresa lucrativa, o que acontece, segundo o que nos chega pelas matérias de jornais, é que a Cedae foi entregue a um grupo político que hoje se encontra preso. O problema ali é da gestão.  

A cidade do Rio de Janeiro é a maior acionista da Cedae e você não vê um gesto do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) no âmbito da geosmina [composto químico que no início do ano foi detectado em amostras de água no Rio]. Não vimos o prefeito bater na mesa, questionar o presidente da Cedae, o governador do estado. Assistimos silenciosamente a diversas desculpas do que seria a geosmina. Então, eu acho que, antes de tudo, o prefeito da cidade do Rio de Janeiro tem que exercer a sua função de gestor. Nada que acontece no município pode não ter a intervenção do prefeito. Então, antes de tudo, o prefeito tem que exercer essa função de representante legal da cidade do Rio. 

Eu não tenho de pronto nenhuma ideia definitiva, como já foi uma iniciativa feita no governo Eduardo Paes (DEM), de uma parceria público-privada. Eu não tenho essa ideia nesse momento, mas eu sou aberta ao diálogo desde que isso seja bom para a cidade do Rio de Janeiro.

Qual é o empresário de sucesso que venderia uma empresa lucrativa? Que no ano anterior teve R$ 600 milhões de lucro, para receber R$ 2,9 bilhões [pela venda] e ter que pagar R$ 4,7 bilhões? Qual o empresário de sucesso que faria esse contrato? Nenhum. Eu acho que estamos diante da questão da gestão, cada R$ 1 que você gasta em saneamento, você economiza R$ 4 na saúde, mas eu acho que cabe ao prefeito exigir essa questão do saneamento e lá pra frente examinar outras propostas que possam também ser boas para a cidade do Rio. Deixo claro que eu sou contra a privatização da Cedae. 

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse