CIÊNCIA

Reitor da federal de Pelotas crê que universidades vão sair mais fortes da pandemia

Pedro Hallal diz que as universidades têm sido gigantes no combate ao coronavírus

UFRGS Notícias |
Hallal é coordenador de uma das mais amplas pesquisas sobre covid-19 no mundo, a Epicovid-19 - Foto: Coordenação Comunicação Social/UFPEL

Coordenador de uma das mais amplas pesquisas sobre covid-19 no mundo, “Estudo da evolução da prevalência de infecção por COVID-19 no Brasil (Epicovid-19)”, cujos resultados têm sido referenciais na formulação de estratégias governamentais para o combate à pandemia, o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal acredita que a ciência sairá fortalecida deste período. Ele possui graduação em Educação Física e mestrado e doutorado em Epidemiologia pela UFPel. Além disso, realizou estágio pós-doutoral no Instituto de Saúde da Criança da Universidade de Londres e atua como docente da UFPel no curso de graduação em Educação Física e nos programas de pós-graduação em Educação Física e Epidemiologia.

A entrevista foi conduzida pela UFRGS. Acompanhe:

Há um século o mundo se deparou com uma pandemia chamada de Gripe Espanhola. Historiadores apontam semelhanças entre o que se viveu naquela época e o que enfrentamos agora. Já naquele período, a desinformação e a negação do potencial do vírus estavam presentes. Por que, na tua visão, mesmo com os avanços na ciência e na tecnologia, a história parece repetir-se?

Pedro Hallal: No caso atual, existe uma parcela de culpa no discurso do próprio Governo Federal, que valida esses discursos anticiência. Há, nessa esfera, representantes que falam coisas tão estúpidas quanto “a terra é plana”. Acredito que se essa pandemia tivesse chegado ao Brasil durante as gestões Temer, Dilma, Lula ou Fernando Henrique Cardoso – para deixar bem explícito que não estou tratando de nenhum partido político em específico –, o combate a ela teria outra magnitude. A verdade é que, neste momento histórico, a negação à ciência está dentro, é um embrião, da candidatura que foi eleita para governar o país. Por isso acho que as pessoas se sentem tão autorizadas a proferir esses discursos de ódio.

Estás à frente da pesquisa de mapeamento do coronavírus no Brasil, que testou e entrevistou quase 90 mil pessoas em 133 cidades de todos os estados brasileiros em suas três fases. Quais são os achados mais importantes desse estudo até o momento?

São cinco os resultados importantes a serem pontuados. Primeiro: crianças também pegam coronavírus, na mesma intensidade que adultos, embora o quadro da doença seja mais leve no caso delas. Eu gosto de destacar esse resultado porque isso não era sabido há um tempo; muitos sugeriam que criança não pegava e não transmitia, e o Epicovid veio para apontar o equívoco na afirmação. O segundo diz respeito às desigualdades sócio-econômicas. Os 20% mais pobres da população têm o dobro de risco de ter coronavírus em relação aos 20% mais ricos. O vírus, que chegou pelos aeroportos, rapidamente se transformou numa doença, como muitas no Brasil, que atingiu os vulneráveis com mais força. Em geral, essas pessoas moram em casas menores, com maior aglomeração. O terceiro é que é muito difícil tratar o Brasil com uma curva epidêmica, já que o país tem múltiplas curvas devido à sua dimensão territorial. Ou seja, o Epicovid constatou muitas desigualdades regionais. Na primeira fase da pesquisa, enquanto a proporção da população infectada já era acima de 5, 6% no Norte do Brasil, nas outras regiões era menor que 1%. O quarto resultado é que há diferença marcante na cor da pele dos infectados: as pessoas indígenas têm risco bem maior de ter coronavírus do que os outros grupos étnicos. Isso é muito interessante, porque se a gente partir do pressuposto que não há explicação genética para a doença, faz todo o sentido que a explicação seja social e cultural. O último resultado é relacionado aos sintomas. No início, era disseminada a informação de que a maior parte dos casos era assintomática, mas isso não se confirma pela nossa investigação, que sugere que a maior parte dos casos realmente é leve, mas não assintomática. Chama a atenção a frequência com que as pessoas perdem o olfato e o paladar e, quando as pesquisas começaram na China, isso nem era perguntado.

Nas fases iniciais da Epicovid-19 BR, os pesquisadores enfrentaram algumas hostilidades ao desempenharem seu trabalho? Por quê?

Teve bastante hostilidade, não por parte da população, mas das gestões municipais que, por uma falha de comunicação do Ministério da Saúde, não sabiam detalhes da pesquisa. As forças de segurança, os agentes municipais, receberam de forma hostil nossos pesquisadores em algumas cidades, mas na maioria foi tranquilo. Os casos de hostilização pela população foram raros, mas aconteceram também. Depois que se resolveu o problema da comunicação, isso deixou de ocorrer.

Como avalias a atuação das universidades públicas no enfrentamento à pandemia?

As universidades têm sido gigantes frente à pandemia de coronavírus. A universidade pública vem sendo atacada nos últimos tempos tanto sob o ponto de vista financeiro, com cortes de verbas, quanto sob o ponto de vista moral, numa tentativa de desvalorização do nosso trabalho. Mas, mesmo assim, quando a população mais precisou de nós, das universidades, estamos dando a resposta, produzindo uma série de conhecimentos, seja sobre vacina, seja sobre medicamentos, seja com pesquisa epidemiológica. As universidades reagiram, apesar da falta de investimento e do descrédito. Acredito que sairemos fortalecidos deste período.

Tens afirmado que a ciência sairá fortalecida dessa pandemia. Considerando o grau de desinformação e a facilidade de proliferação das fake news sobre o tema, não estás sendo muito otimista?

A gente não tem bola de cristal, mas acho que a comunidade está muito mais do nosso lado neste momento do que do lado das fake news e da negação da ciência. A população brasileira, que, precisamos reconhecer, é muito distante das universidades – e um dos efeitos da pandemia foi aproximar a ciência da comunidade –, está ouvindo muito o que estamos dizendo, e acreditando muito mais na voz da ciência do que na da negação. Claro que essa é uma afirmação marcada por uma torcida minha. É o meu desejo que as pessoas valorizem mais a ciência, mas tenho evidências para acreditar que isso está acontecendo. Cada vez que eu me manifesto na mídia, eu sou atacado por um grupo de negacionistas, porém, por outro lado, tenho recebido muito mais apoio do que ódio.

Que aprendizado podemos incorporar deste período?

Podemos dizer que levamos um banho do mundo oriental. Eles souberam enfrentar a pandemia de modo muito mais eficiente de forma geral, com exceções, é claro. A gente tem que aprender a ouvir a ciência, pois as recomendações não são brincadeira. Quando tem a recomendação de ficar em casa, ou de lavar as mãos com frequência, isso tem de ser seguido à risca. Na Ásia, o cumprimento dessas recomendações fez com que eles tivessem mais sucesso no enfrentamento da pandemia. Essa é uma lição que fica.

Gostarias de pontuar algo que não te perguntei?

Sim. Eu só quero que fique registrado que, como reitor da UFPel, eu reconheço e elogio o processo democrático de eleição para a reitoria na UFRGS ocorrido recentemente, e que não aceitamos nenhum resultado diferente da nomeação do colega que ficou em primeiro lugar no processo eleitoral. É extremamente importante que se reconheça o resultado da consulta feita à comunidade da UFRGS.

 

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: UFRGS Notícias