ENTREVISTA

Programa Renda Brasil significa perda de direitos já conquistados

Entidades alertam para os perigos do “Renda Brasil” e reforçam movimento nacional “A Renda Básica que Queremos”

Brasília | Brasil de Fato MG |
A Renda básica que queremos é a que possa garantir que todas as famílias brasileiras tenham comida na mesa, água, luz e moradia - Créditos da foto: Reprodução

O possível lançamento do chamado “Renda Brasil”, que vem sendo tratado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) como o novo programa de transferência de renda, em substituição ao Programa Bolsa Família e a outros benefícios assistenciais e previdenciários, tem sido alvo de polêmicas, como adiamentos, supostos vazamentos e divergências entre falas da equipe econômica e do presidente.

Mesmo com o recente anúncio do governo federal de suspensão da proposta, entidades e movimentos sociais de todo o país ligados à Política de Assistência Social e à Seguridade têm alertado para as possíveis “pegadinhas” do que foi divulgado até o momento sobre o programa, que pode ser mais um ataque aos direitos da população.

Bolsonaro busca ganhos eleitorais com criação do Programa “Renda Brasil” e extinção do Bolsa Família

Uma delas é o Conselho Federal de Serviço Social, entidade que representa hoje a categoria de assistentes sociais, que ultrapassa o número de 190 mil profissionais no país.

Grande parte dessa categoria, além de ter contribuído para a construção da política de assistência social ao longo dos anos, atualmente trabalha em programas socioassistenciais, operando, inclusive, o Programa Bolsa Família.

Confira a entrevista com a assistente social da área da assistência social e diretora do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), Priscilla Cordeiro, coordenadora da comissão de Seguridade Social da entidade.

BdF MG: Por que acender o sinal de alerta para o “Renda Brasil”, do governo federal?

Priscilla Cordeiro – Temos acompanhado com receio e preocupação todo e qualquer anúncio ou movimentação do governo federal.

Em primeiro lugar, porque a política econômica adotada nitidamente privilegia o mercado em detrimento da população, sempre com a desculpa do teto de “gastos” e do ajuste fiscal.

Um segundo ponto é a falta de diálogo desse governo com a sociedade, como Conselhos, Fóruns, Frentes, o legislativo e sujeitos que, historicamente, têm feito o debate e a defesa dos direitos em todas as áreas e, nesse caso, na Política de Assistência Social.

Além disso, os anúncios prévios do governo e da mídia sobre o “Renda Brasil” sugerem, até o momento, a extinção de diversos programas e benefícios (como a Farmácia Popular, o Abono Salarial, o seguro-defeso – pago a pescadores artesanais no período de reprodução dos peixes – além do salário-família) para custear esse novo programa de transferência de renda.

Política econômica adotada nitidamente privilegia o mercado em detrimento da população, com a desculpa do teto de “gastos” e do ajuste fiscal

E as divergências nas falas do presidente e de sua equipe econômica, divulgadas pela mídia recentemente, não alteram o núcleo central do programa, que é e a insuficiência da proposta frente à necessária estruturação da proteção social no país.

Aventa-se um valor apenas um pouco maior, porém, muito aquém do necessário, e, ao mesmo tempo, fala-se em mexer em imposto de renda de pessoas físicas para garantir esse valor irrisório. O discurso sobre as fontes de recursos continua não tocando na taxação das grandes fortunas, no fim do ajuste fiscal ou em soluções para o histórico desfinanciamento das políticas sociais.

Isso significa a perda de direitos já conquistados historicamente pela sociedade brasileira. Sem contar que se ventila a criação de novos impostos para financiamento do programa, mas que provavelmente incidirão sobre as pessoas de baixa renda.

Há também um cunho político-eleitoreiro no “Renda Brasil”?

É evidente que, ao propor a criação do Programa “Renda Brasil” e a extinção do Programa Bolsa Família, o governo Bolsonaro busca capitalizar para si a popularidade e os ganhos políticos e eleitorais que um programa de transferência de renda possa gerar.

Basta analisarmos as últimas pesquisas, que apontaram um aumento da popularidade do governo, muito em razão, segundo especialistas, do pagamento do Auxílio Emergencial.

“Renda Brasil” propõem extinguir diversos programas e benefícios sendo proposta insuficiente para estruturação da proteção social no país

O que as pessoas se esquecem é que o governo federal propôs um voucher de R$ 200 para esse auxílio, e que os R$ 600 reais conquistados (ou R$ 1.200 para mães-solo) são fruto de pressão popular no Congresso Nacional, que conseguiu elevar o valor proposto inicialmente.

Outra medida sugerida (mas não confirmada) é a vinculação do “Renda Brasil” com a Medida Provisória (MP) 905/2020 (Carteira Verde e Amarela) que, na prática, regulamenta a precarização dos contratos de trabalho, já que extingue direitos e benefícios trabalhistas.

Ou seja, o Brasil terá um programa assistencial de natureza clientelista aliado à total desproteção do trabalhador e da trabalhadora.

E como dar mais visibilidade a esse debate?

Além de uma nota pública que divulgamos em 27 de agosto, apontando todos os problemas da proposta do governo federal, promovemos também uma ação chamada "Renda Básica: saiba mais sobre esse debate", pela qual explicamos didaticamente os problemas da proposta do governo e o modelo de proteção social que o Brasil precisa, ainda mais nesse contexto de pandemia. Além disso, estamos dando visibilidade à campanha nacional A Renda Básica que Queremos, que reúne mais de 270 entidades do Brasil em defesa de uma Renda Básica Universal.

Como será desenvolvida a campanha Renda Básica que Queremos?

A Renda Básica que Queremos é aquela que, como a própria campanha aponta, possa garantir que todas as famílias brasileiras mais pobres tenham acesso ao básico para sobreviver, como comida na mesa, água, luz e moradia.

Historicamente, o Serviço Social brasileiro sempre fez a defesa da segurança do trabalho e da renda. Assistentes sociais, em suas competências e atribuições, orientam e buscam viabilizar o acesso da população aos direitos sociais.  

Sabemos que o direito à renda vai além da Política de Assistência Social e é essencial numa perspectiva de proteção social universal.

Defendemos, portanto, a proposta de uma renda básica de cidadania universal viabilizadora do direito à segurança de renda não condicionada, de caráter não-contributivo. A tônica da defesa feita pelo CFESS em torno da bandeira da renda básica, portanto, assume um caráter universal, rompendo com a cobertura ainda limitada do Programa Bolsa Família, estendendo-se aos mais diversos sujeitos de direitos.

Governo não toca na taxação das grandes fortunas, no fim do ajuste fiscal e não resolve o desfinanciamento das políticas sociais

O manifesto “Caminhos para a criação de uma Renda Básica Permanente”, assinado por centenas de organizações e movimentos, traz elementos que sempre estiveram na pauta do Serviço Social, como a incondicionalidade (a renda básica permanente deve ser disponível para todas as pessoas); a individualidade; a previsibilidade; a liquidez; a não-tributabilidade (a Renda Básica Permanente não pode ser tributada explícita ou implicitamente); o caráter redistributivo (deve ser custeada por tributos e  outras medidas de caráter progressivo que afetem, prioritariamente, os 5% de brasileiros mais ricos - que hoje concentram a mesma renda dos outros 95%, com menor carga tributária); entre outros.

Além disso, não custa lembrar que já existe uma lei sobre renda básica que precisa ser efetivada.

A política pública conhecida como Renda Básica de Cidadania foi instituída no Brasil pela Lei 10.835/2004, que consiste no pagamento de uma renda incondicional e universal a todos os brasileiros e brasileiras natos e estrangeiros residentes legalmente no país há mais de cinco anos, um valor suficiente para a cobertura mínima das despesas referentes a alimentação, saúde e educação de cada pessoa.

Como a sociedade pode se envolver no debate?

Visitando a página da campanha e assinando o manifesto, debatendo nos espaços de trabalho, se articulando e participando dos debates promovidos por outros sujeitos coletivos, a exemplo dos espaços de controle social, fóruns e frentes em defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e da Seguridade Social.

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Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida